21 de Março, Dia Mundial da Poesia. Uma efeméride criada pela UNESCO em 1999. Pretexto para falar com um escritor, poeta, organizador de sessões de poesia, dinamizador da palavra, locutor de rádio… Jorge Vieira falou sobre poesia, sobre palavras e sobre o Jorge Vieira.
ZAP – Lembras-te de quando foi o teu primeiro cruzamento com a poesia?
Jorge Vieira (JV) – Foi nos bancos da escola. Na altura, havia livros que tinham um texto e uma quadra no final. Depois, no secundário, era a ‘Seleta Literária’, era um texto de um escritor português e era um poema de um poeta português. Foi a partir daí que comecei a entusiasmar-me pela poesia.
ZAP – E lembras-te de quando percebeste que ias escrever?
JV – Tinha 16 anos. Comecei a escrever aí. Claro que deitei fora muitos poemas porque achava que não tinham aquela perfeição desejada para ser poeta. Mas depois com o tempo, e com a parte da minha sensibilidade em relação às pessoas, à natureza, a partir daí comecei a escrever pequenas quadras, com várias ideias. Surgia sempre um poema sobre o pôr-do-sol, sobre as marés, sobre olhares, sobre gestos… E também devo essa intensidade a um grande poeta, que já não está entre nós, que tinha o programa ‘Cantar de amigo’ numa rádio de Luanda: Vasco de Lima Couto.
ZAP – Primeiro livro que escreveste: qual foi e porquê?
JV – Foi um livro um bocado rudimentar. Foi uma experiência, feita à pressa. Chama-se ‘A força das palavras’. Foi uma edição de autor e foi a minha rampa de lançamento para a poesia a sério.
ZAP – Entretanto escreveste e publicaste mais livros. Todos em verso?
JV – Todos. Tenho cinco livros, todos eles de poesia.
ZAP – Deixar os versos de lado numa obra… Nunca foi opção?
JV – Não. Cheguei a escrever em prosa, mas só para programas de rádio, sobre determinados temas.
ZAP – Tens referências na escrita poética?
JV – Vasco de Lima Couto, Miguel Torga, Fernando Pessoa, Luís de Camões, Gomes Leal, António Nobre, Florbela Espanca, Teixeira de Pascoaes, Cesário Verde…
ZAP – Foste locutor de rádio, incluindo na Antena 1. Precisamente como anfitrião de um espaço de poesia. Como foi isso?
JV – A reação foi muito positiva, as pessoas telefonavam para a rádio… Eu fazia um balanço entre música e poesia, era às quartas-feiras. As pessoas ouviam e adoraram essa maneira de fazer rádio, misturando a poesia.
ZAP – Falta palavra na comunicação social?
JV – Falta. Algumas pessoas de muito valor na poesia já morreram, outras envelhecem, ganham doenças… A poesia está um bocado por baixo. Só online é que vai havendo algumas iniciativas, mas não são muitas e, por vezes, acontecem em simultâneo e a pessoa tem de escolher.
ZAP – Organizaste muitas sessões de poesia, com música pelo meio. Quando começaste, foi iniciativa tua ou foste desafiado por amigos?
JV – Iniciativa minha. Aconteceu a partir da criação dos Poetas do Bonfim. Eu e um sargento da GNR criámos tardes de música e poesia, que aconteciam uma vez por mês, aos sábados. Na altura não havia quase nada deste estilo, no Porto. Depois os eventos multiplicaram-se, fiquei ocupado com poesia em praticamente todos os fins de semana. Mais tarde, abracei o projeto dos cafés Majestic e Guarany, com o Conservatório de Música do Porto a abrilhantar as sessões: aí houve outro dinamismo e começaram a aparecer grandes valores da poesia.
ZAP – O que é a poesia, para ti?
JV – Poesia é vida. É o pulsar dos sentimentos mediante várias situações.
Entrevista completa, com declamação de dois poemas no final:
Ainda que tarde, não quero deixar de homenagear o poeta, passados que são já alguns dias sobre a celebração do Dia da Poesia, não com palavras minhas mas com as de um dos maiores poetas portugueses, com as quais define, como ninguém, a condição de ser poeta.
Inocência
Vou aqui como um anjo, e carregado
De crimes!
Com asas de poeta voa-se no céu.
De tudo me redimes,
Penitência,
De ser artista!
Nada sei
Nada valho
Nada faço
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!
Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano, como os outros meus irmãos,
Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos!