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Pessoas em estado vegetativo conseguem pensar e sentir

“Imagine acordar e perceber que está trancado dentro de uma caixa”, propõe Adrian Owen, da Universidade de Western Ontario, no Canadá. “É uma caixa que o envolve com tanta perfeição e é tão bem ajustada ao seu corpo que prende os seus lábios, impedindo-o de falar, mesmo que possa perceber o que acontece ao seu redor.”

Pessoas que estão no chamado estado vegetativo podem abrir e até mover os olhos. Podem sorrir, agarrar a mão de alguém, chorar, gemer e grunhir. Mas não conseguem reagir a um ruído repentino ou compreender o que é dito à sua volta.

Estes pacientes parecem ter perdido as memórias, as emoções e as intenções – todas as qualidades que fazem de cada um de nós um indivíduo. Ainda assim, de vez em quando perguntamos-nos se não terão pelo menos um nível mínimo de consciência do que está a acontecer.

Há uma década, a resposta seria um redondo “não” – mas agora é diferente. Com a ajuda de aparelhos de tomografia e ressonância magnética, Adeian Owen descobriu que algumas pessoas podem estar presas no seu próprio corpo mas conseguem pensar e sentir em intensidades variáveis.

Decisão consciente

Mentes aprisionadas, danificadas ou com capacidade diminuída preenchem clínicas e lares em todo o mundo. Só na Europa, estima-se que cerca de 230 mil pessoas entrem em coma a cada ano, das quais aproximadamente 30 mil ficarão num permanente estado vegetativo. Estas representam um dos mais trágicos e caros casos da medicina intensiva moderna.

Estes pacientes apareceram pela primeira vez com a criação da máquina de ventilação artificial, nos anos 50, na Dinamarca. Foi uma invenção que redefiniu o conceito de morte, até então declarada quando o coração parava de bater e hoje decidida com base na paralisação das atividades cerebrais.

Nos anos 60, o neurologista americano Fred Plum e o neurocirurgião escocês Bryan Jennett realizaram um trabalho pioneiro na compreensão e classificação dos distúrbios de consciência. Plum cunhou o termo “síndrome do encarceramento” para definir o estado no qual o paciente está desperto e consciente, mas não pode mexer-se nem falar.

Os dois cientistas adotaram a classificação “estado vegetativo permanente” para os pacientes que “alternam períodos de despertar, quando seus olhos abrem e se movem, mas têm respostas limitadas a movimentos de reflexo e nunca conseguem falar”.

Tomografia reveladora

Em 1997, a professora britânica Kate Bainbridge, então com 26 anos, entrou em coma e permaneceu em estado vegetativo após contrair uma infecção, tornando-se a primeira paciente a ser estudada pelo Centro de Imagens Cerebrais da Universidade de Cambridge, onde Adrian Owen era investigador.

Os resultados dos estudos, publicados um ano depois, foram inesperados e extraordinários: Kate não apenas reagia ao ver rostos conhecidos como também as respostas do seu cérebro eram semelhantes àquelas de voluntários saudáveis.

Kate Bainbridge tornou-se a primeira pessoa na qual exames sofisticados, como a tomografia por emissão de positrões (PET, na sigla em inglês), revelaram uma “cognição oculta“.

As conclusões foram importantíssimas para a Ciência, mas também para Kate e para os seus pais. “A existência de um processamento cognitivo preservado removeu o niilismo que permeava o cuidado desses pacientes, e apoiou a decisão de continuar um tratamento intensivo com Kate”, lembra David Menon, investigador na unidade da Universidade de Cambridge e médico que supervisionou o caso de Kate.

Seis meses depois do primeiro diagnóstico, Kate despertou do estado vegetativo.

A sua recuperação foi gradual. Só 12 anos depois conseguiu voltar a falar, e ainda precisa de cadeira de rodas. “Eu não respondia e parecia não ter saída, mas foram as tomografias que mostraram que eu ainda estava ali“, conta.

Lendo a mente aprisionada

Num campus ao sul de Liège, na Bélgica, Steven Laureys estuda há décadas pacientes em estado vegetativo. Nos anos 90, tomografias PET mostraram que seus pacientes respondiam ao ouvirem os seus próprios nomes: havia uma mudança no fluxo de sangue dentro da região cerebral responsável pela audição.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Nicholas Schiff descobria que alguns pacientes com lesões cerebrais catastróficas mantinham pequenas regiões de atividade neural.

Já em 2006, Owen e Laureys tentavam encontrar uma maneira de se comunicarem com pacientes em estado vegetativo. Uma destas era Gillian [nome fictício], de 23 anos, atropelada por dois carros ao atravessar a rua enquanto falava ao telemóvel.

Cinco meses depois, um estranho acaso permitiu que Gillian “destrancasse” a caixa em que vivia. A chave surgiu de um estudo sistemático que os dois cientistas desenvolveram um ano antes.

Os investigadores pediram a voluntários saudáveis para se imaginarem a jogar ténis. Em seguida, deviam imaginar que estavam a caminhar pelos vários aposentos das suas casas.

A visualização de um jogo de ténis ativa uma parte do córtex responsável pela estimulação mental de movimentos, a área motor suplementar. Mas imaginar caminhar pela casa ativa o giro parahipocampal, que fica no centro do cérebro, além do lobo parietal posterior e o córtex premotor lateral.

São modelos de atividades completamente opostos, como se jogar ténis fosse um “sim” e andar pela casa fosse um “não”.

Observando o cérebro de Gillian com o tomógrafo, Owen pediu que a jovem se imaginasse nas mesmas situações – e viu uma incrível semelhança entre os padrões de ativação que notou nos voluntários. Foi um momento crucial: Owen podia “ler” a mente de Gillian.

Diagnósticos mais baratos

O caso de Gillian foi publicado na revista científica Science em 2006 e foi divulgado em todo o mundo, mas também atraiu uma boa quantidade de ceticismo por parte de cientistas que gostariam de ver mais provas científicas.

Em 2010, Owen, Laureys e outros colegas publicaram um estudo com 54 pacientes diagnosticados em estado vegetativo ou minimamente conscientes. Cinco responderam da mesma maneira que Gillian.

Os cientistas admitiram que as áreas cerebrais estudadas podem ser ativadas com outros estímulos, mas sublinham que “as ativações persistiam por demasiado tempo para significar outra coisa que não intenção“.

Desde o artigo de 2006, estudos feitos na Bélgica, no Reino Unido, nos EUA e no Canadá sugerem que uma parcela significativa dos pacientes classificados como vegetativos nos últimos anos receberam um diagnóstico errado – segundo Owen, 20% deles. Já Schiff acredita que 40% desses pacientes, quando examinados com mais atenção, mostram estar parcialmente conscientes.

Schiff acredita que após o primeiro diagnóstico, pouco esforço é feito no sentido de explorar a função cerebral desses pacientes de maneira mais sistemática.

Alguns cientistas estão a desenvolver leituras com equipamentos mais baratos e mais portáteis do que o pesado aparelho para tomografias e ressonâncias magnéticas. Uma dessas promessas é o eletroencefalograma que está a ter testado por Owen.

Schiff acredita que uma combinação de aparelhos, medicamentos e terapias celulares poderá servir de base para uma nova geração de diagnósticos e tratamentos, iluminando a penumbra entre o consciente e o inconsciente.

Muitos dos trabalhos realizados até hoje demonstraram a importância das imagens cerebrais para esses pacientes, com alguns destes a ser mesmo capazes de dizer aos médicos se precisam ou não de analgésicos.

ZAP / BBC

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