Os talibãs estão a proibir o xadrez por considerarem que o jogo incentiva as apostas, o que contraria a lei islâmica. A decisão está a ser criticada pelos adeptos da modalidade.
Os talibãs têm um novo alvo inesperado na sua longa lista de proibições e limitações no Afeganistão: o jogo de xadrez. O grupo islâmico tem imposto restrições que têm deixado os jogadores desmoralizados e temerosos.
O caso mais recente deu-se em Herat, onde Ahmad Sami Hassanzadeh, ex-treinador de xadrez, foi agredido num parque público enquanto jogava com amigos. Agentes da chamada “polícia da moralidade” — pertencentes ao Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício — destruíram os tabuleiros e peças de xadrez e agrediram dois dos seus companheiros. “Disseram-nos que jogar xadrez é proibido. Até ver é proibido”, relatou Hassanzadeh.
Embora a proibição tenha sido oficialmente divulgada apenas em maio, os sinais da sua aplicação já se faziam sentir há meses. Autoridades alfandegárias tinham começado a bloquear livros e conjuntos de xadrez importados do Irão e do Paquistão, e a Federação Nacional de Xadrez foi entretanto dissolvida. As mulheres foram particularmente afetadas logo no início — impedidas de frequentar clubes e de dar aulas de xadrez desde a retoma do poder pelos talibãs em 2021.
Uma jogadora de xadrez, que pediu anonimato por medo de represálias, contou à NPR que antes dava aulas a mulheres e raparigas. “Não só a comunidade apoiava, como também nos incentivavam”, recordou. “Tudo isso mudou. Continuamos a praticar em casa e online, mas não é a mesma coisa. As mulheres sentem-se frustradas.”
Os talibãs justificam a proibição com base em argumentos religiosos, afirmando que o xadrez é uma forma de jogo de apostas. O ministro dos Desportos, Atal Mashwani, declarou que o jogo permanecerá suspenso até que “questões religiosas” sejam resolvidas. Ghulam Ali Malikzad, antigo presidente da agora extinta Federação Afegã de Xadrez e atualmente exilado na Alemanha, considera a suspensão definitiva: “Quando os Talibãs tomam uma decisão, não voltam atrás.”
Esta não é a primeira vez que o xadrez é proibido no país. Durante o primeiro regime dos talibãs (1996-2001), o jogo foi igualmente banido. Só após a queda do regime com a intervenção norte-americana em 2001 é que o xadrez voltou a ser permitido. Situações semelhantes ocorreram noutros países — o Irão, por exemplo, também baniu o xadrez após a revolução de 1979, embora o tenha legalizado mais tarde, com condições específicas.
A comunidade internacional de xadrez tem criticado a decisão. Nigel Short, da Federação Internacional de Xadrez, lamentou o isolamento do Afeganistão e disse ter esperança de uma reversão da ordem. “Há dezenas de países muçulmanos com federações de xadrez ativas”, lembra.
Para jogadores como Hassanzadeh, no entanto, a esperança esmorece. “Crescemos com o xadrez. Está no nosso sangue. Proibi-lo é como arrancar um pedaço do meu coração” , defende.
A jogadora iraniana Dorsa Derakhshani, agora exilada nos EUA por se recusar a usar véu em torneios, não se mostra surpreendida: “É o manual clássico de uma ditadura. O xadrez ensina a pensar criticamente — e os ditadores não querem pensadores.”