O Patriarcado de Lisboa enviou para o Ministério Público (MP) uma lista que lhe chegou às mãos sobre padres suspeitos de abusos sexuais de menores.
Sefundo avançou esta terça-feira o Expresso, a lista foi entregue ao gabinete de Manuel Clemente pelo padre ‘Cardoso’ (o nome é fictício, a pedido do próprio), que em abril falou à Comissão Independente que estuda os abusos sexuais sobre as suspeitas relativas a 12 sacerdotes, alguns deles ainda no ativo.
Na sequência das denúncias, o Patriarcado de Lisboa contactou o padre, para que este partilhasse as suas informações. Mas ao contrário do que aconteceu em abril, em que depôs presencialmente, desta vez o pároco enviou um documento com a síntese sobre as suas suspeitas à diocese de Lisboa.
“É uma lista mais pequena, circunscrita aos padres de Lisboa, com o nome e dados sobre sete sacerdotes que fui recolhendo ao longo dos anos. Se o Patriarcado de Lisboa quiser saber mais pormenores, pode perguntar-me, que estou disponível para prestar todas as informações que achar pertinentes”, disse ao Expresso.
O gabinete de comunicação do Patriarcado de Lisboa confirma toda esta informação, garantindo que está a analisá-la e que a reenviou para o MP.
“A pedido da Comissão Diocesana de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa, o padre ‘Cardoso’ fez chegar um documento onde são referidos sete alegados casos, todos ocorridos há décadas. Desses, quatro são públicos, dois são atribuídos a sacerdotes já falecidos e um dos casos refere-se a um sacerdote que já não exerce o ministério”, informou o gabinete de comunicação do Patriarcado de Lisboa, que garantiu estar a analisar a informação, já remetida para o MP.
De acordo com o Expresso, da lista de sacerdotes apontados pelo padre ‘Cardoso’ se encontra Nuno A., que lidera um santuário numa capital europeia, já investigado em 2012. As suspeitas remontam ao final dos anos 90 e início de 2000, quando liderava as paróquias da Cruz Quebrada (Oeiras) e Encarnação (Lisboa).
Outro é Manuel M., afastado de todas as atividades no início de 2022, depois de ter sido alvo de uma denúncia por abusos sexuais cometidos há mais de 30 anos, quando liderava uma paróquia de Lisboa.
O padre José C., capelão em dois hospitais e à frente de uma organização católica local, é outro dos suspeitos por abusos ocorridos em 1999. Em 2019, o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, se encontrou com a vítima desses alegados abusos de José C. (20 anos depois dos factos) e não comunicou as suspeitas ao MP ou à PJ.
Ainda na lista está Manuel A., colaborador de duas paróquias em Lisboa e ainda no ativo, e Inácio B., um sacerdote afastado pela Igreja Católica e que atualmente professa numa igreja evangélica. É sobre este que o padre denunciante detém mais informações, como depoimentos de alegadas vítimas e testemunhas dos abusos.
Relatório sobre abusos concluído em dezembro
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) confirmou esta terça-feira que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja vai concluir o seu relatório em dezembro, “prevendo-se a sua divulgação pública para meados de janeiro de 2023”, noticiou a agência Lusa.
Em comunicado esta terça-feira divulgado, na sequência da reunião do Conselho Permanente da CEP realizada na segunda-feira, é revelado que “com a presença de membros da Comissão Independente e do Grupo de Investigação Histórica sobre os arquivos das dioceses e das congregações religiosas, o Conselho fez o ponto da situação e foi informado em relação ao estado atual do processo de estudo sobre os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica”.
A CEP decidiu criar, no final de 2021, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, e que iniciou os trabalhos no início de 2022, tendo já recebido cerca de 400 denúncias, algumas das quais encaminhou para o MP.
Ainda na reunião, foi abordado o relatório da Igreja em Portugal sobre o processo sinodal e que foi enviado no início de agosto para o Vaticano, e que aponta que a Igreja Católica é vista como sendo “demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada, resistente à mudança”, priorizando a manutenção da imagem, ao invés de preservar a segurança da comunidade, surgindo os casos de pedofilia como “exemplo mais evidente”.
Nas conclusões da fase de auscultação dos católicos portugueses realizada nos últimos meses e que integra o documento síntese enviado pela CEP para a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, que culminará no Vaticano em outubro de 2023, é também apontada “uma Igreja pouco disponível para discutir de forma aberta e descomplexada a possibilidade de tornar opcional o celibato dos sacerdotes e a ordenação de homens casados e das mulheres”, que não as considera “em igualdade com os homens na missão”.
Também o processo de tomada de decisão e escolha de lideranças é considerado “pouco transparente e inclusivo, restringindo a Igreja ao corpo composto pelo sacerdote e os leigos que desempenham uma função nos grupos paroquiais/movimentos eclesiais, geralmente tidos como um corpo demasiado elitista, que ocupa posições quase de modo vitalício e se mostra incapaz de delegar de forma repartida e rotativa as diversas funções”.
No comunicado esta terça-feira divulgado, o Conselho Permanente da CEP considera que o documento síntese enviado ao Vaticano “não é um tratado sobre a Igreja no seu todo nem um juízo sobre a Igreja em Portugal”.
“Trata-se de um resumo de quanto surgiu nas etapas diocesanas para continuar o caminho de reflexão e transformação que temos por diante. É uma atitude de bom-senso escutar aquilo que surge do povo de Deus, nesta primeira etapa de participação, nas suas dimensões negativas, positivas e propositivas, para o caminho a fazer nas etapas seguintes. (…) É importante ouvi-los, discerni-los, completá-los ou reformulá-los, mas não descartá-los”, adiantou o comunicado.
A CEP disse que “os bispos portugueses terão ocasião de refletir sobre este documento e outras achegas que foram chegando, em atitude de discernimento comum, procurando escutar a voz do Espírito e da Igreja em Portugal, tendo como objetivo a transformação pessoal e comunitária de atitudes, instituições e processos”.
Portugal é um país estranho onde é permitido a uma entidade investigar os crimes praticados no seu seio, passando por cima das Leis da República, das Autoridades Judiciais, e Forças Policiais, em total desrespeito pelas mesmas, num acto que jamais seria admissível a um qualquer cidadão ou empresa.