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O Paquistão submeteu um filme para os Óscares (mas a maioria dos paquistaneses não o pode ver)

O Paquistão submeteu o filme Zindagi Tamasha (que significa “Ciclo da Vida”) aos Óscares. No entanto, a maioria dos paquistaneses não pode ver o filme.

Com 2 horas e 15 minutos, a história de Zindagi Tamasha desenrola-se no antigo bairro da cidade paquistanesa de Lahore, onde prostitutas, famílias devotas, traficantes e homens que lutam para viver moram lado a lado.

O filme conta a história fictícia de um devoto agente imobiliário e artista de meia-idade, Rahat Khwaja, cuja vida fica virada de cabeça para baixo depois de um convidado de um casamento o ter filmado a dançar sensualmente ao som de uma velha canção do Paquistão, “Zindagi Tamasha”, enquanto a canta para o público.

O vídeo torna-se viral e Khwaja, que é respeitado no seu bairro populoso por cantar poemas islâmicos, é repentinamente considerado vulgar pela sua comunidade.

O homem encontra o seu rosto estampado em imagens de mau gosto na Internet, as crianças, que um dia o amaram pelos doces que distribuía, chamam-no de “porco”, um clérigo ameaça acusá-lo de blasfémia – o que pode ser uma acusação mortal no Paquistão – e a amada filha volta-se contra ele.

De acordo com o NPR, o filme foi proibido no Paquistão depois de um grupo religioso extremista ter assistido ao trailer e ter ficado furioso com a representação do clérigo no filme. Além de levantar acusações de blasfémia, o clérigo é pintado como um homem arrogante que fecha os olhos ao abuso sexual infantil no seu seminário.

“Quem é você para falar contra os estudiosos?”, perguntou Khadim Hussain Rizvi, o então líder do Tehreek-e-Labbaik do Paquistão numa manifestação em fevereiro contra o filme, que reuniu milhares de manifestantes furiosos. “O profeta não delegou a fé a si!” disse, referindo-se ao diretor do filme, Sarmad Khoosat.

Assim como o protagonista de Zindagi Tamasha, Khoosat enfrentou um turbilhão de ódio. “Era adicionado a grupos de WhatsApp onde pessoas misteriosas me enviavam mensagens com imagens horríveis de pessoas decapitadas”, disse. “Nas redes sociais, o Twitter estava em chamas com ‘banir Zindagi Tamasha’ e ‘matar esse bastardo'”.

Após o protesto, o governo do Paquistão adiou a estreia de Zindagi Tamasha e pediu ao órgão consultivo islâmico do país que conduzisse uma “revisão crítica”, arquivando o filme.

Esta situação reflete uma tendência de décadas das autoridades paquistanesas em apaziguar a direita religiosa, segundo Raza Rumi, diretora do Park Center for Independent Media. “Essa é uma tendência que existe há muito tempo e tem crescido ao longo das décadas, com cada vez mais pressão dos lobbies religiosos. Todo o governo tenta apaziguá-los, porque é um risco irritá-los.”

Os críticos argumentam que a atual coligação de governo do primeiro-ministro Imran Khan parece ainda mais obsequiosa do que os governos anteriores.

Zindagi Tamasha é uma das várias coisas que foram proibidas ou impedidas de circular no ano passado. Outros exemplos incluem livros, redes sociais, programas de televisão e videojogos.

Teme-se que o país esteja a voltar aos seus dias mais sombrios sob o comando do ditador general Muhammad Zia-ul-Haq, que tentou remodelar o Paquistão à sua imagem severa após assumir o poder no final dos anos 70. Muhammad Zia-ul-Haq impediu que os filmes fossem exibidos e sufocou a indústria cinematográfica local.

Zia-ul-Haq morreu em 1988 num acidente de avião e a industria demorou anos a recuperar. Foi só em 2013 que o Paquistão submeteu um filme para consideração ao Oscar: Zinda Bhaag, que seguia o caminho de três jovens que foram para a Europa para começar uma nova vida.

A comissão responsável pela escolha do trabalho inscrito submeteu um filme para consideração todos os anos desde então.  Um membro do comité, Hamza Bangash, disse que Zindagi Tamasha foi selecionado em novembro porque “acaba com muita hipocrisia na nossa sociedade”, diz. “Faz isso com humor e é tão gentil.”

Esta quarta-feira, a Academy of Motion Pictures anunciou que Zindagi Tamasha ficou de fora da corrida aos Óscares 2021.

Maria Campos, ZAP //

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