A descolonização portuguesa foi feita “à pressa” em Angola, país que ficou entregue a partidos armados que faziam guerra em vez de política, afirmou hoje o médico António Passos Coelho, que há 40 anos vivia em Luanda.
A Revolução de Abril apanhou o médico pneumologista em Luanda, onde residia com a mulher e os quatro filhos, entre eles o atual primeiro-ministro, e ocupava o cargo de diretor de hospital e chefe do serviço de combate à tuberculose.
Nascido em Vale de Nogueiras há 87 anos, em Vila Real, António Passos Coelho deixou o Caramulo em 1970 para embarcar naquela que viria a classificar como a “loucura africana”, ao aceitar o desafio lançado pelo então ministro do Ultramar de organizar um serviço de pneumologia moderno em Angola.
Esta passagem por África inspirou, anos mais tarde, o livro “Angola, amor impossível”, em que o autor aborda a guerra, o 25 de Abril e a descolonização.
Na altura, encontrou uma Angola onde a “vida era normalíssima” e apenas do norte e leste chegavam alguns relatos da atividade da guerrilha. Primeiro passou pelo Bié e, só depois, se instalou na capital para colocar em funcionamento um novo e moderno hospital.
A notícia da revolução foi-lhe dada por uma enfermeira, mas não ligou. O “puto”, como em Angola chamavam à metrópole, estava demasiado longe, mas depois o país africano “entrou em efervescência”.
Quanto à descolonização, afirmou à agência Lusa que “foi tudo feito à pressa”. “Eu acho que a independência deveria ter sido dada com o auxílio da ONU ou da organização das Nações Africanas, deveria ter sido assim, de maneira a ter lá uma força qualquer que evitasse a guerra entre eles”, salientou.
O MPLA ou a UNITA eram “partidos armados” que “não faziam política” e o resultado foi, na opinião do médico, “uma guerra que matou famílias inteiras” e “destruiu Angola”.
António Passos Coelho acreditava que o país caminhava já há alguns anos para uma independência que iria acontecer com ou sem 25 de abril e revelou que, quando estava a recrutar pessoal para o hospital, recebeu uma “confidencial” que dizia para contratar também angolanos.
A revolução, na sua opinião, precipitou tudo.
Luanda mudou, transformando-se numa cidade solitária e deserta, onde os cafés e restaurantes de sempre se encontravam de portas fechadas. Pelo meio, o médico teve também de se esconder quando se deparou com trocas de tiros e teve que lutar para conseguir combustível para o funcionamento do hospital, que ficou sem eletricidade ou telefone.
Apesar do clima de instabilidade que se foi alastrando, Passos Coelho permaneceu naquele país até às vésperas da independência, a 11 de novembro de 1975, apanhando o último avião da carreira área para Lisboa.
Talvez por trazer na bagagem a memória de uma Angola “florida e limpa”, o Portugal que encontrou, “sujo e imundo”, deixou-o desolado. Admirou-se com o desleixo das pessoas, mal vestidas e de barba por fazer, e a alegria que não parecia natural.
Declinou convites que surgiram para deixar de novo o país e fixou-se em Vila Real, onde foi também diretor de hospital, abriu consultório e foi presidente da Assembleia Municipal, eleito pelo PSD.
Quarenta anos depois, disse acreditar que a Revolução de Abril trouxe “vantagens fantásticas” ao país, com destaque para a liberdade de expressão e de crítica, ainda ao nível do Serviço Nacional de Saúde ou da justiça.
Lamentou, no entanto, que não se tenha conseguido aproveitar o que estava bem antes e afirmou que não se revê neste Portugal, onde a falta de educação é encarada com normalidade e se insultam ministros e presidentes. “Vejo tudo isto com muita preocupação. Não há um meio-termo, onde se critique sem insultar”, questionou.
António Passos Coelho considerou ainda que o Portugal de hoje “é uma coisa séria” e culpa os políticos, dos vários Governos PS e PSD, pelo estado a que o país chegou.
“Isto está mau, está a ser complicado a cortarem-nos nos vencimentos, está mal, e o Estado não tem dinheiro, de maneira que isto é um problema”, concluiu.
/lusa