“Cheios de estrelas”. Objetos brilhantes na aurora do Universo deixam cientistas perplexos

Wang et al., 2024/Universidade do Estado da Pensilvânia

Uma descoberta recente feita pelo Telescópio Espacial James Webb confirmou que objetos luminosos e muito vermelhos anteriormente detetados no Universo primitivo vieram alterar o pensamento convencional sobre as origens e a evolução das galáxias e dos seus buracos negros supermassivos.

Uma equipa internacional, liderada por investigadores da Universidade do Estado da Pensilvânia, EUA, utilizando o instrumento NIRSpec a bordo do JWST no âmbito do levantamento RUBIES, identificou três objetos misteriosos no início do Universo, cerca de 600-800 milhões de anos após o Big Bang, quando o Universo tinha apenas 5% da sua idade atual.

A descoberta foi apresentada num artigo publicado dia 27 de junho na revista The Astrophysical Journal Letters.

A equipa estudou as medições espetrais, ou seja, a intensidade dos diferentes comprimentos de onda da luz emitida pelos objetos.

A sua análise encontrou assinaturas de estrelas “velhas”, com centenas de milhões de anos, muito mais antigas do que o esperado num Universo jovem.

Os investigadores disseram que também ficaram surpreendidos ao descobrir assinaturas de enormes buracos negros supermassivos nos mesmos objetos, estimando que são 100 a 1000 vezes mais massivos do que o buraco negro supermassivo da nossa própria Via Láctea.

Nada disto é esperado nos modelos atuais de crescimento de galáxias e de formação de buracos negros supermassivos, que preveem que as galáxias e os seus buracos negros cresçam em conjunto ao longo de milhares de milhões de anos da história cósmica.

Wang et al., 2024/Universidade do Estado da Pensilvânia

Os investigadores estudaram três objetos misteriosos no início do Universo. Aqui são mostradas as suas imagens a cores, compostas a partir de três bandas de filtros NIRCam a bordo do Telescópio Espacial James Webb. São notavelmente compactos em comprimentos de onda vermelhos (o que lhes valeu o termo “pequenos pontos vermelhos”) com alguma evidência de estrutura espacial em comprimentos de onda azuis.

“Confirmámos que estes objetos parecem estar cheios de estrelas antigas – com centenas de milhões de anos – num Universo que tem apenas 600-800 milhões de anos. Notavelmente, estes objetos detêm o recorde das primeiras assinaturas de luz estelar antiga”, disse Bingjie Wang, académica pós-doutorada na Universidade da Pensilvânia e autora principal do artigo científico.

Foi totalmente inesperado encontrar estrelas velhas num Universo muito jovem. Os modelos padrão da cosmologia e da formação de galáxias têm sido incrivelmente bem sucedidos, no entanto, estes objetos luminosos não se encaixam confortavelmente nessas teorias”, acrescenta.

Os investigadores detetaram os objetos massivos pela primeira vez em julho de 2022, quando o conjunto inicial de dados foi divulgado. A equipa publicou um artigo científico na revista Nature vários meses depois, anunciando a existência dos objetos.

Na altura, os investigadores suspeitaram que os objetos eram galáxias, mas prosseguiram a sua análise tirando espetros para compreender melhor as verdadeiras distâncias dos objetos, bem como as fontes que alimentam a sua imensa luz.

Os investigadores utilizaram então os novos dados para obter uma imagem mais clara do aspeto das galáxias e do seu interior. A equipa não só confirmou que os objetos eram, de facto, galáxias perto do início dos tempos, como também encontrou evidências de buracos negros supermassivos surpreendentemente grandes e uma população de estrelas surpreendentemente antiga.

“É tudo muito confuso”, disse Joel Leja, professor assistente de astronomia e astrofísica na Penn State e coautor de ambos os artigos científicos. “É possível fazer com que isto se encaixe desconfortavelmente no nosso modelo atual do Universo, mas apenas se evocarmos uma formação exótica e insanamente rápida no início dos tempos”.

“Este é, sem dúvida, o conjunto de objetos mais peculiar e interessante que já vi em toda a minha carreira”, acrescentou.

O JWST está equipado com instrumentos de estudo no infravermelho capazes de detetar a luz emitida pelas estrelas e pelas galáxias mais antigas. Essencialmente, o telescópio permite aos cientistas recuar no tempo cerca de 13,5 mil milhões de anos, perto do início do Universo tal como o conhecemos, disse Leja.

Um dos desafios da análise da luz antiga é que pode ser difícil diferenciar entre os tipos de objetos que podem ter emitido essa luz. No caso destes objetos antigos, eles têm características claras tanto de buracos negros supermassivos como de estrelas antigas.

No entanto, explicou Wang, ainda não é claro quanto da luz observada provém de cada um deles – o que significa que podem ser galáxias iniciais inesperadamente mais massivas do que a nossa Via Láctea, formando-se muito antes do que os modelos preveem, ou podem ser galáxias de massa mais normal com buracos negros “supramassivos”, cerca de 100 a 1000 vezes mais massivos do que uma galáxia deste tipo teria atualmente.

“Distinguir entre a luz do material que cai num buraco negro e a luz emitida por estrelas nestes objetos minúsculos e distantes é um desafio”, disse Wang. “Essa incapacidade de ver a diferença no atual conjunto de dados deixa uma grande margem para a interpretação destes objetos intrigantes. Honestamente, é emocionante ter tanto deste mistério por descobrir“.

Para além da sua massa e idade inexplicáveis, se parte da luz é de facto proveniente de buracos negros supermassivos, então também não são buracos negros supermassivos normais: produzem muito mais fotões ultravioleta do que o esperado e objetos semelhantes estudados com outros instrumentos não têm as assinaturas características dos buracos negros supermassivos, tais como poeira quente e emissões brilhantes de raios X.

Mas talvez o mais surpreendente, segundo os investigadores, seja o facto de parecerem tão massivos.

“Normalmente, os buracos negros supermassivos são emparelhados com galáxias”, disse Leja. “Crescem juntos e passam juntos por todas as experiências importantes da sua vida. Mas aqui, temos um buraco negro adulto, completamente formado, a viver dentro do que deveria ser uma galáxia bebé“.

“Isto não faz sentido, porque estas coisas deviam crescer juntas, ou pelo menos era isso que pensávamos”, acrescentou.

Os investigadores ficaram também perplexos com as dimensões incrivelmente pequenas destes sistemas, com apenas algumas centenas de anos-luz de diâmetro, cerca de 1000 vezes mais pequenas do que a nossa Via Láctea.

As estrelas são aproximadamente tão numerosas como na nossa Galáxia – entre 10 mil milhões e 1 bilião de estrelas – mas contidas num volume 1000 vezes mais pequeno do que a Via Láctea.

Leja explicou que se pegássemos na Via Láctea e a comprimíssemos para o tamanho das galáxias que encontraram, a estrela mais próxima estaria quase no nosso Sistema Solar.

O buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea, a cerca de 26.000 anos-luz de distância, estaria apenas a cerca de 26 anos-luz da Terra e seria visível no céu como um pilar gigante de luz.

“Estas galáxias primitivas seriam tão densas com estrelas – estrelas que se devem ter formado de uma forma que nunca vimos, em condições que nunca esperaríamos, durante um período em que nunca esperaríamos vê-las”, disse Leja. “E, por qualquer razão, o Universo deixou de produzir objetos como estes ao fim de apenas alguns milhares de milhões de anos. São únicos no Universo primitivo”.

ZAP // CCVAlg

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