O sucesso da Starship nasceu das cinzas do maior fracasso da União Soviética

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National Reconnaissance Office

Foguetão N1 da Roscosmos, 1967

Apesar de ter explodido poucos minutos após a descolagem, o voo inaugural do foguetão mais poderoso alguma vez desenvolvido na história da aventura espacial foi um enorme sucesso — construído em cima do fracasso de um dos mais ambiciosos projetos do programa espacial da antiga União Soviética.

No dia 20 de abril, Elon Musk e os engenheiros da sua SpaceX viram a maior e mais potente nave espacial jamais construída pelo ser humano desintegrar-se — depois de ultrapassar a torre de lançamento.

Impulsionada por 33 motores, com o dobro da potência do foguetão Saturno V que levou o Homem à Lua, a Starship atingiu 1,7 vezes a velocidade do som antes de começar a girar descontroladamente e explodir numa enorme bola de fogo.

O espetáculo pirotécnico foi, surpreendentemente (mas não tanto) aplaudido por todos os presentes na Starbase da SpaceX em Boca Chica, no Texas. Nunca a explosão de 3 mil milhões de dólares foi tão aclamada.

Embora a enorme besta metálica se tenha desintegrado sobre o Atlântico sem atingir a órbita, os engenheiros da SpaceX tinham razões para festejar. Musk tinha dito anteriormente que o voo tinha apenas 50% de probabilidades de sucesso.

Para Elon Musk, o essencial era que a Starship não explodisse na rampa de lançamento — cuja destruição atrasaria em muitos meses o calendário dos próximos lançamentos da SpaceX.

Assim, a Starship ter conseguido voar para lá do mítico ponto Max Q— o instante crítico em que uma aeronave ou veículo espacial experimenta a máxima pressão aerodinâmica durante o seu voo — foi para Musk apenas a cereja em cima do bolo.

Seguindo os passos de Korolev

A Starship e o Falcon 9, até agora o principal foguetão lançador da SpaceX, são animais completamente diferentes.

Os motores dos Falcon 9 usam como combustível e comburente uma combinação de oxigénio líquido e petróleo refinado (RP-1), enquanto os motores Raptor da Starship usam metalox — uma mistura de metano líquido criogénico e oxigénio líquido.

Na história da aeronáutica, apenas uma vez antes se tinha tentado algo semelhante, recorda o jornal espanhol El Confidencial.

Nas décadas de 1960-70, o lendário Sergei Korolev, pai do programa espacial da União Soviética, projetou o foguetão N1 — um veículo de lançamento pesado desenvolvido para levar uma tripulação à Lua e trazê-la de volta à Terra, competindo com o programa Apollo dos Estados Unidos.

O primeiro lançamento do foguete N1, a 21 de fevereiro de 1969, foi um teste não tripulado que falhou após cerca de 70 segundos de voo devido a um incêndio nos motores. O último ocorreu a 23 de novembro de 1972 — também um teste não tripulado, que fracassou 107 segundos após o lançamento, devido a problemas com os motores e na separação das fases do foguete.

Ao todo, houve cinco lançamentos não tripulados do N1, e todos eles terminaram em falhas. Após o último lançamento, o programa N1 foi cancelado, e a União Soviética concentrou os seus esforços no desenvolvimento de outros veículos de lançamento (dos quais resultaram as naves Soyuz) e na estação espacial Salyut.

Embora o programa tenha sido um rotundo falhanço, o N1 soviético foi o foguetão mais poderoso construído antes do Saturno V norte-americano que lançou os astronautas das missões Apollo nas suas viagens à Lua.

National Reconnaissance Office

Foguetão N1 na plataforma de lançamento, Cosmódromo de Baikonur, 1967

De forma semelhante à Starship, o N1 usava 30 motores em vez dos cinco usados na fase inicial do programa Apollo. No entanto, o design de Korolev estava errado, e a tecnologia da época simplesmente não estava à altura do desafio de levar à orbita da Terra um tal colosso mecânico.

O segundo lançamento do N1, a 3 de julho de 1969, é o filme do pior pesadelo de Musk: uma falha no motor desencadeou uma reação em cadeia que fez o foguete cair na plataforma de lançamento, numa das maiores explosões não nucleares de sempre.

O desastre, que lançou escombros a dezenas de quilómetros de distância e matou 48 pessoas (ou 91, consoante as fontes) no Cosmódromo de Baikonur, é considerado o maior desastre da história da exploração espacial — à frente das tragédias dos space shutles Challenger, em 1986, e Columbia, em 2003.

O foguete da SpaceX tem 33 motores Raptor — são mais três do que o N1, mais confiáveis, e podem falhar. No voo de abril, oito dos motores da Starship falharam, mas a nave continuou a subir devido aos sistemas de controlo eletrónico que ajustaram os motores restantes para compensar qualquer desvio de trajetória.

Este era um dos pontos em que as tecnologias de controlo de voo da época e o design de Korolev não estavam à altura da complexidade do desafio. Quando um dos 30 motores do N1 falhava, era necessário desligar um motor do lado oposto, para compensar os desvios na trajetória — algo mais fácil de desenhar do que fazer.

No caso da Starship, apenas a separação falhou, e a pequena grande vitória de Musk prova que o conceito de Korolev poderia funcionar. Melhor eletrónica poderia ter feito a diferença.

Mas há algo mais por trás do sucesso da SpaceX: a mentalidade de Elon Musk e da sua equipa, que o administrador da NASA, Bill Nelson, explica de forma simples. “Eles testam as coisas até ao limite, e às vezes elas explodem“.

Após 5 lançamentos falhados, o programa N1 foi cancelado. Em contrapartida, entre sucessos estrondosos e explosões mais ou menos esperadas, Musk parece ser mais teimoso (e ter bolsos mais fundos) do que Korolev para continuar a sonhar com a aventura da Humanidade rumo ao espaço.

Talvez possamos então apostar que há também uma probabilidade de 50% de um dia o controverso bilionário sul-africano nos levar até Marte — e mais além.

Armando Batista, ZAP //

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4 Comments

  1. “Nunca a explosão de 3 mil milhões de dólares foi tão aclamada.”

    Em boa verdade 3B – 10B é o custo do projecto. A nave que explodiu custou entre 20 e 30 milhões. Um valor 100x inferior.

    • Sim, desmistificar é preciso!
      A tendência dos media é hiperbolizar, caindo com demasiada frequência nessa tentação que engana muitos leitores.
      Mais correctamente se deveria ter dito que foi dada a ordem de desintegração, pelos controladores, quando a primeira fase já estava terminada bem acima da cota dos 30Km e a Mach 1,7 , devido a falha na separação desse estágio.

  2. Sim, desmistificar é preciso!
    A tendência dos media é hiperbolizar, caindo com demasiada frequência nessa tentação que engana muitos leitores.
    Mais correctamente se deveria ter dito que foi dada a ordem de desintegração, pelos controladores, quando a primeira fase já estava terminada bem acima da cota dos 30Km e a Mach 1,7 , devido a falha na separação desse estágio.
    Isso já foi um bom passo e muito significativo no desenvolvimento da nave.
    Os comentários sobre o programa soviético é pateta na medida que este embasou sobretudo no programa germanico de fogetes e nos cientistas e tecnicos alemães levados á força, no final da 2a GM.

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