O seu cão pode saber se alguém o odeia

Se tem um cão, possivelmente já o foi passear a um sítio público e ele pode ter ladrado ou rosnado, colocado entre si e o estranho, ou recuar. Seja qual for o caso, e por que razão for, ele não está a gostar dessa pessoa.

Segundo o Sciencing, uma investigação sugere que o seu cão não está provavelmente a reagir ao estranho — está a reagir à forma como reage ao estranho.

Um estudo de 2015 publicado na revista Animal Behaviour descobriu que os cães são mais do que capazes de observar a forma como as pessoas tratam os seus donos (e como os seus donos reagem) e de ajustar o seu comportamento em conformidade.

Numa experiência, investigadores da Universidade de Quioto, no Japão, fizeram com que os cães observassem os seus donos a lutar para abrir um recipiente. De seguida, observaram um de dois estranhos a ajudar o seu dono ou a recusar-se a ajudá-lo.

Mais tarde, quando ambos os estranhos ofereceram uma guloseima ao cão, este evitou consistentemente a pessoa que não ajudou, mesmo quando ambos os indivíduos se comportaram de forma neutra em relação ao próprio cão.

Esta situação pode parecer uma pequena peculiaridade comportamental, mas aponta para algo muito mais substancial. Os cães não estão apenas sintonizados na linguagem corporal ou nos comandos; têm uma consciência aguda do contexto, formando avaliações sociais básicas e procurando pistas de observação para descodificar quem é amigo e quem é inimigo.

Portanto, parece que o melhor amigo da humanidade está mesmo a proteger-nos, o que é definitivamente uma das razões pelas quais as culturas antigas também veneravam os seus cães.

Mas como é que os cães fazem isso exatamente, e o que é que isso diz sobre a inteligência emocional dos nossos companheiros de quatro patas?

Os investigadores da Universidade de Quioto conceberam uma experiência para investigar se os cães consideram o contexto social quando decidem se confiam em alguém com base na forma como interagem com o dono em relação a um objeto neutro.

Recrutaram 54 cães de estimação e fizeram com que os seus donos tentassem abrir um recipiente transparente que continha um rolo de fita de vinil. Os donos fingiram lutar com a tampa enquanto dois estranhos estavam sentados nas proximidades, ambos desconhecidos para o cão.

Na condição de “ajudante”, um dos estranhos ajudou o dono, enquanto na condição de “não ajudante”, um dos indivíduos se recusou. Os investigadores também incluíram uma condição “neutra”, na qual ambos os espectadores se sentaram passivamente sem se envolverem.

Mais tarde, na condição neutra, um dos espectadores afastou-se do proprietário, sem que tivesse havido qualquer interação entre eles. Após a interação, os dois estranhos ofereceram comida ao cão. A questão crítica: Será que o cão mostrava preferência quando lhe era oferecida uma guloseima por indivíduos de cada uma das condições?

Afinal, sim. Os cães eram significativamente mais propensos a aceitar a comida da pessoa prestável ou neutra, e mostravam uma clara evitação do indivíduo não prestável, o que sugere que os cães não estavam simplesmente a reagir ao tom ou à linguagem corporal dirigida diretamente a eles. Em vez disso, observaram uma interação com terceiros e fizeram um julgamento social sobre os humanos envolvidos.

Embora investigações anteriores tenham demonstrado que os cães respondem a gestos humanos como apontar ou olhar, este estudo sugere uma capacidade cognitiva mais complexa: seguir o comportamento dos outros e utilizá-lo para orientar escolhas futuras.

Levanta a possibilidade de os cães possuírem um sentido de justiça, uma caraterística normalmente associada aos humanos e aos primatas não humanos, e é mais uma prova para apoiar o lugar dos cães na lista dos 5 animais que são mais inteligentes do que pensa.

O facto de os cães conseguirem avaliar a forma como os outros tratam os seus donos pode ser um resultado evolutivo de uma das parcerias mais antigas da história humana. Evidências arqueológicas e genéticas sugerem que os cães foram domesticados entre 15.000 e 40.000 anos atrás, e possivelmente até antes.

Ao contrário do gado, os cães não foram domesticados apenas para alimentação ou trabalho. Muitos investigadores acreditam que a relação começou quando os lobos começaram a procurar comida perto dos acampamentos humanos. Os indivíduos mais tolerantes e menos receosos formaram gradualmente relações de cooperação com os humanos.

Ao longo de gerações, esta pressão de seleção para a simpatia levou à coabitação e a uma espécie de seleção mútua: os humanos favoreciam os cães que eram atentos, obedientes e socialmente recetivos, e os cães desenvolveram caraterísticas cognitivas que os tornaram especialmente sintonizados com as emoções e o comportamento humanos.

Hoje em dia, vemos o legado dessa ligação em todo o lado. Um estudo publicado no Science, concluiu que, quando os cães olham para os olhos dos donos, ambas as partes sentem um aumento da oxitocina, a mesma hormona envolvida na ligação entre humanos. Este ciclo de feedback hormonal provavelmente aprofundou a ligação ao longo de milénios, reforçando a sensibilidade emocional e a lealdade.

Por isso, quando o seu cão despreza alguém que foi rude consigo, não se trata apenas de instinto; é um comportamento moldado por dezenas de milhares de anos de evolução.

Os cães leem-nos e defendem-nos há mais tempo do que nós temos linguagem escritas.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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