“O primeiro-ministro demitiu-se por causa de um parágrafo vago”

José Sena Goulão / Lusa

Mais do que uma “crise política”, já se fala em “crise democrática”. Afinal, quais são os fundamentos do comunicado que motivou a queda do primeiro ministro? O papel e a transparência da justiça foram, aqui, postas em causa? Há quem considere que sim.

Os fundamentos do comunicado que ditou a queda de António Costa estão a ser questionados.

“No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”, comunicou, esta terça-feira, o gabinete de imprensa da Procuradoria Geral da República.

Um só parágrafo foi suficiente para demitir o primeiro-ministro.

“Fui surpreendido por um processo-crime contra mim (…) Não me pesa na consciência a prática de qualquer ato ilícito ou censurável. Como sempre, confio totalmente na Justiça e no seu funcionamento. A Justiça que servi ao longo de toda a minha vida e que sempre defendi (…) nesta circunstância, obviamente apresentei a minha demissão ao presidente da República”, disse, esta terça-feira, António Costa, na “despedida” ao país.

Um só parágrafo – “vago” – foi também suficiente para mergulhar o país numa crise democrática, considera Daniel Oliveira.

“O primeiro-ministro demitiu-se por causa de um parágrafo vago sobre uma vaga suspeita que tinha o poder destrutivo de ter sido escrito por quem foi (…) Sem um esclarecimento total do que está realmente a ser investigado, não é um partido que fica fragilizado, é o sistema democrático”.

O jornalista e comentador escreveu, no Expresso, que é necessário esclarecer, “por uma vez”, o caso de “forma limpa”, já que, “não fazemos ideia do que factualmente levou à demissão do governo. E isso é impensável”.

Ao longo do seu artigo de opinião, Daniel Oliveira foi questionando a solidez e transparência da justiça: “O que quer isto dizer exatamente? O que é ‘desbloquear procedimentos’? Que solidez têm as referências de um suspeito ao primeiro-ministro? (…) O seu nome apareceu porquê? Que procedimentos desbloqueou e de que forma?”

“Um primeiro-ministro que cai por um parágrafo vago de um comunicado da Procuradoria Geral da República. É importante perceber o precedente que se abre aqui. E se António Costa, que nem sequer é arguido, nunca for acusado? Como fica a justiça e a democracia?”, acrescentou.

Qual é o papel da justiça?

Também a deputada socialista Alexandra Leitão referiu que é urgente apurar os fundamentos do comunicado.

“Uma saída que é, essencialmente ou exclusivamente, provocada por um comunicado que no seu teor merece uma análise cuidada, na medida em que o que está ali em causa é, a meu ver, uma situação muito frágil do ponto de vista criminal e que acaba por motivar uma saúde de um primeiro-ministro em plena maioria absoluta e com legitimidade democrática”, disse a antiga Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, à rádio Antena 1.

“Acho que tudo isto merece uma análise profunda sob o ponto de vista do que isto implica para a nossa democracia e daquilo que é o papel da política, mas também da justiça“, acrescentou.

Quanto à solução política para segurar no executivo, Alexandra Leitão descartou-se, prontamente… embora tenha admitido que a solução não é óbvia: “Não me parece haver um número dois imediato dentro do Governo (…) a solução não tem de sair de dentro do atual Governo”

Miguel Esteves, ZAP //

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