O estranho efeito de arrefecimento dos incêndios florestais

A maioria dos modelos climáticos dominantes não inclui as taxas crescentes de atividade dos incêndios registadas nas florestas boreais da Terra. Em vez disso, esses modelos tendem a assumir que a atividade dos incêndios, e as emissões associadas, manter-se-iam nos níveis registados no final da década de 2010.

Num artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences no início de junho, três investigadores estudaram o que aconteceria às projeções climáticas se utilizassem novos modelos que representassem com mais precisão a severidade da época de incêndios nas florestas boreais dos últimos anos e no futuro.

Segundo o nautilus, o que descobriram parece contraintuitivo. De acordo com os novos modelos, o fumo proveniente de todos os incêndios poderia, na verdade, atenuar o aquecimento global em cerca de 12%.

Dargan Frierson, cientista atmosférico e coautor do artigo, diz que estava “à espera do oposto”.

Para calcular o impacto do aumento da atividade dos incêndios nas alterações climáticas, Frierson e os seus colegas usaram a Global Fire Emissions Database, que regista os níveis de fumo, fuligem e CO2 emitidos pelos incêndios num dado ano.

Analisaram então a relação entre a atividade dos incêndios, as emissões relacionadas e as temperaturas globais entre 1997 e 2023, e inseriram essas variáveis nos modelos de alterações climáticas existentes.

“Os incêndios florestais afetam o clima de várias maneiras,” explica Frierson. Estes incêndios libertam fumo, dióxido de carbono, metano e todo o tipo de poluentes — incluindo substâncias por vezes tóxicas.

Grande parte desta mistura tem um efeito de aquecimento no planeta, seja por adicionar mais gases com efeito de estufa à atmosfera, seja por escurecer a superfície da neve e do gelo, causando uma maior retenção de calor e um degelo mais rápido.

Mas os modelos de Frierson e colegas indicaram que este aquecimento é mais do que compensado pelo efeito líquido de arrefecimento que o fumo e outros aerossóis provocam ao iluminar as nuvens e impedir que parte do calor do sol chegue à superfície.

Isto ajuda até a preservar algum do gelo marítimo no Ártico, fazendo com que o gelo dure mais e se mantenha mais espesso durante o verão e o outono do que aconteceria de outra forma, o que provoca ainda mais arrefecimento durante o inverno, comparado com o que a maioria dos modelos climáticos sugere.

Ainda assim, embora Frierson e a sua equipa consigam afirmar com alguma confiança que o aumento da atividade dos incêndios poderá reduzir o aquecimento global em 12% e em 38% no Ártico.

Hamish Gordon, cientista atmosférico da Carnegie-Mellon University, afirma que “os números precisos são extremamente incertos.”

Gordon não diz isto para pôr em causa o estudo, que até lhe agradou, mas porque os autores tiveram de fazer muitas suposições e porque existem muitas incertezas inerentes à modelação climática, especialmente quando se trata de aerossóis como o fumo dos incêndios, que continuam a ser um dos maiores desafios para os cientistas do clima.

Aerossóis, partículas minúsculas suspensas na atmosfera, comportam-se de maneiras complexas: algumas dispersam a luz, outras absorvem calor, algumas fazem ambas as coisas; e todas elas iluminam as nuvens ao multiplicar as gotas de água, causando por vezes até precipitação espontânea.

Frierson refere que “os números não devem ser levados demasiado a sério neste momento.”

O artigo não tinha como objetivo determinar o efeito preciso e definitivo do aumento dos incêndios no clima global, mas sim destacar a importância de contabilizar corretamente essas emissões nos futuros modelos climáticos, especialmente com a preparação dos relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas no seu sétimo ciclo de avaliação.

Mas, mesmo que futuras análises reforcem as conclusões de Frierson e seus colaboradores e indiquem que uma grande quantidade de fumo possa ter um efeito de arrefecimento pronunciado no planeta e no Ártico, isso não significa que estes incêndios sejam benignos ou benevolentes.

Como salienta Erin Hanan, ecologista de incêndios da Universidade de Nevada Reno. “as mudanças no regime de incêndios nas regiões boreais são um desastre ecológico, ambiental e para a saúde humana”.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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