O Estado da Nação, o Estado da Negação, o Diabo e o tio do Resgate

Tiago Petinga / Lusa

O primeiro-ministro, António Costa, durante o debate do Estado da Nação

No debate do Estado da Nação desta quinta-feita, o PSD desafiou hoje o primeiro-ministro a sair do “estado de negação” em que se encontra. António Costa salienta que a estabilidade foi a opção dos portugueses.

O primeiro-ministro, António Costa, considerou hoje que Portugal é um país diferente dos cenários previstos pelas oposições, sem estagflação ou recessão, mas com um dos maiores crescimentos da União Europeia, com inflação em queda e emprego em máximos históricos.

António Costa abriu o debate sobre o estado da nação, na Assembleia da República, com críticas às previsões feitas há dez meses pelas oposições, que acusou de terem feito discursos catastrofistas em relação ao país.

O primeiro ministro realçou a conjuntura de pós-pandemia da covid-19, de incerteza económica na sequência da intervenção militar russa na Ucrânia, com “subida inopinada das taxas de juro e a maior inflação dos últimos 30 anos”.

Perante esta realidade, com humildade, o Governo optou pela responsabilidade face ao alarmismo, pela ação contra o fatalismo. Enquanto outros se concentravam em discursos catastrofistas, procurámos soluções concretas para os problemas”, defendeu.

António Costa referiu que em setembro passado, por exemplo, “para as oposições, não havia dúvidas: Portugal caminhava para a recessão – e no melhor dos cenários poderia, quanto muito, estagnar”.

Hoje, porém, de acordo com o primeiro-ministro, verificou-se que “Portugal não estagnou, Portugal não entrou em recessão, Portugal não regressou à estagflação” e, pelo contrário, “teve no primeiro trimestre o terceiro maior crescimento da União Europeia e as previsões de crescimento para este ano já variam entre 2,4 e 2,7%”.

O emprego está em máximos históricos, com 4,9 milhões de pessoas empregadas; e a inflação tem vindo a descer de 10,1%, em outubro, para 3,4%, em junho”, acrescentou o primeiro-ministro.

“Esta é a grande conclusão desta avaliação: Portugal não foi este ano o país que as oposições previam, que empenhadamente anunciavam que ia ser e que – sejamos claros! – alguns anseiam desde 2015 que finalmente um dia seja”, sustentou Costa.

Os Desafios

O primeiro-ministro disse no seu discurso que tem consciência dos problemas que os portugueses enfrentam, mas salientou que a estabilidade política foi a opção dos portugueses nas últimas eleições.

“Temos bem consciência das dificuldades que os portugueses enfrentam no seu dia-a-dia e estamos cientes que muitos jovens se interrogam sobre o seu futuro em Portugal”, disse.

“Mas temos também a certeza que os resultados já alcançados provam que estamos no caminho certo e que o volume de fundos europeus de que o país dispõe para investir nos próximos anos permite acelerar este processo de transformação estrutural da economia portuguesa”, sustentou.

“Essa opção pela estabilidade garante a continuidade da ação transformadora, o cumprimento dos compromissos com os portugueses, a execução de reformas essenciais à modernização do país e a melhoria de qualidade de vida dos portugueses”, defendeu.

Relativamente ao discurso da oposição, António Costa contestou em particular a ideia de que o Governo subiu impostos: “A receita sobe porque a economia está a crescer, há muito mais pessoas a trabalhar, os salários estão a subir e por isso as contribuições para a Segurança Social estão a aumentar”.

A Negação

Em resposta ao primeiro-ministro, o presidente do PSD, Luís Montenegro, acusou António Costa de estar em negação e rejeitou que os portugueses estejam a viver melhor, avisando António Costa que “se o Governo não emendar a mão, é necessário mudar de Governo”.

“O Dr. António Costa tem um desplante político grande e quis vir dizer no debate do estado da nação uma negação do que vimos na rua: que os portugueses estão a viver melhor. Não estão, Dr. António Costa”, afirmou Luís Montenegro.

O líder do PSD perguntou “em que país vive António Costa”, acusando o primeiro-ministro de desrespeitar os que “não têm dinheiro para pagar as suas contas ao final do mês”.

“Chegar ao estado da nação e não ter a humildade de reconhecer isto é infelizmente sinónimo de que o Governo não vai emendar a mão. Não emendando a mão, o que é necessário é mudar de governo”, defendeu.

O Diabo

Na intervenção de abertura no debate do estado da nação, António Costa tinha deixado uma farpa a Luís Montenegro. “Para nós, Portugal só está melhor se os portugueses estiverem melhor”, declarou.

Em 2014, quando era líder parlamentar do PSD, que governava o país em coligação com o CDS-PP nos tempos do memorando da ‘troika’, causou polémica uma frase de Luís Montenegro numa entrevista, quando afirmou que “a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor“.

Montenegro lamentou que, “influenciado pelo seu publicitário”, António Costa tenha querido fazer “uma graçola à volta daquilo que alguém disse em 2014” e de ter ainda uma obsessão com o Diabo, neste caso uma expressão celebrizada pelo ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.

É preciso respeitar o sofrimento das pessoas, é preciso respeitar os que têm hoje baixos salários e ganham o salário mínimo, respeitar os que não têm dinheiro para pagar as prestações da casa, respeitar aqueles a quem o dr. António Costa retira em impostos e devolve em serviços públicos sem qualidade”, criticou.

Montenegro frisou que anda “na rua todas as semanas, em todas as regiões do país” e contacta com uma realidade diferente da do primeiro-ministro.

Empresários que estão asfixiados em impostos, fartos de burocracia, a olhar para os 50 mil milhões de euros vindos da Europa e cujo principal destinatário está a ser a administração pública para colmatar a falta de investimento publico dos últimos anos”, criticou.

O líder do PSD procurou também desmontar a tese várias vezes repetida pelo primeiro-ministro e pelo PS de que o seu partido não apresenta alternativas.

O PSD apresentou nos últimos meses propostas sobre fiscalidade, saúde, habitação, políticas para a terceira idade, para a juventude, para reter imigrantes. Até temos um site, o primeiro-ministro vá lá consultar”, ironizou.

Para Montenegro, as sondagens que dão o partido taco a taco ou até à frente do PS demonstram que esta alternativa “chega cada vez mais” aos portugueses, depois de há ano e meio o PSD ter perdido as legislativas por 14 pontos de diferença.

“É sinal de que os portugueses estão atentos ao demérito do Governo e ao mérito da oposição”, considerou.

O Resgate

“Se com José Sócrates os portugueses conheceram a bancarrota socialista, com António Costa os portugueses sofrem o empobrecimento socialista”, criticou o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento.

O social-democrata apontou como exemplos a duplicação das prestações dos portugueses com os créditos à habitação, a “queda dos salários reais em 4% em 2022” ou o facto de metade dos pensionistas não conseguirem comprar todos os medicamentos de que precisam.

“Deixo lhe um repto: no estado da nação, abandone o estado de negação em que se encontra”, pediu Miranda Sarmento.

Na resposta, António Costa respondeu que, “goste ou não”, o partido do empobrecimento tem sido o PSD, invocando declarações dos anteriores líderes sociais-democratas a alertarem para os riscos da subida do Salário Mínimo Nacional (SMN) pelo Governo socialista.

“E foi o seu o atual líder que disse aqui, quando era líder parlamentar em 2016, que com o aumento do SMN, eu ia ser o pai do quarto regaste do país. O que temos sido é os pais e mães do maior ciclo de crescimento nas últimas década”, contrapôs.

Sobre o problema da subida dos juros nos créditos à habitação, o primeiro-ministro disse que o Governo está a estudar “novas medidas para reforçar” as já adotadas para apoiar estes créditos e deixou um remoque ao líder parlamentar do PSD.

“Já varias vezes fui criticado por pessoas da sua área política por criticar a política do BCE, nunca o ouvi a si dizer uma palavra sobre a evolução das taxas de juro”, notou.

Numa interpelação à mesa, Miranda Sarmento pediu que fosse informada a câmara como é que o governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, tem votado esses aumentos, e voltou a trazer os tempos da ‘troika’ ao debate.

“Não sei se o senhor será o pai do 4º resgate, mas do 3º é pelo menos o tio”, disse.

As Buscas

No final do seu tempo, Miranda Sarmento referiu-se às buscas judiciais da semana passada a sedes do PSD e à casa do ex-líder Rui Rio, considerando que a justiça é “um dos problemas mais graves que o país atravessa”, deixando um repto que ficou sem resposta.

O PSD não pactua com a impunidade, mas não vacila na defesa dos princípios do estado de Direito. O que aconteceu na semana passada foi muito grave, uma inversão daquilo que devem ser os papéis entre a justiça e a política”, afirmou.

“Várias pessoas, de vários quadrantes políticos, já se colocaram na primeira linha nesse combate, falta uma pessoa, que é V.Exª, sr. primeiro-ministro”, acrescentou o líder parlamentar do PSD.

Na resposta ao PSD, em que nem gastou os cinco minutos de tempo previsto, o primeiro-ministro não se referiu nem à justiça nem ao caso concreto das buscas da semana passada.

O Truque

Miranda Sarmento acusou ainda o Governo de cobrar cada vez mais impostos, mas sem correspondência nos serviços públicos, que considerou estarem “em colapso”.

O senhor faz um truque, com as duas mãos tira aos portugueses em impostos e com uma mão, uma mão cerrada socialista, devolve um poucochinho”, disse, lamentando ainda os “casos, demissões e trapalhadas” do último ano.

O líder parlamentar do PSD defendeu que o seu partido já é alternativa ao Governo e que, ao contrário do que disse o primeiro-ministro no seu discurso inicial, “não pode dizer que o PSD não apresenta medidas”, elencando várias em áreas como habitação, saúde ou impostos.

“Podem discordar de tudo mas não podem negar que o PSD tem feito contributos importantes para a vida dos portugueses e desenvolvimento económico do país”, afirmou.

A Alternativa

O líder da bancada socialista, Eurico Brilhante Dias, defendeu que os portugueses vivem melhor “no país do PS, no país governado pelo PS”, acusando a oposição à direita de ter falhado nas suas previsões e de não constituir alternativa.

“Felizmente os portugueses e as portuguesas vivem no país do PS, no país governado pelo PS, não vivem no país negro, macambúzio, sem futuro que constantemente a nossa oposição à direita apresenta”, afirmou Eurico Brilhante Dias, durante o debate sobre o estado da nação, na Assembleia da República.

Dirigindo-se ao primeiro-ministro, o líder parlamentar do PS acrescentou: “A estabilidade política é um elemento central, e a pergunta que deixo, a questão que fica, perante a falta de alternativa, e perante os erros da oposição, é como vamos prosseguir com estabilidade política para que daqui a um ano os portugueses e as portuguesas e o país estejam melhores”.

“Senhor deputado, só tenho uma divergência consigo. É que há uma alternativa, e a alternativa deles é muito simples: é voltar a andar para trás, para o ciclo de empobrecimento em que sempre governaram”, respondeu o primeiro-ministro.

O líder parlamentar do PS elogiou a ação do Governo “perante a crise, perante as dificuldades, perante a emergência”, destacando as “políticas que apoiaram os mais vulneráveis”.

Depois, acusou a oposição, e em particular Miranda Sarmento, de continuar “com a cantilena do empobrecimento” e desvalorizar o crescimento da economia, os aumentos dos salários, os números do emprego, o investimento estrangeiro e o índice de confiança dos consumidores.

Todas as profecias da oposição à direita falharam, não aconteceram, erraram”, concluiu Eurico Brilhante Dias.

Assim está o Estado da Nação.

ZAP // Lusa

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