A necrose é a causa principal (e não sintoma) do envelhecimento, diz estudo. Isso muda tudo

LinkGevity

Ilustração de uma célula saudável (esquerda) ao lado de uma célula que foi afetada por necrose (direita)

O segredo para nos mantermos jovens pode não ser um creme caro ou um suplemento da moda, mas sim o controlo de um tipo de morte celular que tem passado despercebido — e que os cientistas dizem ser o verdadeiro culpado oculto por trás do envelhecimento.

A necrose — o “rebentamento” descontrolado de células danificadas — é uma forma caótica de morte celular que derrama toxinas e provoca danos generalizados nos tecidos.

Num novo estudo, recentemente publicado na revista Oncogene, uma equipa de investigadores sustenta que a necrose pode ser um importante fator por trás de todo o tipo de condições clínicas, desde o cancro e ataques cardíacos a doenças renais e até ao próprio envelhecimento.

O nosso corpo elimina constantemente as células velhas, danificadas ou infectadas, através de um processo altamente controlado chamado apoptose, que elimina os resíduos celulares sem danificar os tecidos circundantes.

Ao contrário deste processo cuidadosamente orquestrado, a necrose é essencialmente um caos celular: as membranas rompidas derramam enzimas, fragmentos de ADN e sinais inflamatórios nos tecidos próximos.

Estes conteúdos derramados actuam como sinais de alarme que atraem as células imunitárias e desencadeiam mais inflamação, explica o Study Finds.

“A necrose é uma morte celular descontrolada que marca o limiar irreversível da degeneração biológica”, diz numa nota de imprensa  a autora principal do estudo, Carina Kern, CEO da LinkGevity, biotecnológica sediada na Universidade de Cambridge que promoveu a investigação.

Se os cientistas conseguirem aprender a travar esse caos, diz Kern, as terapias podem deixar de ser apenas uma forma de limpar os danos — e passar a ser o caminho para fechar a torneira.

O cancro é o exemplo mais dramático de necrose em ação. Os investigadores referem que a necrose é “uma caraterística generalizada de muitos tumores agressivos de crescimento rápido”, incluindo os cancros da mama, do rim, da próstata e do endométrio.

Quando os tumores crescem tão rapidamente que ultrapassam o seu fornecimento de sangue, os seus núcleos tornam-se necróticos.

Poder-se-ia pensar que isso é benéfico; afinal, se as células cancerosas estão a morrer, não é isso que queremos? Infelizmente, a realidade é mais sinistra.

Estas regiões necróticas tornam-se locais de reprodução dos piores aspectos do comportamento do cancro. O tecido moribundo liberta sinais inflamatórios que, na verdade, ajudam os tumores a desenvolver novos vasos sanguíneos, a tornarem-se geneticamente mais instáveis e a espalharem-se para outras partes do corpo.

A necrose também interfere com o tratamento do cancro. Muitos medicamentos de quimioterapia precisam de oxigénio para funcionar eficazmente, mas as áreas necróticas têm normalmente pouco oxigénio. Isto cria santuários de cancro onde os tumores se podem esconder do tratamento.

O cancro é apenas o início. Os investigadores traçam o caminho destrutivo da necrose em quase todas as principais doenças relacionadas com a idade.

Nos rins, a necrose das células tubulares é responsável tanto pela lesão renal súbita como pela progressão lenta para uma doença renal potencialmente crónica que afecta cerca de metade das pessoas até aos 75 anos.

No coração e no cérebro, a necrose é responsável pelos danos causados por ataques cardíacos ou acidentes vasculares cerebrais.

Quando o fluxo sanguíneo é cortado e depois restaurado, um processo denominado lesão de isquémia-reperfusão, os danos celulares e a necrose resultantes podem ser mais prejudiciais do que o bloqueio original.

O cérebro é talvez o exemplo mais preocupante. Nas doenças de Alzheimer e de Parkinson, os agregados proteicos e o stress oxidativo empurram os neurónios para a necrose, alimentando a inflamação que acelera a perda de células.

Mas o resultado mais excitante do novo estudo é conclusão de que a necrose pode ser um fator central do próprio envelhecimento.

Os danos necróticos de baixo grau acumulam-se ao longo do tempo, desencadeando problemas que associamos ao envelhecimento: instabilidade genética, inflamação crónica e disfunção dos tecidos.

À medida que envelhecemos, as nossas células tornam-se mais susceptíveis à necrose e a nossa capacidade de reparar os danos diminui, o que ajuda a explicar por que razão o envelhecimento parece acelerar.

Se a necrose é um alvo tão crucial, porque ainda não a resolvemos?

Ao contrário da morte celular programada, que pode ser bloqueada visando genes e proteínas específicos, a necrose não possui regulação genética, tornando-a muito mais difícil de controlar. As abordagens atuais têm-se focado em bloquear os fatores desencadeantes da necrose ou em tentar prevenir danos subsequentes.

Ambas as estratégias têm sérias limitações. Os medicamentos anti-inflamatórios podem deixar os pacientes vulneráveis a infeções, enquanto tentar bloquear enzimas destrutivas individuais é extremamente difícil.

A necrose tem estado escondida à vista de todos. Como fase final da morte celular, tem sido largamente negligenciada. Mas evidências crescentes mostram que é muito mais do que um ponto final“, diz Carina Kern.

“É um mecanismo central através do qual a degeneração sistémica não só surge como também se propaga. Isso torna-a um ponto crítico de convergência em muitas doenças”, acrescenta a investigadora.

Segundo os  investigadores, colocar a necrose como foco central da investigação médica poderia abrir as portas a tratamentos que poderiam impedir a propagação de danos de um ataque cardíaco, impedir o cancro de metastizar, retardar a progressão de doenças renais, reduzir a neurodegeneração e potencialmente até retardar o próprio envelhecimento.

A necrose uma das fronteiras finais na medicina — um processo destrutivo há muito aceite como intratável e inevitável”, conclui Kern.

ZAP //

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