Não há “margem de manobra” para descer impostos (e produtividade “tem que melhorar”)

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José Sena Goulão / Wikimedia

O ex-ministro das Finanças e da Economia, Teixeira dos Santos

O ex-ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos defende que o país não tem “grande margem de manobra” para descer a carga fiscal, defendendo que repor o equilíbrio orçamental deve ser a prioridade.

“Não vejo grande margem de manobra para descidas de impostos e vejo necessidade de haver alguma prudência nesse domínio”, disse hoje em entrevista à Lusa.

Quando questionado sobre se uma redução dos impostos nos próximos três a quatro anos seria possível, Teixeira dos Santos afirmou não ver “grande margem de manobra”, porque o país atingiu “em 2019 uma situação de equilíbrio orçamental, que, entretanto, se desfez por causa das consequências que a pandemia teve sobre a economia e também sobre as finanças públicas”.

O ex-governante defendeu ser importante melhorar o desempenho orçamental “para criar condições para que isso seja possível”, considerando que uma redução da carga fiscal, “é bom para o investimento e para o trabalho dos portugueses”.

“Acho que a prioridade que temos que ter é a de repor esse equilíbrio orçamental. É importante que o equilíbrio orçamental seja reposto. Primeiro para assegurar que a poupança suficiente para o investimento na economia e segundo para assegurar condições de estabilidade financeira ao país”, justificou.

Em entrevista à Lusa, o antigo governante recordou a crise financeira que levou a intervenção da Troika, para defender que “ficou bem evidente a influência e a importância que a situação das finanças públicas tem no domínio financeiro e na estabilidade financeira do país”.

“É importante, principalmente, adotar políticas que fomentem o crescimento económico, porque se a economia crescer melhoramos a cobrança fiscal e melhorando a cobrança fiscal, então, aí sim podemos ganhar esse espaço necessário para a redução dos impostos”, disse.

No entanto, destacou também a importância da previsibilidade do quadro fiscal.

“É preciso que as pessoas possam saber com o que contar nesse domínio. Isso é muito importante para tomar decisões. Tem que se saber o que se pode esperar no futuro em termos dos encargos que vai ter que suportar com o Estado a este nível. Isto é fundamental”, disse.

290 anos para igualar produtividade da zona euro

Teixeira dos Santos estima que, mantendo as atuais condições, Portugal precisa de mais de 290 anos para igualar a média de produtividade da zona euro.

“Não há possibilidade de melhorar o nível de vida dos portugueses se não melhorar a produtividade. Não há outra via, não há outro caminho. Não tenhamos ilusões quanto a isto”, defendeu.

“A correlação entre o nosso rendimento real e a produtividade é da ordem dos 98% a 99%. Uma coisa anda a par da outra. Se o país quer melhorar o seu bem-estar, o seu nível de vida tem que melhorar a produtividade“, sublinhou.

Isto é um grande desafio a todos nós: ao Estado, às famílias, aos trabalhadores, aos empresários, a todos nós. É este o desafio que o país tem de enfrentar e, no meu entender, dar-lhe uma grande prioridade”, acrescentou o ex-ministro.

Teixeira dos Santos calcula que, se se mantiverem as taxas de crescimento da produtividade em Portugal e na zona euro, serão necessários 45 anos para que o país atinja 60% da produtividade média dos países da moeda única e 154 anos para atingir os 75%.

“Temos de facto de fazer alguma coisa de muito significativo no progresso da nossa produtividade, porque senão continuaremos atrás da média europeia”, defendeu.

Os cálculos têm como níveis de partida a média do nível de produtividade observada entre 2015 e 2019, recordando que a produtividade do trabalho em Portugal representa cerca de 54% da média da zona euro e o seu crescimento médio anual entre 1999 e 2019 foi de 0,93%, superior ao valor médio registado nos países da moeda única, de 0,72% ao ano.

Teixeira dos Santos assinalou à Lusa que as taxas de crescimento da produtividade na última década são “muito baixas”, argumentando que “a crescer a esta média o progresso da produtividade é muito lento”.

É que, “à medida que nós progredimos, a zona euro também progride – pouco como nós, mas também progride”, explicou. “Estamos a perseguir um alvo que está em movimento e vai demorar muito tempo a apanhá-lo”, frisou.

O ex-ministro de Estado e das Finanças de José Sócrates salientou que o país tem um baixo coeficiente de capital e trabalho.

Há pouco capital por trabalhador. Portanto os trabalhadores também não podem ser muito produtivos se não têm essas ferramentas, essas infraestruturas a apoiar o esforço produtivo. Isso tem a ver com um baixo nível de investimento na economia portuguesa, que faz com que o ‘stock’ de capital da economia seja reduzido”, disse.

Destacou, neste sentido, que historicamente o ‘stock’ de capital tende a aumentar, mas em Portugal “nos últimos anos está a diminuir, o que compromete o crescimento e a produtividade”.

De acordo com os cálculos do antigo ministro, se por exemplo, a produtividade de Portugal crescer, em média 2% ao ano, o país atingirá “60% da média europeia no final da década e demorará quase meio século a igualá-la”.

“Prudência” no endividamento da economia

O ex-ministro alertou também que o ambiente de baixas taxas de juro não se irá manter por muito tempo, defendendo “prudência” no endividamento da economia.

“É importante que tenhamos solidez financeira no país e estabilidade financeira, porque os juros acumulam à dívida. As perspetivas que temos para o futuro é de que este ambiente de taxas de juro baixas não vai manter-se durante muito tempo”.

Teixeira dos Santos antecipa que as pressões inflacionistas deverão obrigar a algum ajustamento da política monetária, o que levará a “alguns” aumentos das taxas de juro.

Ainda que acredite que o Banco Central Europeu irá ser prudente na transição, para evitar grandes perturbações, assinala ser “expectável que a prazo” o “aumento das taxas de juro vai ocorrer”.

“Temos também que pensar que as taxas de juro se têm mantido a nível baixo e, em particular, no domínio da dívida pública, porque o BCE tem vindo a intervir de forma muito significativa nos mercados da dívida pública. E não vai continuar indefinidamente com esta política”, disse.

Descartando que o BCE avance com uma subida das taxas de juro já este ano, antecipa que o banco central poderá começar a sinalizar e a preparar as expectativas dos agentes económicos para o ajustamento.

Para o antigo ministro de Estado e das Finanças do governo socialista, face, contudo, à expectativa da futura alteração na política monetária do BCE, é preciso ser “mais prudentes principalmente no endividamento”.

“O Estado não se pode endividar mais e o setor privado também tem que ser prudente”, frisou, justificando que o setor privado “será porventura aquele que mais depressa poderá vir a sentir os efeitos negativos desta mudança”.

Teixeira dos Santos recorda que a dívida pública é contratada a médio longo prazo e durante algum tempo os encargos da dívida pública poderão manter-se relativamente baixos, mas no setor privado as famílias e as empresas têm taxas de juro variáveis.

“Havendo um aumento das taxas de curto prazo, as Euribor, por exemplo, isso repercute-se mais rapidamente no setor privado e os encargos financeiros do setor privado tenderão a aumentar mais depressa. Será este a sofrer primeiro o impacto do ajustamento da política monetária”, sublinhou.

Fernando Teixeira dos Santos foi ministro de Estado e das Finanças, entre 2005 e 2011, tendo sido o responsável pelo pedido de ajuda externa de Portugal aquando da crise económica e financeira.

Entre diversos cargos, entre 2000 e 2005, foi também presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), tendo sido entre 2016 e 2020 presidente da Comissão Executiva do Eurobic.

ZAP // Lusa

1 Comment

  1. Porquê, só acordar agora para os descalabros que a política portuguesa tem seguido nos últimos tempos?
    Quando lá esteve, foi igual ou pior dos que agora lá estão. Agora e tardiamente, já reconhece que a intervenção da troika foi favorável ao país, mas não pode esquecer que foi, com as suas más políticas então seguidas, que deram origem à intervenção da troika.
    Mas, mais vale tarde do que nunca, o reconhecimento dos erros. Devia, isso sim, esclarecer os seus companheiros do PS o quanto são de erradas as politicas que teimosamente continuam a seguir, conduzindo Portugal para a cauda da Europa.

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