“Nada nem ninguém nos vai parar”. Boris sobreviveu, mas ainda é cedo para cantar vitória

Jessica Taylor / (h) UK Parliament

O primeiro-ministro está confiante de que nada o vai derrubar depois de ter sobrevivido à moção de censura dos seus deputados, mas o inquérito do parlamento às suas alegadas mentiras sobre o Partygate e as eleições em Wakefield e Tiverton podem abalar novamente a sua imagem.

Esta quarta-feira, Boris Johnson esteve presente na sessão semanal na Câmara dos Comuns. Mas esta sessão não foi igual às outras, já que foi a primeira vez que Boris foi ao Parlamento desde a moção de censura que o viu escapar por um triz à destituição enquanto líder do Partido Conservador.

Numa câmara barulhenta no meio de apupos e aplausos, o primeiro-ministro chutou para canto o desafio à sua liderança e mostrou-se confiante de que nada o vai tirar do cargo, afirmando que “absolutamente nada nem ninguém” o vai parar, apesar de mais de 40% dos seus deputados não o quererem à frente do partido.

Do lado dos Trabalhistas, Keir Starmer zombou de Johnson por ter perdido a confiança de grande parte da sua bancada e usou como exemplo uma carta de condenação de Jesse Norman, ex-Ministro do Tesouro de Boris, onde este afirmou que o primeiro-ministro não tem “um sentido de missão” ou planos a longo prazo.

“A conversa do ‘grande plano’ do primeiro-ministro está tão gasta que até deputados que lhe eram leais já não acreditam nela. Fingir que as regras não foram quebradas não resultou. Fingir que a economia está a crescer não resultou. E fingir que vai construir 40 novos hospitais também não vai resultar. Eles querem que ele mude, mas ele não consegue. Como sempre com este primeiro-ministro, quando ele falha, muda as regras e baixa os critérios”, acusou.

Starmer também atacou Boris sobre as listas de espera nos hospitais, já que o Governo apelidou esta semana como a “semana da saúde” nas suas mensagens governamentais, acusando o primeiro-ministro de tentar passar a ideia de que “pinturas e arranjos” às velhas infraestruturas do Serviço Nacional de Saúde equivalem à construção de novos hospitais.

Já Angela Eagle, também dos Trabalhistas, afirmou que Johnson é “odiado” pelo seu próprio partido. “Pode o primeiro-ministro explicar, se 148 dos seus próprios deputados não confiam nele, porque raio deve o país?”, questionou.

A esta pergunta, Boris respondeu de forma optimista, dizendo que a sua carreira política “ainda mal começou” e que só conseguiu ter tantos inimigos devido a conquistas “muito grandes e notórias”. “O que eu quero que saiba é que absolutamente nada nem ninguém, muito menos você, nos vai impedir de continuar a servir o povo britânico”, atirou.

Deputados querem apresentar nova moção

Apesar do discurso confiante de Boris Johnson, a sua liderança ficou inegavelmente mais fragilizada com a moção de censura.

Há agora até rumores de que os deputados querem mudar a regra que impede que seja apresentada uma nova moção nos próximos 12 meses. Uma fonte do partido revela à televisão britânica ITV News que é “inevitável” que a mudança seja discutida e que esta seria a “progressão natural” depois de 41% da bancada se ter oposto à sua permanência no cargo.

Vários membros do Comité 1922, que tem o poder para decidir as regras do partido, estarão abertos à ideia de mudar as regras e vão discutir a ideia em breve. O limite mínimo de tempo pode assim vir a ser reduzido.

A eventual mudança desta regra não é um tema novo e foi falada em 2019, quando Theresa May venceu a moção a que também foi sujeita, que na altura foi convocada devido à gestão da líder Conservadora das negociações com a União Europeia para o acordo do Brexit, que a Câmara dos Comuns chumbou. A primeira-ministra acabou por se demitir e as regras não foram alteradas.

No caso da moção interna a Boris, o primeiro-ministro teve um resultado pior do que outros líderes que também foram testados pelos deputados e que acabaram por se demitir pouco tempo depois, como May, Margaret Thatcher ou John Major — e o historial do Partido Conservador mostra que ter mais do que 100 deputados rebeldes costuma ser o início da queda do pedestal que costuma levar a uma demissão.

Pode Boris mudar a narrativa?

A vitória dá algum tempo a Boris Johnson, mas não enterra a ideia de que o seu trabalho à frente dos destinos do Reino Unido tem os dias contados.

O primeiro-ministro vai ainda ser testado em duas eleições antecipadas nos círculos eleitorais de Wakefield e Tiverton — que foram convocadas depois das demissões de Imran Ahmad Khan e Neil Parish, que saíram dos cargos após serem abalados por escândalos sexuais, com o primeiro a ser condenado por violar um menor e segundo a ser apanhado a ver pornografia no plenário em duas ocasiões.

Ambas as eleições terão lugar a 23 de Junho, mas as sondagens não estão famosas para o lado dos Conservadores e espera-se que o partido perca os dois lugares. Um inquérito da JL Partners à eleição de Wakefield dá 20 pontos de vantagens aos Trabalhistas e espera-se uma vitória dos Liberais-Democratas em Tiverton.

Para além disto, o líder partidário tem ainda que se preocupar com o inquérito parlamentar às suspeitas de que terá mentido aos deputados quando disse não ter conhecimento das festas em Downing Street durante a pandemia.

Este inquérito vai certamente continuar a arrastar o escândalo do Partygate nos media britânicos numa fase em Boris quer sacudir o assunto e seguir em frente depois de já ter sido multado pela sua presença nas festas.

A oposição interna a Boris também significa que o Governo terá de repensar algumas das propostas legislativas que estavam nos planos, sob o risco do chumbo garantido devido à falta de apoio de deputados Conservadores. Entre estas leis inclui-se a polémica proposta para a mudança unilateral ao protocolo da Irlanda do Norte.

Antes do voto da moção, o apelo do líder aos deputados exaltou os seus feitos passados e lembrou as vezes em que os seus adversários o subestimaram. Há apenas dois anos e meio, Boris foi o rosto da maior vitória dos Conservadores desde Margaret Thatcher, mas a moção de censura pode ter mesmo ditado o início do fim do seu trabalho como primeiro-ministro.

Adriana Peixoto, ZAP //

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