100 eleitores em Portalegre só valem 50. E se os deputados fossem eleitos de outra forma?

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André Kosters / Lusa

Agora com resultados finais das eleições legislativas, recordamos votos no lixo, primárias, dois círculos e uma petição. E mudanças?

Mais de 9 milhões de votos já foram para o “lixo” desde que há eleições legislativas livres em Portugal.

Em quase 50 anos o número de votos desperdiçados é praticamente o número de habitantes que Portugal tem.

As eleições legislativas 2024 contribuíram – muito – para esse valor global: quase 1.2 milhões de votos não elegeram qualquer deputado.

Tendo em conta que, em Portugal, votaram pouco mais de 6 milhões de pessoas, isso significa que praticamente 20% dos votos não servirão para nada na composição da próxima legislatura.

Henrique Oliveira, matemático do Instituto Superior Técnico, apresentou contas que devem servir para reflexão. Tudo em território nacional.

Nestas eleições, em média, 26 mil votos elegeram um deputado. Dividindo os 6 milhões de eleitores que votaram por 230 (número de deputados), chegamos a essa média de 26 mil votos por deputado.

No entanto, é mesmo só uma média: é que, para AD, PS e Chega, em média só foram precisos 23 mil votos por cada deputado.

No outro extremo fica o PAN, o partido mais prejudicado em termos de escala: teve mais de 118 mil votos e só conseguiu uma deputada. Se seguisse a média dos três anteriores, teria conseguido 5 deputados.

Henrique Oliveira reforçou a ideia de que, neste Método d’Hondt, os votos no interior valem pouco: em Lisboa, Porto, Setúbal ou Braga, 90% dos votos elegem alguém; mas em Portalegre apenas 50% votos elegem um deputado.

100 eleitores em Portalegre só valem 50” na prática, alertou o professor, na CNN Portugal. Portalegre é o distrito que elege menos deputados; foram apenas dois.

“Beja, Guarda… Todo o interior até Bragança: os eleitores não têm liberdade de optar por um partido mais pequeno, há pouca liberdade eleitoral – porque já sabem que o seu voto será desperdiçado” se votarem num partido fora dos dois ou três maiores.

E destacou também o caso dos votos dos emigrantes: 350 mil votos (nestas eleições) elegeram somente 4 deputados. A média de 26 mil daria direito a 13 deputados, mais do triplo da realidade.

“Cada votante de emigração vale menos em termos democráticos do que continente e regiões autónomas”, comentou o matemático.

Henrique defende uma mudança no sistema eleitoral.

Não é o único. O jornal Público sugeria, muito antes destas eleições, uma eleição diferente de deputados – a começar pelo sistema dentro de cada partido.

E foca o método das primárias. As eleições primárias são eleições que servem para escolher o candidato (ou cabeça-de-lista) do partido às eleições.

Neste sistema, todos os cidadãos (que se enquadrem nos critérios definidos por cada partido) podem votar. Podem nem ser militantes.

Também se recorda os círculos uninominais: em cada círculo eleitoral seria eleito um deputado – e apenas um. Só seria eleito o representante que tivesse mais votos naquela região.

Um círculo nacional de compensação, defendido até por líderes partidários (normalmente mais pequenos), também seria opção. Serviria para garantir que “cada voto conta, independentemente do distrito a que pertence.

Surgiu uma petição pública, há uns tempos, que apontava igualmente para uma mudança na forma de eleger deputados.

O seu autor, Humberto, justifica: “Muita gente já me disse: ‘Aqui na minha zona nem vale a pena votar nesse partido porque já sei que vai cair em saco roto’”.

Humberto contou ao jornal Expresso que a sua petição “Por uma maior conversão de votos em mandatos” foi realmente debatida em Assembleia da República, há um ano. A conversa sobre a petição durou… “menos de 10 segundos”.

Mas adoptar primárias nunca foi prioridade para nenhum grande partido, os círculos uninominais ou de compensação (provavelmente) nunca serão opção e esta petição – já se viu – não terá qualquer consequência.

Porque, voltando ao matemático Henrique Pereira, vai ser “muito difícil” mudar algo. Quem está interessado em alterar são os pequenos partidos. Aos grandes convém continuar assim.

E até há quem sugira votar em medidas; não em partidos/pessoas. Mas isso ficará para outro artigo.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

1 Comment

  1. Neste sistema injusto, não vale a pena aos partidos pequenos investirem qualquer esforço e despesa nos círculos mais pequenos – incluindo emigração.

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