“Um guerreiro tem o direito de descansar”. O antigo presidente do Uruguai, amado por muitos, contestado por outros, começou por roubar aos ricos para dar aos pobres e recusou viver no Palácio Presidencial. Morreu esta terça-feira um dos líderes mais respeitados da América do Sul, aos 89 anos.
O antigo presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, um ex-guerrilheiro marxista e produtor de flores cuja marca radical de democracia, filosofia franca e estilo de vida simples fascinou pessoas em todo o mundo, morreu. Tinha 89 anos.
A sua morte foi anunciada pelo atual presidente uruguaio, Yamandú Orsi, que num post no X descreveu Mujica como “presidente, ativista, guia e líder”.
Segundo o The Guardian, “Pepe” Mujica encontrava-se a receber tratamentos para cancro do esófago desde a primavera de 2024, altura em que a doença foi diagnosticada.
Mesmo depois de os tratamentos o terem deixado fraco e com dificuldade em comer, Mujica reapareceu na cena político no outono de 2024, em campanha pela coligação de esquerda nas eleições nacionais que levaram o seu candidato preferido e protegido, Orsi, à presidência.
Em setembro de 2024, o seu médico informou que a radiação tinha conseguido eliminar grande parte do tumor de Mujica. Mas em janeiro de 2025, o cancro no esófago tinha regressado e estava espalhado pelo fígado.
A sua doença autoimune e outros problemas médicos subjacentes levaram Mujica a decidir não prosseguir com mais tratamentos.
“Honestamente, estou a morrer“, admitiu Mujica à revista Búsqueda naquela que disse ser a sua última entrevista. “Peço-vos que me deixem tranquilo. O meu ciclo terminou. Um guerreiro tem o direito de descansar“.
A jornada de vida de Mujica teve muitas reviravoltas inesperadas — escapou da prisão duas vezes e esteve perigosamente perto da morte em pelo menos uma ocasião.
Acabou por se tornar um dos líderes nacionais mais respeitados da América do Sul, recorda a Foreign Policy, que em 2013 incluiu Mujica na sua lista de principais pensadores globais por “redefinir a esquerda latino-americana” e por idealizar “uma experiência de liberalismo social sem precedentes” na região.
Durante a sua presidência, entre 2010 e 2015, Mujica, conhecido como “Pepe”, supervisionou a transformação da sua pequena nação sul-americana numa das democracias socialmente mais liberais do mundo.
Ganhou admiração no seu país e status de culto no estrangeiro por legalizar a marijuana e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, promulgar a primeira lei abrangente de direitos ao aborto da região e estabelecer o Uruguai como líder em energia alternativa.
Mujica despertou fascínio global ao rejeitar o palácio presidencial para viver numa pequena casa de campo e doar a maior parte do seu salário para a caridade.
Nos anos 1960, foi fundador do movimento guerrilheiro urbano marxista-leninista Tupamaros, que começou por roubar aos ricos para dar aos pobres, mas mais tarde escalou a sua ação para raptos, bombardeamentos e assassinatos.
Durante esses anos, Mujica viveu uma vida de audácia, recorda o The Guardian. Sofreu múltiplos ferimentos de tiros e participou numa fuga em massa da prisão.
Mas quando os Tupamaros entraram em colapso em 1972, foi recapturado e passou toda a ditadura uruguaia de 1973-1985 na prisão, onde foi torturado e passou anos em isolamento solitário.
Após a sua libertação, dedicou-se à política e em 1989 fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), o maior partifo da coligação de esquerda Frente Ampla. Eleito para o Congresso em 1995, tornou-se senador em 2000 e depois ministro da agricultura no primeiro governo de esquerda do Uruguai.
Cumpriu apenas um mandato de cinco anos como presidente, de acordo com os limites de mandato do Uruguai.
Mujica não teve filhos e deixa a esposa, Lucía Topolansky, outra antiga militante.
Na sua entrevista final ao Búsqueda, publicada esta terça-feira, Mujica respondeu repetidamente às perguntas com aforismos filosóficos.
“A vida é uma bela aventura e um milagre“, disse ele. “Estamos demasiado focados na riqueza e não na felicidade. Estamos focados apenas em fazer coisas e – antes que se aperceba – a vida passou por si“.
