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Moradores de Castro Marim revoltam-se por falta de apoio no combate ao fogo

Luís Forra / Lusa

Moradores do interior do concelho de Castro Marim queixam-se da falta de apoio dos bombeiros e de água canalizada para o combate ao incêndio que durante dois dias, entre segunda-feira e hoje, reavivou a memória do fogo de 2004.

Na localidade de Cortelha, Castro Marim, fica situado um edifício consumido quase na totalidade pelo incêndio: um armazém de cereais, alfarrobas e outros produtos agrícolas que os proprietários viram desaparecer em minutos.

Um grupo de pessoas conversa em frente ao que ainda resta da construção e mostra-se indignada com o que se passou, mas as atenções estão viradas para a dona Natália, que, desconsolada e em lágrimas, vai relatando o que viveu e mostra o pouco que sobrou.

“O meu filho veio com isto na mão e disse-me: foi o que sobrou do ouro”, diz, enquanto mostra algumas peças que tinha ali guardadas e agora quase impercetíveis.

É a muito custo que revela à Lusa que os figos, amêndoas, alfarrobas, várias centenas de quilos de cereais e todo o material que levava para vender no mercado desapareceram. “Ardeu tudo”, lamenta.

O fumo ainda é visível a sair de uma das divisões do armazém, onde uma empilhadora jaz junto ao uma porta entreaberta e contorcida pelo calor. O resto das divisões já não têm telhado e no chão negro é com dificuldade que se consegue identificar o que quer que lá tenha estado.

“O fogo estava lá em baixo, mas os bombeiros não o apagaram lá, nem aqui, e depois de estar tudo a arder é que vieram, deitaram um bocadinho de água. Ela acabou, eles foram-se embora e isto continuou a arder”, destaca Natália.

Na localidade, agora sem água, ainda conseguiram “tirar alguns dos carros”, mas uma carrinha repousa ardida em frente ao armazém.

“Ardeu também um outro camião que está lá na parte de trás”, conta o filho Nelson.

“Ardeu tudo, ficámos só com a roupa. Os materiais e o dinheiro foi-se. O meu pai só trabalha com dinheiro vivo, não trabalha com cheques”, afirma. Como o negócio é de compra e venda a pequenos produtores, “eles preferem em dinheiro”. Não revela o montante perdido, mas assume que “dava para comprar uma casa, das grandes”.

A conversa toma outro tom quando Manuel Pereira, vizinho, acusa os bombeiros de “pouco ou não terem feito” e afirma que estavam 12 carros de bombeiros num largo a “pouco mais de 100 metros” e “deixaram arder esta casa”.

“Fizeram zero e eu estava aqui nessa altura. Estavam deitados dentro dos carros. Nós já não dávamos feito nada. Estava tudo ardendo, tomado pelas chamas. O homem [o dono do armazém] deitado ali na estrada…”, descreve, já com a voz embargada, referindo que lhe responderam que “não tinham ordem para ir apagar”.

A indignação é notória noutros populares que relatam situações similares em mais localidades e aproveitam a presença de alguns membros do município para “dizer o que tem de ser dito”.

Ao longo das estradas sinuosas da serra o cenário é negro, pontuado com algum verde das árvores que conseguiram escapar às chamas. Muitos postes de comunicações não tiveram a mesma sorte e vários repousam agora no terreno ou ficam pendurados e agarrados ao fio que se mantém no ar graças aos outros que resistiram.

É já na Carrapateira, concelho de Tavira, que José António tira água do poço com dois baldes, para dar conta de algum pequeno fumo e para “ter um pouco de água em casa”, já que se acabou a que lá tinha.

Reside em Cacela, mas assim que soube do fogo foi ver se conseguia salvar a casa que era do sogro. “Safou-se desta vez, como em 2004”, conta, quando quatro aviões sobrevoam a caminho da barragem de Odeleite para reabastecer. “Ainda deve haver por aí algum fogo”, afirma.

Numa zona onde a estrada passa várias vezes os limites dos concelhos, é já em Castro Marim, na localidade de Pisa Barro de Cima, que um grupo de populares se junta à porta do café Ribeira da Serra com o fogo como ponto de conversa.

São cerca de 10 habitantes, entre homens, mulheres e crianças, e à pergunta sobre como foi a noite passada respondem quase em uníssono: “Fomos nós a combater o fogo. Aqui não havia bombeiros”.

A discordância surge quando tentam calcular quanto tempo estiveram sozinhos a combater o fogo. “Uma hora e meia, duas horas ou mais… Só apareceram já as chamas tinham passado a povoação”, ouve-se.

A indignação dirige-se também ao município, ao qual, com ironia, agradecem por ainda não terem água canalizada. Notam que, se tivesse acabado a eletricidade, “tinha sido a bonita”, já que as casas ficaram ameaçadas e as bombas são elétricas.

A mobilização da população começou “às cinco, seis da tarde”, quando decidiram encher os tanques com água por precaução e porque já previam o que iria acontecer.

“Fizemos exatamente a mesma coisa do que no incêndio de 2004. Foi a mesma coisa. Os bombeiros não apareceram em 2004 e agora aconteceu o mesmo”, reclamam.

A estrada segue em direção a sul e, já com vista mar, o cenário mantém-se negro, com os limites do empreendimento Monte Rei a revelarem não terem sido suficientes para parar as chamas. Só os relvados do campo golfe conseguem manter o verde que os caracteriza.

A sul da Autoestrada 22 o rasto do fogo mantém-se e em algumas zonas são visíveis pontos de fumo e carros de bombeiros a vigiar ou aguardar indicações.

Às 16:30 é anunciado que o incêndio está dado como dominado, mas uma hora depois os aviões ainda descarregam água algures perto da Mata de Santa Rita (Tavira), uma zona de arvoredo mais denso, que foi uma preocupação ao longo do dia de hoje e se mantém sob o olhar dos operacionais no terreno.

Bombeiro fazem consolidação da extinção do fogo

As equipas que combatem o incêndio iniciado em Castro Marim vão passar à consolidação da extinção e posteriormente ao rescaldo, depois de o incêndio ter sido dominado, com 6.700 hectares atingidos, disse o comandante das operações de socorro.

Numa conferência de imprensa para fazer um ponto de situação do dispositivo de combate ao fogo, que além de Castro Marim afetou os concelhos de Vila Real de Santo António e Tavira, Richard Marques manifestou-se satisfeito por o trabalho realizado durante o dia ter permitido garantir que não havia reativações como a que aconteceu na segunda-feira, após o incêndio rural ter sido dado como dominado às 10:20.

“Vamos avançar para um período que, para nós, é bastante importante, um período de consolidação, de rescaldo, e avançar gradualmente para um período de vigilância. O plano gradual de desmobilização vai acompanhar aquilo que é o risco, vamos manter capacidade instalada no terreno que permita fazer face a reativações que possam surgir, tal como apareceram hoje, para garantir que rapidamente se podem debelar caso elas surjam”, afirmou.

Richard Marques disse que o “incêndio foi dominado esta tarde pelas 16:02”, depois de “um trabalho árduo de uma noite que, de acordo com o plano estratégico de ação”, e mesmo “sem janela de oportunidade meteorológica”, permitiu “executar a consolidação”.

“Durante o dia de hoje, e tal como estava previsto, tínhamos uma alteração do quadro meteorológico ao início da tarde, com uma rotação naquilo que era a direção e intensificação do vento, e isso levou-nos a ter uma atenção redobrada para aquilo que poderia ser um volte-face nos trabalhos que foram desenvolvidos”, explicou.

O esforço deu resultado, conseguindo-se também garantir que não havia vítimas, frisou Richard Marques.

“A prioridades foram sempre as pessoas, o socorro e salvaguarda e a vida das pessoas, a defesa do seu património e naturalmente a salvaguarda do ambiente. Houve uma prioridade paralela desde o primeiro momento, a defesa da mata nacional [de Conceição de Tavira]”, referiu.

O comandante das operações de socorro sublinhou ainda que o incêndio, do ponto de vista da propagação, se desenvolveu com muita intensidade, atingindo “uma taxa de expansão média de 650 hectares por hora” e um “perímetro de 43 quilómetros”.

O incêndio afetou uma “área estimada de 6.700 hectares, já [calculada] com recurso ao sistema Copérnico, da União Europeia”, número que representa bem “o trabalho árduo” dos operacionais que combateram o fogo, perante um “potencial de 20.000 hectares” que se previa que as chamas poderiam atingir.

Anteriormente, na conferência de imprensa de segunda-feira de manhã, a Proteção Civil apontava para uma área ardida de 9.000 hectares.

Estiveram envolvidos na operação 613 operacionais, com 205 veículos, oito meios aéreos e 10 máquinas de rasto, tendo sido deslocadas de casa 81 pessoas, segundo a GNR.

Há edificado destruído, mas as três autarquias atingidas pelo fogo ainda não têm um levantamento feito que permita avançar números, embora em Castro Marim tenha havido um negócio de maquinaria agrícola e agricultura afetado, segundo o município.

Resultados do combate foram “bastante positivos”

A secretária de Estado da Proteção Civil, Patrícia Gaspar, qualificou hoje como “bastante positivos” os resultados do combate ao incêndio que se iniciou em Castro Marim, que poderia ter atingido os 20.000 hectares ardidos, mas ficou nos 6.700.

“Nós tínhamos aqui uma ocorrência com um potencial enorme de destruição, com uma área potencial que poderia ter alcançado os 20.000 hectares, e os números que hoje temos são bastante positivos e eles devem-se à eficácia e à operacionalidade de todos aqueles que combateram este incêndio, quer no terreno, quer nas salas de operações, quer no comando regional, mas também na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, onde toda esta operação foi acompanhada desde a primeira hora”, afirmou a governante.

Patrícia Gaspar falava no Azinhal, em Castro Marim, durante o último ponto de situação da Proteção Civil sobre o incêndio que se iniciou na segunda-feira à 01:05, foi dado como dominado às 10:20, mas sofreu depois um reacendimento que levou à propagação do fogo para sul. As chamas só foram dominadas às 16:02.

“Congratulamo-nos com o facto de não existirem vítimas deste incêndio, quer ao nível da população civil, quer ao nível dos operacionais, houve alguns ferimentos ligeiros e esperamos que as pessoas que os sofreram rapidamente possam recuperar”, afirmou.

A secretária de Estado destacou o trabalho que tem estado a ser feito com “um apelo constante” para que haja “uma adequação dos comportamentos de toda a população junto dos espaços florestais” e sublinhou que o incêndio, agora em fase de consolidação da extinção e rescaldo, aconteceu “naquele que, até hoje, foi o pior dia em termos de severidade meteorológica deste ano”.

“Temos alertado para que qualquer pequena ignição, nestas condições meteorológicas, pode degenerar numa grande ocorrência e esta é a prova de que estes apelos nunca são demais”, alertou.

Patrícia Gaspar realçou também o trabalho que tem sido feito pela Proteção Civil e o Governo na implementação de “um dispositivo todo ele integrado, cada vez mais robustecido”, que está a “garantir bons resultados”.

“Isto não é um balanço, é muito cedo para balanço, mas este ano apresenta-se até agora com resultados bastante positivos. Estamos a falar de cerca de 16.600 hectares ardidos desde o início do ano, aos quais se irão somar os dados finais apurados deste incêndio, e isto representa uma redução de cerca de 74% face àquele que é o balanço dos últimos 10 anos”, exemplificou.

A par destes números, Patrícia Gaspar disse que tem sido “conseguido também reduzir o número de ocorrências”, embora sem quantificar.

“Temos todos de ficar de alguma forma satisfeitos – não com o incêndio, que obviamente gostaríamos que não tivesse acontecido – mas porque, considerando as consequências que ele poderia ter tido, o balanço que nos é dado a conhecer é de alguma forma positivo”, declarou.

// Lusa

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