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Diretor de medicina intensiva defende confinamento até 21 de março (e task force para doentes não-covid)

José Sena Goulão / Lusa

O diretor do serviço de medicina intensiva do Hospital de São João defendeu que o confinamento seja mantido até 21 de março, medida acompanhada de uma testagem “robusta”, com 50 vezes mais testes do que os casos diagnosticados.

Em declarações à agência Lusa, José Artur Paiva defendeu que o “desconfinamento não pode ocorrer antes de dois meses de confinamento”, contado a partir do que chama “confinamento real”, ou seja desde 21 de janeiro, altura em que foi anunciado o fecho das escolas para travar os contágios de covid-19.

“Diria que o desconfinamento não deve iniciar-se antes de 21 de março”, sublinhou.

Revelando que apreciou “muito” as posições do epidemiologista Manuel Carmo Gomes na reunião do Infarmed de terça-feira, altura em que o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa fez críticas ao Governo na sua última participação nesta reunião de peritos, José Artur Paiva reafirmou a convicção de que as medidas para conter a pandemia da covid-19 devem ser tomadas “com base em previsões e não em evidências”.

“Temos de estar um passo à frente da pandemia. E esses critérios não podem ser só relacionados com a transmissão viral”, referiu.

José Artur Paiva defende, então, a conjugação de três critérios antes de desconfinar: redução da transmissão viral, alívio da sobrecarga do sistema hospitalar e medidas de saúde pública robustas.

“Temos de estar, sustentadamente, com menos de 2 mil casos por dia. Temos de ter as quartas e quintas-feiras [dias de maior prevalência] abaixo dos 2 mil [casos durante] semanas seguidas e um RT [rácio de transmissibilidade] inferior a 0,8, sustentadamente também. E uma taxa de positividade de testes inferior a 5%”, descreveu.

Quanto ao alívio da sobrecarga do sistema hospitalar, Artur Paiva explicou a preocupação centrada no número de doentes em cuidados intensivos.

Se desconfinarmos e a coisa correr mal, não podemos ter o sistema de saúde desprotegido. (…) Em minha opinião, não devemos desconfinar sem antes termos menos de 250 doentes em medicina intensiva por covid-19. Sem atingirmos este valor, o risco de uma quarta onda num sistema a sair desta asfixia é muito elevado”, analisou.

O diretor do serviço que tem, atualmente, 85% de taxa de ocupação covid-19 e 90% não covid, soma uma terceira ordem de fatores que deseja ver considerados antes do desconfinamento, sintetizando-a como “medidas de saúde pública”.

“Precisamos de uma política de testagem muito mais alargada, com 50 vezes mais testes do que os casos diagnosticados”, referiu.

Apoiado na experiência que teve no terreno nas semanas de grande aumento da curva epidemiológica, quando notou que os doentes chegavam mais tarde ao hospital e com sintomas com sete dias de evolução, Artur Paiva frisou que “a capacidade de uma identificação precoce do diagnóstico e da avaliação dos contactos de alto risco é a única maneira de parar as cadeias de contágio”.

Para isso, sugere testes a todos os contactos de alto risco sem exceção e a profissões com um grau de exposição maior, como por exemplo pessoas que estão a servir ao público ou motoristas de transportes públicos, entre outras.

O diretor de serviço de medicina intensiva do Centro Hospitalar e Universitário de São João (CHUSJ) também sugere que Portugal crie um sistema de vigilância de novas variantes, à semelhança do que já se faz no Reino Unido.

“O INSA [Instituto Nacional De Saúde Dr. Ricardo Jorge] está a trabalhar a área, mas precisamos de criar uma vigilância ativa. Temos de dar atenção especial às pessoas que têm infeção depois de terem sido vacinadas. Pode ser um sinal dessa infeção ser provocada por uma variante.

“Há pouquíssimos e raríssimos casos, mas este vírus tem uma capacidade mutacional extraordinária”, analisou.

Artur Paiva frisou como fundamental a evolução rápida do plano de vacinação, apontando para a vacinação de pelo menos 80% da população “mais frágil” [referindo-se pessoas com 80 anos ou mais ou 50 anos e comorbilidades associadas ou doenças crónicas] antes de um verdadeiro desconfinamento.

Task force para doentes não-covid

Além do prolongamento do confinamento e da maior capacidade de testagem, o diretor de medicina intensiva do Hospital de São João defendeu também a criação da task force dedicada aos doentes não covid-19, que constava do plano lançado em setembro pela tutela, não pode continuar “engolida” pela pandemia.

“Há que começar a pensar no day after [pós-pandemia] porque há que rapidamente recuperar um número de atividades programadas do doente não covid-19 que estão reduzidas”, defendeu o médico.

José Artur Paiva sublinhou ainda que o compromisso do país é com as duas áreas – covid e não covid – e que “nenhuma pode ter um favorecimento em oposição à outra”.

“O famoso plano outono/inverno do Estado saiu no final de setembro, mas algumas ideias não estão cumpridas. Uma delas é a criação da tal task force focada nos cuidados não covid-19. Creio que era muito importante fazer renascer essa equipa. É tempo de recuperar ideias que foram engolidas pelo tempo e pela evolução da pandemia”, defendeu.

A este propósito, o também presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos deixou uma sugestão à tutela.

“A Direção-Geral de Saúde tem uma série de programas prioritários sobre os grandes problemas de saúde nacional [diabetes, saúde mental, VIH, obesidade, nutrição, oncologia, entre outros]. Aí está um grupo de pessoas onde há massa crítica suficiente para pensarem o momento de revitalização, de renascimento e de recuperação do lado não covid”, afirmou.

O especialista entende que é preciso “evitar o que se está a verificar há um ano, que é todo um corpo clínico só a fazer assistência clínica deixando tudo o resto mais ou menos parado”, e defendeu um “robustecimento dos recursos humanos de forma a permitir outras tarefas”, como as atividades educacionais, investigação, gestão e organizativa.

Artur Paiva também analisou a situação nacional, apontando para a “redução progressiva” dos indicadores de procura na zona Norte, enquanto Lisboa e Vale do Tejo regista “redução de novos casos, mas na medicina intensiva ainda está em planalto”.

Não atingimos a rutura nesta fase [final de janeiro e início de fevereiro, semanas em que o país registou recordes diários de mortes e novos infetados] graças à notável elasticidade do sistema e à transferência inter-regional de doentes”, analisou o especialista, admitindo que encara a ideia de transferir doentes para fora do país como o “último dos últimos recursos”.

“A nossa mensagem sempre foi a de que o sistema tinha ainda a extraordinária capacidade de criar mais soluções seja pela expansão de camas, seja pelas sinergias [transferências]. Isso era claramente, do ponto de vista humano, muito melhor do que qualquer transferência de doentes para o estrangeiro”, defendeu.

Mas José Artur Paiva separa esta convicção da opinião que tem sobre a vinda de uma equipa de clínicos alemães para Portugal: “Vieram ajudar o que é sempre bem-vindo e devemos agradecer. Isso para os doentes e para as famílias não implica nenhuma disrupção de transferência para outro país”, concluiu.

O Hospital de São João registava, de acordo com dados de quinta-feira, 120 internados com o novo coronavírus, dos quais 53 em cuidados intensivos.

Mais medidas para evitar novas ondas

Os diretores de serviços de doenças infeciosas dos maiores hospitais do país sugerem ao Governo, em particular ao ministério da Saúde, que prepare um plano e adote medidas robustas para evitar sucessivas ondas epidémicas.

Numa tomada de posição conjunta, a propósito da pandemia de covid-19, os diretores dos Serviços de Doenças Infeciosas dos maiores hospitais portugueses e do Colégio da Especialidade de Doenças Infeciosas da Ordem dos Médicos, sugeriram ao Governo, desde já, a preparação de um plano que permita evitar sucessivas ondas epidémicas.

Reconhecem a gravidade da situação sanitária, que está a colocar uma enorme pressão sobre os serviços de saúde, mas consideram essencial um reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em meios humanos e materiais, bem como a adoção de medidas “mais robustas” de contenção dos futuros focos emergentes.

Na posição, aconselham também ao Governo uma “modificação profunda do modelo atual de comunicação em saúde adotado pelos principais responsáveis, que esgotou totalmente as suas potencialidades e já não consegue mobilizar os portugueses”.

Os responsáveis dizem estar solidários com todos os profissionais de saúde e lançam o repto a todos os médicos, das diferentes especialidades, para que à semelhança do que sucedeu na primeira vaga, não abandonem os colegas que estão na primeira linha.

Na tomada de posição, dizem também estar preocupados com o impacto da pandemia na formação médica pré e pós-graduada.

Os diretores sublinham ainda o seu apoio a todas as “medidas de confinamento que maximizem o efeito protetor conferido pelo distanciamento social, mesmo as que têm maior impacto na economia, pois o tempo atual é o da saúde que, se for bem-sucedido, poderá contribuir para a desejada recuperação económica”.

No que diz respeito à campanha de vacinação contra a SARS-Cov-2, os responsáveis dizem estar satisfeitos, mas consideram que as prioridades que foram definidas devem ser reavaliadas e eventualmente alteradas.

Lançam ainda um repto a toda a população para que siga as medidas de prevenção preconizadas pela Direção-Geral da Saúde e deixam uma mensagem de esperança “com a certeza de que esta, como anteriores pandemias, também será debelada”.

Os signatários da posição sublinham ainda que o objetivo da tomada de posição pretende ser um apelo e um alerta para a melhor saúde para os portugueses.

A tomada de posição é assinada pelo diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, Álvaro Ayres Pereira, o diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário de S. João, António Sarmento, e o presidente do Colégio da Especialidade de Doenças Infeciosas da Ordem dos Médicos, António Vieira.

Assinam também a posição Fernando Maltês, diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Kamal Mansinho, diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Ocidental, Rui Sarmento e Castro, diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário do Porto, e Saraiva da Cunha, diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.

A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.355.410 mortos no mundo, resultantes de mais de 107,3 milhões de casos de infeção, enquanto em Portugal morreram 14.885 pessoas dos 778.369 casos de infeção confirmados.

Sofia Teixeira Santos, ZAP // Lusa

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