Abir Sultan / EPA

Homenagem às vítimas do ataque do Hamas no festival de música Supernova
MDMA pode ter evitado o trauma em pessoas raptadas pelo grupo islamita e feitas reféns no ataque de 7 de outubro ao festival de música Nova, no qual morreram 380 pessoas. Estudo é israelita.
À medida que o amanhecer se aproximava, naquele que se tornaria o dia mais sombrioda história de Israel, muitos festivaleiros que estavam no Nova, perto da fronteira entre Israel e Gaza, consumiram drogas recreativas ilegais, entre as quais MDMA (3,4-metilenodioximetilanfetamina, também conhecido como ecstasy ou simplesmente MD) e LSD (ácidos). Centenas estavam sob o efeito dessas mesmas drogas psicadélicas quando, logo após o nascer do sol, soldados armados do Hamas atacaram o recinto.
Agora, neurocientistas que trabalham com sobreviventes do festival afirmam que há sinais iniciais de que o MDMA pode ter oferecido proteção psicológica contra traumas a alguns dos reféns levados pelo grupo terrorista.
Neuroplasticidade: bom ou mau?
Os resultados preliminares da investigação israelita — atualmente a ser revistos por pares para publicação prevista para os próximos meses — sugerem que a droga está associada a estados mentais mais positivos, tanto durante o evento, como nos meses que se seguiram.
A investigação da Universidade de Haifa, em Israel, é a primeira do género sobre um evento traumático massivo, onde um grande número de pessoas estava sob o efeito de drogas psicoativas, e por isso pode vir a ser fundamental para a crescente crença científica de que o MDMA pode ser usado para tratar traumas psicológicos.
Homens armados do Hamas mataram cerca de 380 pessoas e sequestraram dezenas no recinto do festival, onde estavam 3500 pessoas.
“Houve gente a esconder-se debaixo dos corpos dos próprios amigos durante horas sob o efeito de LSD ou MDMA”, relata Roy Salomon, um dos responsáveis pela pesquisa.
“É possível que muitas destas substâncias criem neuroplasticidade [adaptem o cérebro a situações novas], o que faz com que o cérebro fique mais aberto a mudanças”, explica. Mas o que é que acontece se passarmos por essa neuroplasticidade numa situação tão terrível? Será pior ou melhor?
MDMA (sozinho) reduziu o medo e o sofrimento
A pesquisa acompanhou as reações psicológicas de mais de 650 sobreviventes do festival, dos quais dois terços estavam sob o efeito de drogas recreativas antes de o ataque, incluindo MDMA, LSD, canábis e cogumelos “mágicos”.
“O MDMA, especialmente o que não foi misturado com outras substâncias, foi o que mais protegeu [contra traumas]”, concluiu o estudo. Segundo Solomon, aqueles que tomaram MDMA durante o ataque pareceram lidar muito melhor mentalmente com os traumas nos primeiros cinco meses, que é quando o cérebro processa a maior parte dos eventos. “Estavam a dormir melhor, tinham menos sofrimento mental… estavam melhor do que as pessoas que não tinham tomado nenhuma substância”, afirmou.
A equipa acredita que as hormonas pró-sociais desencadeadas pela droga — como a ocitocina, conhecida como a hormona do amor, que ajuda a promover o vínculo social — ajudaram a reduzir o medo e a aumentar os sentimentos de companheirismo entre os que fugiram do ataque.
Mais importante, segundo os investigadores, é o facto de a droga ter deixado os sobreviventes mais recetivos ao amor e apoio das suas famílias e amigos quando regressaram a casa.
Em relação ao papel da droga nas hipóteses de sobrevivência das vítimas, no entanto, não se sabe se o MDMA ajudou ou prejudicou as hipóteses de fuga, uma vez que a pesquisa se limita aos sobreviventes. Mas os investigadores afirmam que muitos dos que conseguiram fugir acreditam firmemente que o uso das drogas as ajudou a proteger-se — e que essa crença, por si só, facilita a recuperação.
“Sinto que o MDMA salvou a minha vida, porque eu estava tão pedrada como se não estivesse no mundo real”, disse Michal Ohana à BBC, que sem a droga, acredita que teria congelado ou caído no chão e sido morta ou capturada pelos homens armados.
MDMA como tratamento após ataques do Hamas?
Médicos de vários países já experimentaram a psicoterapia assistida por MDMA para o Transtorno de Stress Pós-Traumático (PTSD) num ambiente de teste, embora apenas a Austrália a tenha aprovado como tratamento. Em Israel, onde o MDMA também é ilegal, psicólogos só o podem usar para tratar clientes de forma experimental.
As descobertas preliminares do novo estudo estão a ser acompanhadas de perto por alguns dos clínicos israelitas que estão a experimentar o MDMA como tratamento após o ataque do Hamas.
Anna Harwood-Gross, psicóloga clínica e diretora de pesquisa do Centro de Psicotrauma Metiv de Israel, descreveu as descobertas iniciais como “muito importantes”. Atualmente, está a experimentar o uso de MDMA para tratar stress pós-traumático nas forças armadas israelitas e preocupa-se com a ética de induzir um estado psicológico vulnerável em clientes quando há uma guerra em curso.
“No início da guerra, questionámos se seríamos capazes de fazer isto”, disse. “Podemos dar MDMA às pessoas quando há risco de uma sirene de ataque aéreo? Isso vai potencialmente retraumatizá-las. Este estudo mostrou-nos que, mesmo que haja um evento traumático durante a terapia, o MDMA também pode ajudar a processar esse trauma.”
Harwood-Gross afirma que as primeiras indicações sobre o uso terapêutico de MDMA são animadoras, mesmo entre veteranos militares com stress pós-traumático crónico. A pesquisa também refutou antigas suposições sobre as “regras” da terapia — especialmente a duração das sessões, que têm de ser ajustadas ao trabalhar com pessoas sob o efeito de MDMA. Um novo formato, mais longo, está a mostrar resultados promissores, mesmo com pacientes que acabam por não consumir MDMA — com uma taxa de sucesso de 40% no grupo placebo.
A própria sociedade israelita também mudou a sua abordagem ao trauma e à terapia após os ataques de 7 de outubro, de acordo com Danny Brom, diretor e fundador do Centro de Psicotrauma METIV no Hospital Herzog em Jerusalém e figura importante no setor.
“É como se este fosse o primeiro trauma que estamos a passar”, disse: “vi guerras aqui, vi muitos ataques terroristas e as pessoas disseram: ‘não temos traumas aqui’.”
“De repente, parece haver uma opinião geral de que agora todos estão traumatizados e todos precisam de tratamento. É uma abordagem errada”, sublinha. O que mudou foi a sensação de segurança que muitos judeus acreditavam que Israel lhes dava. Esses ataques revelaram um trauma coletivo, afirmou, ligado ao Holocausto e a gerações de perseguição.
“A nossa história está cheia de massacres”, afirma o psicólogo Vered Atzmon Meshulam: “como psicólogo em Israel, estamos perante uma oportunidade de trabalhar com muitos traumas que não estavam a ser tratados anteriormente, como todas as nossas narrativas ao longo de 2 mil anos.”
A escala deste desafio de saúde mental reflete-se em Gaza, onde um grande número de pessoas foi morto, ferido ou ficou sem abrigo após 15 devastadores meses de guerra.
ZAP // BBC
Guerra no Médio Oriente
-
12 Março, 2025 Ecstasy evitou traumas em reféns raptados pelo Hamas, diz estudo israelita. “Salvou a minha vida”
-
5 Março, 2025 “Inédito”: EUA conversam diretamente com o Hamas
-
2 Março, 2025 “Não há almoços grátis”. Israel retoma ataques a Gaza