Monirul Alam / EPA
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Tumultos no Bangladesh, no verão de 2024
Presos a 1971, os bengaleses continuam a sofrer com as “dinastias políticas” que vão governando o país. Nem um Nobel da Paz põe freio à onde de violência, que já matou manifestantes e crianças, indiscriminadamente.
Em maio de 1989, o mundo assistiu a um cenário perturbador: a polícia chinesa a disparar sobre estudantes que se manifestavam na praça Tiananmen contra o regime comunista. Não há dados exatos sobre quantas pessoas terão morrido, e os números extremamente díspares variam entre mil e 10 mil.
Parece uma memória distante, mas um episódio semelhante decorreu há apenas alguns meses, entre 1 de julho e 15 de agosto do ano passado.
No Bangladesh, cerca de 1400 pessoas morreram “abatidas pelas forças de segurança — também manifestantes, também jovens (e não só), também descontentes com o regime. 12 a 13% das pessoas mortas eram crianças.
Agora, a ONU acusa o antigo governo do país asiático de cometer “crimes contra a humanidade”, avança a RFI.
O Gabinete dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ACDH) garantiu, num relatório de investigação que publicou, ter “motivos razoáveis para acreditar que foram cometidos crimes contra a humanidade, como assassínios, torturas, prisões e outros atos desumanos“.
É “um quadro perturbador de violência estatal desenfreada e de assassínios seletivos”, segundo garante o chefe dos direitos humanos da ONU, Volker Türk, citado pela BBC.
Mas o que desencadeou tudo isto?
Um país onde o passado ainda é presente
No verão do ano passado, a onda de manifestações contra o regime assolou as rua de todo o Bangladesh. Os protestos eram contra o governo da primeira-ministra da altura, Sheikh Hasina, da Liga Awami, a fação política mais antiga do país.
ALiga Awami opõe-se fortemente aos crimes relacionados com corrupção, no entanto, foram vários os escândalos que envolviam este crime que, desde a tomada de posse de Hasina, já em 2009, mancharam a ideia que os bengaleses tinham do governo.
A especialista Tazreena Sajjad explicou, em agosto, no The Conversation a origem deste descontentamento, passam pelo facto de o governo reservar 56% dos cargos governamentais no Bangladesh a vários grupos, nomeadamente os combatentes da Guerra da Independência de 1971.
Esta guerra, que defrontou duas fações do Estado de a e deu origem ao Paquistão Oriental, estará ainda muito presente no imaginário político dos bengaleses, o que legitima todas a decisões tomadas pelo partido político em vigência.
E a repressão sobre a oposição não é novidade no país: ainda antes da Liga Awami ser reeleita nas eleições de 7 de janeiro de 2024, milhares de membros de partidos da oposição tinham já sido detidos, e, segundo o The Guardian, muitos deles foram também torturados.
Um Nobel no poder… e os massacres continuam
Em agosto de 2024, Hasina, aos 77 anos, desertou do país, fugindo de helicóptero para a Índia pouco antes de os manifestantes invadirem a sua residência.
Foi o fim das “dinastias políticas” no país, dizem os analistas — pelo menos por agora. Mal o governo caiu, tomaram conta do país os militares.
Não é a primeira vez em que isto acontece. Entre 1975 e 2011, o Bangladesh foi palco de, pelo menos, 29 golpes e contra-golpes militares, e teve já por mais de uma vez no poder um regime militar direto.
Para líder interino do país, foi escolhido o Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus. O crítico de Hasina recebeu o galardão em 2006 por ter sido fundador do primeiro banco de microcrédito do mundo, o Grameen Bank, que fornece empréstimos a pessoas com dificuldades financeiras, o que lhe valeu a alcunha de “banqueiro dos pobres”.
No entanto, a chegada de Yunus não significou estabilidade do país, que segundo o Al Jazeera deverá ir a eleições entre final de 2025 e início de 2026.Pelo contrário: o grupo de defesa dos direitos humanos do Bangladesh, Odhikar, afirmou que uma dúzia de pessoas morreram na prisão desde a destituição de Hasina.
Na verdade, de acordo com o relatório da ONU, o conflito civil também provocou “linchamentos e outros atos graves de violência retaliatória” contra a polícia e funcionários ou apoiantes da própria Liga Awami.
Agora, a Ásia e a ONU observam os desenvolvimentos de uma questão longe de ter sido resolvida: o que esperar da eleições é ainda incerto, mas ainda não se respira de alívio. Virá aí uma nova “dinastia”, ou os bengaleses estão prontos para a mudança?