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A caçadora de fósseis Mary Anning abriu caminho a Darwin. Mas é esquecida nos livros

B. J. Donne / Wikimedia

Mary Anning, caçadora de fósseis

As descobertas de Mary Anning abalaram os próprios fundamentos da ciência. A caçadora lutou contra a misoginia constante, mas raramente recebeu crédito pelo seu trabalho enquanto esteve viva.

Ao longo das praias perto de sua casa em Dorset, Inglaterra, Mary Anning caçava segredos pré-históricos. As suas emocionantes descobertas contribuíram para o crescente entendimento da geologia e da paleontologia ao longo do início do século XIX.

No entanto, como mulher, Anning raramente recebia crédito pelas suas descobertas – e estava proibida de comparecer às reuniões da Sociedade Geológica para discuti-las.

“Se Mary nascesse em 1970, estaria a chefiar um departamento de paleontologia em Imperial ou Cambridge”, observou David Tucker, diretor do Lyme Regis Museum, localizado na cidade natal de Anning.

Quem foi Mary Anning?

Mary Anning nasceu a 21 de maio de 1799, na vila isolada de Lyme Regis em Dorset, Inglaterra, no seio de uma família onde a pobreza reinava.

Para ajudar a pagar as contas, Anning acompanhava o seu pai, Richard, em caminhadas na praia. O local prometia riquezas: estava recheado de fósseis e as tempestades frequentemente revelavam novos achados. Atualmente, a região é considerada Património Mundial da UNESCO, conhecida como Costa do Jurássico.

Contudo, naquela época, esta era simplesmente uma forma de a família obter rendimentos. Mary Anning e seu pai vasculhavam os penhascos em busca de fósseis que pudessem ser vendidos na marcenaria da família que se localizava à beira-mar. Foi assim que Mary aprendeu como identificar fósseis e a prepará-los para venda.

“Mary Anning teve muito pouca educação formal”, disse a curadora do Museu de História Natural, Emma Bernard, à BBC. “A jovem aprendeu geologia e anatomia e dissecava animais modernos como peixes e chocos para entender melhor os fósseis que encontrou”, acrescenta a especialista.

Em 1810, com a morte do seu pai, Mary Anning dedicou-se à recolha de fósseis. Esta foi a maneira e encontrada para sustentar a sua família e pagar as dívidas do pai.

Nos primeiros anos de atividade, Mary Anning recolhia amonites – criaturas marinhas extintas em forma de espiral.

Em 1811, Mary e seu irmão Joseph desenterraram um estranho crânio. O “monstro” foi chamado de “ictiossauro” ou “lagarto peixe”, mas na verdade era um réptil marinho que tinha vivido há cerca de 200 milhões de anos.

A descoberta de Mary Anning ajudou a compreender melhor a crescente compreensão da evolução. Porém, na época, a jovem estava mais preocupada em ajudar sua família. O fóssil foi vendido por 23 libras e hoje em dia pode ser visto no Museu de História Natural de Londres.

“A criatura mais incrível já descoberta”

Mary Anning estava apenas a começar. Cerca de dez anos depois de desenterrar o ictiossauro, descobriu outro fóssil notável – um réptil marinho chamado plesiossauro.

“Foi a partir daqui que os cientistas começaram a levar as suas descobertas mais a sério, procurando-a para discutir ideias”, explicou Bernard.

Alguns cientistas da época, incluindo William Buckland, Henry de la Beche e Willian Conybeare, vieram a Lyme Regis e escreveram sobre as descobertas de Mary.

No entanto, nem todos ficaram impressionados. O naturalista francês George Cuvier – conhecido como o “pai da paleontologia” – tinha dúvidas sobre o que Mary Anning havia descoberto.

Os ossos do plesiossauro eram tão estranhos que se espalharam rumores de que eram falsos. No início, Cuvier concordou.

“O fóssil de Anning foi uma farsa?“ Era a pergunta que mais se fazia na época entre os cientistas.

Neste sentido, a Sociedade Geológica de Londres reuniu-se para debater a questão. Anning não teve permissão para comparecer, uma vez que a sociedade não admitia mulheres até 1904. No entanto, os seus defensores convenceram Cuvier da autenticidade do fóssil.

Georges Cuvier admitiu que estava errado e descreveu o fóssil como “a criatura mais incrível já descoberta”.

Os cientistas que a consultavam faziam-no com um tom de condescendência. “Ela é uma criatura muito inteligente e engraçada”, disse um geólogo americano que a conheceu.

Mas Mary não se limitava a encontrar fósseis, ela esboçava e estudava-os. O seu trabalho acrescentou evidências de que as espécies se podem extinguir, ajudando a abrir caminho para Darwin, escreve o National Geographic.

Ainda assim, Anning raramente recebeu crédito pelas suas descobertas.

Caçadora de fósseis esquecida

Nas décadas seguintes, as emocionantes descobertas de fósseis de Mary Anning continuaram.

Em 1828, a inglesa descobriu vários ossos que incluíam uma cauda e asas – um pterossauro.

Frequentemente, Anning arriscava sua vida para descobrir novos fósseis. Em 1833, escapou por pouco a um deslizamento de terra que matou o seu cão, e companheiro de aventuras, Tray.

Ainda assim, e apesar dos seus esforços, Anning raramente recebeu os louros pelas suas incríveis conquistas. Os cientistas compravam os seus fósseis, escreviam artigos sobre estes, mas raramente citavam o trabalho da caçadora.

Segundo o ATI, um contemporâneo observou que vários “homens de aprendizagem sugaram os seus miolos e lucraram muito com a publicação de obras, das quais Mary forneceu o conteúdo, mas não obteve nenhuma das vantagens”.

A própria Mary Anning apercebia-se da injustiça do sistema: “O mundo usou-me de forma tão cruel”, disse antes de morrer.

Relativamente ao reconhecimento, Anning tinha mais um fator contra si. A caçadora não era apenas mulher – era uma mulher da classe baixa.

Contudo, Mary obteve algum reconhecimento, sobretudo na sua última década de vida. Em 1838, a Associação Britânica para o Avanço da Ciência ofereceu-lhe uma anuidade.

Em 1846, foi nomeada o primeiro membro honorário do Museu do Condado de Dorset. E quando morreu, a sua morte foi destacada na revista da Sociedade Geológica – que não iria admitir mulheres durante mais meio século.

Mary Anning morreu aos 47 anos, vítima de cancro da mama.

Ana Isabel Moura, ZAP //

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