O Tribunal Fiscal e Administrativo (TAF) de Loulé condenou o Estado a pagar mais de um milhão de euros às famílias dos cinco mortos pela derrocada de uma arriba na praia Maria Luísa, em Albufeira, em agosto de 2009.
Segundo a sentença, com a data desta quarta-feira e a que a agência Lusa teve acesso, a juíza Patrícia Martins condenou o Estado a pagar um milhão e seis mil euros a duas famílias e a um sobrevivente, namorado de uma das vítimas mortais.
“Da prova produzida conclui-se que ao longo dos anos anteriores à derrocada e entre 2008 e 2009, o Estado, através das entidades que têm a seu cargo a monitorização das praias, de acordo com o critério do funcionário zeloso e diligente não ficou demonstrado que tenha cumprido os deveres de cuidado a que estava obrigado na vertente da vigilância do estado de deterioração do leixão”, refere a sentença.
Além das falhas encontradas na monitorização do estado da falésia, o TAF de Loulé refere que se teve “de apurar também se o Estado cumpriu o dever de cuidado/vigilância na vertente de criação e colocação de sinalização, a fim de avisar os utentes da praia sobre os perigos das arribas e mais concretamente do leixão em causa”.
O tribunal diz que o relatório junto aos autos, elaborado em novembro de 2009, três meses após o acidente, “consubstancia um erro, pois apenas reflete parte da realidade” que se verificava naquela zona, aludindo a uma fotografia que “corresponde tão só a uma das entradas da praia Maria Luísa – a do Club Med – e não é a que as vítimas usaram para aceder à praia” no dia da derrocada.
“Ou seja, o relatório de novembro de 2009 induz em erro quem se baseie no mesmo para concluir que a praia Maria Luísa tinha sinalização sobre perigo de derrocada de arribas. De facto, da leitura de outros relatórios e pareceres constantes dos autos, verifica-se que os mesmos afirmam que a praia se encontrava sinalizada, mas foram todos feitos com fundamento no relatório referido que, erradamente, afirma que a praia Maria Luísa se encontrava sinalizada, mas na verdade, apenas se encontrava sinalizada a entrada do acesso pelo Club Med”, explica a sentença.
Para o TAF de Loulé, no distrito de Faro, o Estado não cumpriu com as suas obrigações, nem na monitorização do estado da arriba, nem na sinalização da praia, razão pela qual proferiu decisão condenatória, quase 11 anos após o acidente da manhã de 21 de agosto de 2009.
“Face às circunstâncias apuradas, atenta a prova produzida, e tendo em conta a diligência de um funcionário zeloso, o Estado não logrou afastar a presunção de culpa. Verificados que estão os pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade entre o facto e o acidente e os danos dele resultantes, resta, pois, determinar quais os valores a fixar a título de indemnização pelos danos provados”, concluiu a juíza Patrícia Martins.
“O Estado podia ter evitado estas mortes”
O Estado podia ter evitado a morte das cinco pessoas atingidas pela derrocada na praia Maria Luísa, disse hoje à Lusa o advogado que representa a família de quatro vítimas mortais.
“Ficou vastamente provado que estas vítimas morreram desnecessariamente e que o Estado podia ter evitado estas mortes”, afirmou Pedro Proença à Lusa, após ter sido conhecida a sentença.
“O Estado conhecia essa especificidade da praia Maria Luísa desde 1999, pelo menos. Estava mais que avisado do risco sobre a eventualidade e os riscos de derrocada e, ainda assim, não quis investir em sinalização adequada, nem em prevenção adequada que pudesse evitar a tragédia que aconteceu”, sublinhou.
Pedro Proença disse lamentar que, na altura, o Ministério Público “se tenha apressado a arquivar o processo [crime], sem “aprofundar” e “investigar convenientemente” o caso, arquivamento que considerou ter sido feito com “leviandade” e de “forma brejeira”.
“Se o Ministério Público, no âmbito do processo crime, tivesse feito aquilo que foi feito neste processo, tivesse procurado a informação e as provas, tal como foi feito neste processo, certamente que alguns responsáveis da Agência Portuguesa do Ambiente hoje estariam presos ou teriam respondido em processos crime”, sugeriu.
Questionado pela Lusa se estava a ponderar recorrer da sentença, fonte do Ministério do Ambiente não quis, para já, pronunciar-se, dizendo apenas que “de momento” não iria fazer qualquer comentário.
“Pôs-se a nu as graves deficiências na monitorização do estado das falésias e a forma negligente como o Estado tratou a questão. Podia ter evitado aquelas mortes e fica a ideia de que só não houve mais tragédias idênticas por acaso”, sublinhou Pedro Proença, citado pela TSF.
“Fez-se a justiça possível para as vítimas e familiares que chegaram a ser injustamente acusados pelas autoridades de serem responsáveis pelo que aconteceu”, acrescentou.
ZAP // Lusa