Mistério das estranhas Larvas-Y: ninguém sabe em que se transformam

Niklas Dreyer

Os facetotectanos (também conhecidos como larvas-y) são um mistério desde a sua descoberta no século XIX. Na imagem, uma larva de cypris, ou cyprid-y

Nem todos os percebes se limitam a fixar-se em rochas ou navios. Alguns invadem caranguejos, crescendo como um sistema radicular parasita que sequestra os seus corpos.

Um grupo misterioso de crustáceos cirrípedes, que dá pelo nome de larvas-y, desconcerta os cientistas há mais de um século: ninguém conhece em que se transformam na sua fase adulta.

Evidências genéticas encontradas num estudo recentemente publicado na Current Biology revelam agora que estes crustáceos estão relacionados com os percebes, e que podem também ser parasitas, escondendo-se dentro de outros organismos.

Quando pensamos em percebes, normalmente imaginamos criaturas com conchas presas aos lados de barcos ou cais, ou até em baleias. No entanto, há percebes que se fixam noutros animais e não se limitam a dar uma “boleia”: acabam por literamente  sequestrar o seu hospedeiro.

“Em vez de se colarem a uma rocha ou algo assim, colam-se a um hospedeiro, muitas vezes um caranguejo, e injetam-se nesse hospedeiro, vivendo toda a vida como uma rede de raízes que cresce através dele”, explica James Bernot, professor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade de Connecticut e co-autor do estudo, citado pelo Science Daily.

É quase como uma rede fúngica ou um sistema radicular de planta. Não têm um corpo real da forma como pensamos os corpos de animais”, acrescenta o investigador.

Bernot explica que os percebes são crustáceos, como caranguejos ou camarões, e desenvolveram estratégias únicas de sobrevivência. Por exemplo, passam de uma forma larvar que nada livremente para um estado em que vivem o resto da vida permanentemente fixos ao substrato que escolhem.

O grupo particularmente enigmático de “larvas-y”, também conhecido como Facetotecta, assemelha-se a jovens percebes.

As enigmáticas larvas-y, grupo também conhecido como Facetotecta, têm sido estudadas em amostras de plâncton desde o século XIX, mas, segundo Bernot, o verdadeiro mistério é descobrir em que se transformam; com efeito, até agora, a sua fase adulta nunca foi observada.

Embora este elemento continue sem resposta, no novo estudo os investigadores estão a aproximar-se da solução.

Para tentar perceber como as larvas-y se encaixam na árvore da vida, os investigadores recolheram mais de 3.000 destes pequenos crustáceos e analisaram os seus genes, sequenciando o transcriptoma, que é semelhante a um genoma, mas representa o RNA expresso.

“Finalmente conseguimos confirmar, no domínio da ciência de grandes dados, que elas estão, de facto, relacionadas com os percebes, mas não estão intimamente ligadas a nenhum dos outros percebes parasitas“, diz Bernot.

“Foi interessante testar isto construindo uma enorme árvore da vida para todos os crustáceos, e depois adicionar este pequeno ramo das larvas-y, este grupo muito desconhecido, a essa árvore maior, e vimos que estão relacionadas com os percebes, mas mais como primos distantes”, detalha o investigador.

“Uma das melhores evidências de que as larvas-y se tornam parasitas é que, se as expusermos a hormonas de crescimento de crustáceos, elas eclodem da sua pequena forma larvar nadante para um corpo pequeno, semelhante a uma lesma, o que é semelhante ao que os percebes parasitas fazem quando entram num hospedeiro”, explica Bernot.

“O facto de, se lhes dermos hormonas, também mudarem para esta forma semelhante a uma lesma, sugere que se tornam parasitas em algum lugar, mas ainda não sabemos em que hospedeiro. Estarem escondidas dentro do corpo de outro animal pode explicar por que ainda não encontramos a fase adulta das larvas-y”, conclui o investigador.

Embora estes crustáceos sejam incomuns e em grande parte desconhecidos, com apenas 17 espécies descritas até agora, Bernot diz que alguns dos seus coautores descobriram mais de 100 espécies novas e diferentes num único porto no Japão. Há ainda muito a aprender sobre estes animais enigmáticos.

“Sabemos que os outros percebes parasitas fazem coisas estranhas. Os que crescem como raízes dentro de caranguejos castram os seus hospedeiros, tornando-os incapazes de se reproduzir. Enganam os hospedeiros, fazendo-os pensar que estão grávidos, de modo que começam a cuidar de uma massa que cresce fora do corpo, mas essa massa é parte do percebe e não os ovos do hospedeiro“, diz Bernot.

“E mesmo que infetem um caranguejo macho, este torna-se feminino e começa a comportar-se como uma fêmea grávida. As larvas-y poderão ter papéis igualmente impactantes nos ecossistemas, mas só saberemos quando descobrirmos em que hospedeiros vivem e o que fazem lá”, acrescenta.

Como a sequenciação do transcriptoma das larvas-y mostrou que não estão relacionadas com os percebes parasitas, Bernot afirma que é provável que as larvas-y e os percebes parasitas tenham evoluído por convergência evolutiva.

“Como provavelmente ambas são parasitas e fazem coisas semelhantes, evoluíram estratégias parecidas para se fixarem num hospedeiro e se tornarem esta larva semelhante a uma lesma. É incrível pensar que esse estilo de vida tão estranho e único evoluiu várias vezes”, conclui Bernot.

ZAP //

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