Marcelo, o gestor profissional de crises. Segundo mandato marcado pela instabilidade obrigará a soluções criativas

Rui Miguel Pedrosa / Lusa

Avisos deixados de antemão pelo chefe de Estado tinham como objetivo dissuadir os partidos de esquerda de chumbarem o Orçamento do Estado para 2022, mas não terão tido o efeito esperado. Marcelo Rebelo de Sousa vê-se, assim, a mãos com uma crise inesperada e indesejável.

Trinte de janeiro ou 6 de fevereiro de 2022. São estas as datas mais prováveis para a realização das próximas eleições legislativas antecipadas, sendo que, para ajudar na decisão, Marcelo Rebelo de Sousa receberá hoje os partidos em Belém. A escolha não se aparenta fácil, já que, devido aos acontecimentos dos últimos dias, esta facilmente terá leitura política, sobretudo na que é a sua ala.

Quando, na quarta-feira, dia da votação da aprovação do Orçamento do Estado para 2022 – e com o país em suspenso –, o Presidente da República se reuniu com Paulo Rangel, eurodeputado e candidato à liderança do PSD, a notícia foi recebida com surpresa ou, no caso de Rui Rio, como como um golpe surpresa. O antigo autarca do Porto foi surpreendido pelos jornalistas, que o confrontaram com a informação, para espanto do próprio. Com uma expressão de incredulidade, foi o próprio Rio a questionar os jornalistas, um papel que raramente aprecia. “Por que motivo [concedeu Marcelo a Paulo Rangel uma audiência]?”

A resposta, horas mais tarde, surpreendeu tanto como a própria reunião: um dos assuntos abordado terá sido a data da realização das eleições legislativas, com Marcelo, na opinião de muitos, a elevar Rangel já ao nível de líder partidário. Ao eurodeputado, que assumiu publicamente e por diversas vezes não acreditar num cenário de crise política motivada por um eventual chumbo do OE2022, interessa-lhe agora que as legislativas aconteçam o mais tarde possível, isto é, no final fevereiro, ao mesmo tempo que Rio e quase a totalidade do país as desejam mais cedo, de preferência em janeiro, após as festas, de forma que uma proposta de Orçamento possa ser entregue em abril.

A data que Marcelo escolher será interpretada — ainda mais — como um sinal de apoio político a um dos candidatos à liderança do PSD e tudo parece indicar que a sua preferência recai sobre Paulo Rangel. Ontem à noite, numa entrevista à Sic, Rui Rio já colocou a análise à data apresentada nestes termos. “No momento em que o Presidente da República marcar a data das eleições legislativas vai-se perceber se tudo isto é verdade ou não”, resumiu. A solução mais equilibrada entre a vontade de Rio, dos restantes partidos e do país e a de Paulo Rangel será 30 de janeiro ou, no máximo, 6 de fevereiro. Não demasiadamente próxima do ano novo, não excessivamente próxima do final de fevereiro.

Algo sobre o qual não parece haver dúvidas diz respeito à vontade de Marcelo Rebelo de Sousa em evitar o atual cenário de crise política que o país está a viver. Numa posição considerada excessiva para muitos, o Presidente da República terá pressionado, em privado e em público, por diversas vezes os partidos à esquerda no sentido de viabilizarem o OE2022, o qual, escreve o Expresso, Marcelo terá acreditado até ao fim que seria aprovado – sobretudo com as medidas de última hora anunciadas pelo Governo com a clara pretensão de agradar à esquerda.

O Presidente da República entendia, sobretudo depois das autárquicas, que não seria do interesse de nenhum partido à esquerda submeter-se novamente a eleições face à sequência de resultados menos positivos que têm conseguido – principalmente no que respeita ao PCP. Igual intenção tinham os avisos de dissolução do Parlamento caso o orçamento fosse chumbado, os quais também foram lançados sucessivamente. A acontecer tal cenário, Marcelo antecipava-o só na votação do Orçamento do Estado para 2023.

O momento não é de todo o ideal para o chumbo de um orçamento e a convocação de eleições antecipadas. Com o país a reerguer-se da pandemia – que facil e rapidamente pode ganhar dimensões maiores –, com milhares de milhões de fundos europeus para executar, com o principal partido da oposição em luta interna e com a atual solução governativa a desmoronar-se perante os olhos de todos, o chefe de Estado acredita que só por “milagre” sairá do próximo ato eleitoral um resultado clarificador. Para Marcelo – na sua faceta de analista político –, o mais provável é que o país passe a viver em “sucessivos miniciclos”.

As que eram apenas “ameaças táticas” acabaram por se tornar muito mais do que isso, e Marcelo prepara-se para meses tumultuosos – como dificilmente imaginou para o seu segundo mandato como de Chefe de Estado (pelo menos numa fase tão inicial).

Tal como anunciou durante a campanha eleitoral, caso das eleições resulte um governo minoritário apoiado no Parlamento por outras forças partidárias, Marcelo não terá problemas em exigir um compromisso escrito – à semelhança do que fez Cavaco Silva em 2015. Apesar de nunca ter visto especial virtude no pedido de Cavaco, Marcelo assume atualmente essa possibilidade, tudo como forma de garantir a estabilidade política do país, independentemente do cenário que saia das eleições.

Por exemplo, o Expresso escreve também que o “sonho de Marcelo” seria um resultado em que, perante a ausência de um vencedor claro, o partido segundo mais votado garantisse pelo menos um ou dois orçamentos do Estado viabilizados e, consequentemente, dois anos de vida política. Este foi um compromisso assumido por Marcelo quando era líder do PSD e que, nos últimos dias, várias figuras têm pedido que se repita. Ressalvam, contudo, que o golpe aplicado em 2015 por António Costa, ao formar a geringonça depois de a coligação Portugal à Frente, formada por PSD e CDS, ter saído vitoriosa das eleições pode ter atirado esta possibilidade diretamente para o caixote do lixo.

Um Bloco Central, no verdadeiro sentido do termo, é visto como uma solução impossível caso, ao leme dos sociais-democratas, esteja Paulo Rangel. Rio não a descarta. Aliás, assumiu-a ontem à noite, na referida entrevista à Sic. Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, não é fã de tal cenário, por o considerar “pouco saudável” para a democracia, já que motivaria o crescimento dos radicais de direita. Outra solução que parece arredada, pelo menos com os mesmos protagonistas, é a de nova geringonça à esquerda perante o clima de crispação política que já se vinha a notar, mas que saiu vincado das negociações do OE2022 e que ficou à vista de todos nas discussões no Parlamento que antecederam a votação do documento na generalidade.

Marcelo Rebelo de Sousa, que ao longo dos últimos anos se assumiu como autêntico socorrista de qualquer fissura que abrissem no teto da governação portuguesa, de forma a sarar todas as feridas que pudessem comprometer a estabilidade do país, prepara-se agora para uma cirurgia longa e delicada, que terá de realizar com pinças e da forma mais calculada possível, de forma a evitar sair, ele próprio, ferido.

ZAP //

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.