Guerras à direita. Melo e Rangel puxam a corda, mas Rodrigues dos Santos e Rio querem disputas internas só após as legislativas

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José Coelho / Lusa

O presidente do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos (E) saúda o presidente do Partido Social Democrata (PSD), Rui Rio

Para além de terem de de se preocupar com a preparação das legislativas, os principais partidos da direita estão também a braços com disputas eleitorais internas — e as datas estão a causar muitas dores de cabeça.

O país está em crise, mas as novelas políticas também existem dentro dos partidos, especialmente à direita. Por estes dias, tanto o CDS como o PSD têm as suas lideranças postas em xeque e se Paulo Rangel e Nuno Melo querem ter a oportunidade de já serem o rosto dos seus partidos nas eleições legislativas antecipadas, Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos têm ideias diferentes.

No caso do CDS, na antevéspera da audiência da direcção do partido com Marcelo Rebelo de Sousa devido à crise política causada pelo chumbo do Orçamento de Estado, Nuno Melo endereçou uma carta a Francisco Rodrigues dos Santos a pedir que o congresso electivo marcado para 27 e 28 de Novembro não seja adiado.

Cerca de uma centena de militantes centristas subscreveram a carta, escreve o Público, incluindo os líderes das distritais de Aveiro, Coimbra, Leiria, Porto, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Melo apela a que o líder mantenha as eleições de delegados ao congresso, que estão previstas para o próximo domingo, e também que não mexa nas datas da eleição interna.

“A suspensão do acto eleitoral do próximo domingo e do congresso previsto para os dias 27 e 28 de Novembro representam uma suspensão da democracia interna e, desse ponto de vista, um verdadeiro golpe de estado no partido, do qual resultará um presidente e uma direcção sem legitimidade interna e sem credibilidade no país”, lê-se na carta, que usa os mesmos termos que Nuno Melo já tinha usado em declarações aos jornalistas à saída da sede do CDS.

A carta refere também que caso Rodrigues dos Santos tente mudar as datas, passará a “ser o único responsável por todas as consequências políticas e jurídicas, bem como pela justa indignação que tal decisão gerará”. Nuno Melo sublinha também que o “29.º congresso está agendado para data compatível com a realização de eleições legislativas antecipadas, que, nos termos legais, não terão lugar antes de Fevereiro, ou seja, mais de dois meses após a eleição do presidente do partido”.

Em declarações ao Público, o adversário de Francisco Rodrigues dos Santos também acusa a direcção de violar o Código do Procedimento Administrativo ao ter “convocado com menos de 48 horas de antecedência o conselho nacional extraordinário, que decorre esta sexta-feira (via zoom)”, o que justifica a impugnação que apresentou ao conselho nacional de jurisdição. Entretanto, o eurodeputado anunciou que vai recorrer para o Tribunal Constitucional.

Nuno Melo avisou ainda no Facebook que “quem queira evitar o voto dos militantes, num congresso que por vontade própria pediu, com medo afinal de o perder, depois da soberba de quem esmagaria outras alternativas, não terá qualquer legitimidade, nem respeito por si próprio, representando CDS em legislativas perante o país”.

O eurodeputado prevê também que as legislativas se realizem no início de 2022, numa fase em que o actual líder já terminou o mandato para que foi eleito em Janeiro de 2020. “E quem queira apresentar-se nas urnas no final de Janeiro ou início de Fevereiro, num momento em que já terminou o mandato, perdeu qualquer noção do sentido da democracia que o CDS ajudou a fundar em Portugal”, criticou.

Do lado da actual direcção, argumenta-se que é importante o partido estar estável para enfrentar o desafio legislativo que se avizinha. “A realização de um congresso em vésperas de eleições alhearia o partido da importante tarefa que o nosso eleitorado espera de nós. É por isto que lhe pedimos que solicite, com urgência, a realização de um conselho nacional extraordinário que desconvoque o congresso e que mobilize o partido para a sua missão essencial: ganhar o país”, defendem os líderes de nove distritais, além do presidente do CDS-Açores, Artur Lima, que é também vice-presidente do partido.

Ontem, numa nota escrita, Francisco Rodrigues dos Santos disse “não ser indiferente aos argumentos ali apresentados a favor da necessidade de dar prioridade à preparação atempada das eleições legislativas, em detrimento da realização imediata de um congresso”. Já hoje, o presidente defendeu que o congresso só se realize depois das legislativas, argumentando que tem “toda a legitimidade para liderar” o CDS.

“Porque fui eleito presidente do CDS-PP a 26 de Janeiro de 2020, e tendo o meu mandato a duração de dois anos, é óbvio que tenho total legitimidade política para liderar o partido no próximo ciclo político e para construir uma alternativa ao governo socialista. Cabe aos partidos que vão disputar estas eleições tomarem em conta o calendário eleitoral já definido e colocarem o superior interesse nacional acima das suas agendas internas”, declarou o líder centrista, citado pela Renascença.

Nuno Melo já anunciou que o seu pedido de impugnação do Conselho Nacional foi aprovado.”Acabo de ser notificado pelo Conselho Nacional de Jurisdição do CDS, que julgou procedente a minha impugnação da convocatória do Conselho Nacional do Partido convocado para hoje, que nessa medida não se poderá realizar”, escreveu Nuno Melo na sua conta da rede social Facebook, acrescentando que a decisão “significa que, a acontecer, a reunião será ilegal e todas as deliberações tomadas serão nulas”.

No entanto, Rodrigues dos Santos já tinha afirmado numa conferência de imprensa na sede do partido que não foi notificado dessa decisão, defendendo a legalidade do Conselho Nacional e dizendo que o mesmo já “está a decorrer”.

A data das legislativas vai mostrar se Marcelo “tem uma preferência” por Rangel

Do lado dos sociais-democratas, o problema é o mesmo: a liderança de Rio prefere adiar as disputas internas, mas Rangel quer ir a votos antes das legislativas. O actual presidente já tinha pedido um adiamento das eleições directas mesmo antes da crise política vir a ser confirmada com o chumbo do OE, pedido esse que foi recusado. No entanto, nos últimos dias têm circulado boatos que de Rio estava a ponderar pedir um novo adiamento, e o presidente do PSD voltou a defender a ideia em entrevista à SIC esta noite.

“O problema para o PSD é claro. Não é entendível que o principal partido da oposição, com o trajeto de credibilização nas autarcas, venha deitar tudo fora e virar para dentro. Andei durante quatro anos a procurar credibilidade. Faz-me lembrar a guerra do Solnado. Ligávamos para o PS: ‘vocês não ataquem agora’”, ironizou, sobre a possibilidade de andar a discutir a liderança do partido quando devia estar focado nas propostas para as legislativas, considerando “quase impossível” uma vitória social-democrata quando “andam aos tiros uns contra os outros”.

Rio aponta também problemas com a “balbúrdia” na escolha das estratégias de marketing da campanha se tudo for apressado, como os slogans ou os cartazes. Uma questão que surgiu nos últimos dias é também quem vai escolher a lista de candidatos a deputados, visto que estas têm de ser apresentadas 41 dias antes das eleições. Foi também por esta razão que Rangel apontou o fim de Fevereiro como a melhor altura para as legislativas, visto que dava tempo para os partidos arrumarem a casa antes de irem a votos.

Caso o acto eleitoral seja em Janeiro, as listas também teriam de estar fechadas em Dezembro. Apesar das directas no PSD estarem marcadas para 4 de Dezembro, o Congresso para dar a posse ao vencedor está marcado apenas para entre 14 e 16 de Janeiro. Rangel quer também antecipar este Congresso, tendo já reunido assinaturas para convocar um conselho nacional onde vai propor a mudança das datas para Dezembro. Isto acontece porque, tal como tudo está e se as legislativas forem mesmo em Janeiro, há a possibilidade de Rangel vencer as directas mas ser Rio a escolher as listas de deputados.

Na entrevista à SIC, Rio avançou que não vai propor um novo adiamento das directas, mas afirmou que quer promover “uma reflexão” sobre se “vale a pena irmos para uma disputa interna” nesta altura. “O Conselho Nacional chumbou o meu pedido de adiamento, porque pensava que não ia haver crise. Mas houve. Quem é o meu adversário, é o Paulo Rangel ou António Costa?”, questionou, reiterando que “não pode haver eleições internas no principal partido de oposição” numa altura de crise política.

O líder do PSD comentou também outra vez a reunião entre Rangel e Marcelo Rebelo de Sousa, onde se especula que o candidato a líder do PSD terá apelado a que o Presidente marcasse as legislativas para o fim de Fevereiro. Rio acredita que caso Marcelo aceda a esse pedido, estará a mostrar favoritismo a Rangel.

“Quando o Presidente da República marcar a data das eleições legislativas, vai-se perceber se tem uma preferência por um candidato do PSD ou não. O meu potencial adversário quer eleições a 20 de Fevereiro, o que significa que o Parlamento só poderá ser dissolvido em dezembro. Se assim for, fica evidente [que tem uma preferência]. Nós não podemos esperar, o interesse de Portugal está em primeiro. Não podemos andar aqui com rodriguinhos“, considera Rio, defendendo que as legislativas sejam marcadas para 9 ou 16 de Janeiro.

Rio também explicou que o cancelamento do encontro que tinha marcado para esta sexta-feira com Francisco Rodrigues dos Santos foi a pedido do líder do CDS, provavelmente devido “aos tumultos” dentro dos centristas e não descartou uma coligação com os velhos aliados.”Temos de pensar. Não tenho uma posição fechada sobre se devemos fazer ou não uma coligação com o CDS. Depois vem o sr. Paulo Rangel, liga para o CDS e diz que afinal não há coligação. Fico dividido. A minha tradição tem sido essa, mas tem de ser ponderado“, responde.

Sobre uma aliança com o Chega, o líder laranja repetiu “a mesma coisa”: só se o partido “se moderar” é que se poderá coligar com André Ventura, mas “ainda não se moderou”.

O líder da oposição também não descarta o diálogo com o PS, apesar de António Costa ter repetidamente dito que é contra o bloco central. “Descarto um Bloco Central em que há um ministro do PS e outro do PSD, não há necessidade. Se descarto possibilidade de dialogar? Não. Se António Costa tivesse mais abertura, não existia esta crise política. Os partidos não deviam ser assim tão radicais. Em nome do interesse nacional, não devíamos fechar as portas ao diálogo. Dizemos que António Costa está encostado a um canto, então não podemos fazer o mesmo. Temos de ser coerentes”, rematou.

Adriana Peixoto, ZAP //

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