Diogo Lacerda Machado assume que houve pressão política por parte de ex-secretário de Estado de Pedro Nuno Santos e revela que TAP podia ter-se mantido como empresa nacional.
O ex-administrador da TAP Diogo Lacerda Machado assumiu hoje que houve pressão política quando o secretário de Estado Alberto Souto de Miranda lhe pediu para votar contra o orçamento da companhia aérea para 2020.
“O orçamento de uma empresa como a TAP não é para fazer política”, respondeu o advogado à deputada Fátima Fonseca, do PS, e depois a Bernardo Blanco, da IL, depois de assumir ter havido pressão do Governo relativamente ao orçamento da companhia para 2020.
Face à insistência de Bernardo Blanco, Lacerda Machado disse que o então secretário de Estado Alberto Souto de Miranda, da equipa ministerial de Pedro Nuno Santos, lhe tinha pedido para votar contra o orçamento.
“Eu disse que não o faria”, acrescentou Lacerda Machado, dizendo que explicou ao Governo que a legitimidade da sua decisão “vinha da eleição em assembleia-geral”, mas se o executivo entendesse apresentava a renúncia ao cargo.
O ex-administrador não executivo disse ainda que a situação “não voltou a repetir-se”. Lacerda Machado deixou a administração da TAP em abril de 2021, antes de terminar o mandato.
Segundo o jornal Expresso, o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e Lacerda Machado “andaram meses em rota de colisão sobre a estratégia para a empresa”, tendo António Costa chegado a “intervir para corrigir o ministro”.
Lufthansa “aceitava ser minoritária” e manter empresa nacional
Lacerda Machado disse ainda que, em 2020, a Lufthansa estava entusiasmada com um investimento na TAP e “aceitava ser minoritária”, o que permitiria que a empresa continuasse nacional e “com direção efetiva em Portugal”.
Diogo Lacerda Machado foi questionado pela deputada do BE Mariana Mortágua sobre uma resposta dada anteriormente em relação à privatização, quando disse não estar “certo nem seguro” que acontecesse agora “aquilo que era muito bom em fevereiro de 2020, que esteve à beira de acontecer”.
De acordo com o antigo administrador não executivo da TAP, “era naquela circunstância muito interessante a hipotética transação que esteve à beira de acontecer” com a companhia aérea alemã.
“A Lufthansa estava entusiasmada com o investimento na TAP, queria desenvolver efetivamente o ‘hub’ de Lisboa. O aeroporto era um terrível constrangimento”, começou por referir.
Mais do que isso, segundo Lacerda Machado, “a Lufthansa aceitava ser minoritária a aceitava os mesmos compromissos estratégicos”.
“Isso significa que a TAP continuava a ser uma empresa portuguesa, com a sua identidade, com a sua marca, com direção efetiva em Portugal, com emprego, com os fornecedores portugueses, a pagar impostos em Portugal e a contribuir para a balança de pagamentos e de transações e a ser a maior exportadora de serviços em Portugal”, elencou, adiantando que soube deste interesse em abril de 2019.
Foi abordada por diversas vezes na audição uma reunião com o então ministro Pedro Marques em 2015 para iniciar as negociações com vista à alteração da estrutura acionista, que nesta altura era 61% da Atlantic Gateway.
“A reunião correu o pior possível”, recordou, admitindo que “se podia estar na iminência da reversão” da privatização feita na reta final do Governo PSD/CDS-PP.
Segundo Lacerda Machado, “depois do choque inicial”, o consórcio detido por David Neeleman e Humberto Pedrosa terá medido “os riscos que corria” e os acionistas “decidiram aceitar o processo de negociação” que levou o Estado a recuperar o controlo estratégico da TAP com 50%.
Relativamente ao apoio de 3.200 milhões de euros, Lacerda Machado sublinhou que é um valor que não chega sequer ao valor médio das ajudas às companhias similares dos Estados que também prestaram auxílio e que , “das outras 20 e tal companhias”, como a Air France/KLM ou a Lufthansa, apenas uma reembolsou o dinheiro.
“Também estou convencido que a TAP, se lhe derem condições, pode levar muito tempo, mas paga de volta”, defendeu, acrescentando que a insistência no discurso de que a TAP não vai reembolsar o valor do apoio “é um péssimo serviço que está a ser prestado”.
Para o ex-administrador, essa narrativa pode ter o “efeito perverso” de sinalizar aos interessados: “compre com desconto, aproveite”.
Ainda sobre o apoio de resgate e reestruturação, o advogado disse que, sendo o problema a TAP SGPS e não a transportadora (TAP S.A.), a última é que devia ter pedido ajuda.
Já questionado sobre um “desaguisado” entre o antigo presidente executivo Antonoaldo Neves e o ex-ministro Pedro Nuno Santos, que terá levado à saída do CEO, agora à frente da Etihad Airways, Lacerda Machado admitiu ter tido “momentos muito difíceis” com o gestor brasileiro, que considera seu amigo.
Por fim, questionado sobre prémios no valor de 1,171 milhões de euros pagos a 180 trabalhadores, relativos a 2018, ano de elevados prejuízos, Lacerda Machado explicou que “não eram prémios nenhuns”, mas sim remunerações variáveis.
A relação de amizade entre Lacerda Machado e o primeiro-ministro foi por diversas trazida à audição, e o antigo administrador chegou mesmo a confidenciar que António Costa se tivesse escolhido ser advogado teria ficado rico, mas escolheu ser pobre.
Neeleman: Lacerda Machado não entende pagamento de 55 milhões
O ex-administrador disse não compreender o pagamento de 55 milhões de euros a David Neeleman para sair da estrutura accionista, em 2020, porque entende que o acordo parassocial “não valia mais”.
“Não faço a menor ideia, não tive o mínimo envolvimento nessa circunstância. […] Vai ter de fazer essa pergunta a quem tomou essa decisão. Eu não a compreendo”, respondeu Diogo Lacerda Machado, na comissão de inquérito à TAP, quando questionado pela deputada Mariana Mortágua se conhecia o pagamento de 55 milhões de euros a David Neeleman para sair da companhia aérea e se sabia qual a sua razão.
Em 2020, quando a TAP voltou à esfera do Estado, na sequência do auxílio devido aos problemas causados pela pandemia, Lacerda Machado era administrador não executivo da TAP, cargo que deixou em abril de 2021, e a companhia aérea era tutelada pelo então ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos e, do lado da tutela financeira, pelo secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz.
Na opinião de Lacerda Machado, com a alteração provocada pela pandemia de covid-19 e subsequente auxílio estatal, “todos os acordos e contratos feitos até então perderam sentido”.
“O meu entendimento é que o acordo parassocial não vigorava mais, a alteração tão radical das circunstâncias, no meu entendimento levou a que todo o capital investido na TAP até então tenha sido perdido. Na minha opinião o acordo parassocial não valia mais”, explicou o advogado.
Já quanto a David Neeleman, que considerou “um homem genial no mundo da aviação”, Lacerda Machado afirmou que o objetivo do acionista era sair da TAP através de abertura de capital, como tinha feito anteriormente noutras empresas.
No entanto, o Estado deixou claro que não abdicaria da participação de 50%. “Na minha interpretação, foi por isso que Neeleman disse que era melhor sair vendendo a sua participação e não indo ao mercado de capitais”, apontou.
ZAP // Lusa