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“Deixemos o Natal em paz”. Por que o “louco” Saramago odiava o feriado

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José Saramago / Facebook

Nobel da Literatura, José Saramago

“Diz que todos os dias devia ser Natal”, recomenda Pilar. “Mas eu odeio o Natal, como posso dizer isso?”, responde o Nobel da Literatura: “tenho pena das crianças”.

Conhecido pelo seu olhar crítico sobre a sociedade e as suas tradições, o escritor José Saramago abordou em diversos momentos da sua obra o tão querido feriado que está, mais uma vez mais, aí à porta.

As mesmas ilusões de sempre, e nada acontece. Foi assim que o escritor, que faleceu a 18 de junho de 2010, descreveu o 25 de dezembro, no poema “Natal”, incluído no seu livro “Os Poemas Possíveis” (1966).

“Nem aqui, nem agora. Vã promessa
Doutro calor e nova descoberta
Se desfaz sob a hora que anoitece.
Brilham lumes no céu? Sempre brilharam.
Dessa velha ilusão desenganemos:
É dia de Natal. Nada acontece.”

Mas não foi só no papel que Saramago deixou clara a sua opinião sobre este feriado que tanto “odeia”.

Num excerto do filme “José e Pilar” (2010), realizado por Miguel Gonçalves Mendes, Saramago é apanhado de surpresa por um pedido para fazer uma saudação natalícia. Sisudo vira-se de imediato para o amor da sua vida: “que digo, Pilar?”.

A sua esposa, a maior fã da sua obra, dá-lhe um conselho: “diz que todos os dias devia ser Natal” — mas o Nobel da Literatura opta por um caminho diferente.

“Mas eu odeio o Natal, como posso dizer isso?”, respondeu à jornalista espanhola, momentos antes de partilhar a sua verdadeira opinião sobre o feriado de 25 de dezembro.

“Creio que a tradição nos impôs, ou levou-nos a pensar, que há dias para sermos bons, o que significaria que nos outros dias poderíamos ser maus e não se passaria nada. Então, pensemos nos outros dias, e deixemos o Natal em paz“, disse o escritor.

“Eu não tive brinquedos quando era pequeno e estou muito contente com isso, porque tinha que construí-los. Agora, tenho pena das crianças que entram no seu quarto e têm ursos de peluche até ao teto e têm isto e aquilo, enquanto os pobres vivem numa angústia porque não sabem o que fazer com aquilo tudo”. A culpa é dos pais.

“E os pais, com essa ideia de que as crianças têm que estar contentes, afogam-nos em coisas materiais, que no dia seguinte já ninguém pensa nelas”.

Com um ar de quem acredita que a sua análise foi feita em vão, promete não estar louco.

“Cada um entenderá como quiser. Dirá que este senhor está louco porque está a falar desta forma sobre o Natal”, mas deixa uma garantia de sanidade: “asseguro-vos que não estou louco”.

“Louco é quem inventou e decidiu que o Natal fosse o que é, isso sim é pura loucura”, conclui.

Tomás Guimarães, ZAP //

6 Comments

  1. Nem sempre aceitei o pensamento e os dizeres de Saramago. Mas no que ao NATAL respeita, estou inteiramente de acordo com ele. Eu terei muito mais para dizer sobre a mesma questão. Qualquer dia desabrocharei… Mas que ninguém se assuste! Não combaterei a liberdade de cada um pensar como quiser. Importante é que pense, que é o que não acontece.

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  2. A pressão da época natalícia é de tal maneira que há quem desenvolva uma depressão no Natal. Não é invenção, está provado que afecta a saúde mental.

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