O Presidente de Angola defendeu, esta quarta-feira, que Europa e África têm de procurar soluções duradouras para a crise das migrações, que garantam ao mesmo tempo o desenvolvimento do continente africano.
“As soluções não são imediatas e nem serão encontradas apenas com um país, isoladamente. Eu aqui não falo de Angola em particular, mas do continente no geral, uma vez que os imigrantes não vêm de um só país, vêm de vários países do continente. Portanto, são os dois continentes, África e Europa, que devem encontrar as tais soluções que sejam duradouras”, sustentou João Lourenço.
Em declarações aos jornalistas, depois de discursar no Parlamento Europeu (PE) em Estrasburgo, o chefe de Estado de Angola defendeu que não devem ser procuradas soluções de “duração efémera”.
“Temos de pensar seriamente em soluções que sejam duradouras e que garantam o desenvolvimento do continente, a criação de emprego, de riqueza, enfim de maior estabilidade e isso só se consegue num quadro multilateral e tendo a consciência que é uma solução que não se vai encontrar ao fim de dois, três anos, leva mais tempo”, reforçou.
João Lourenço disse ainda que todos os africanos se sentem envergonhados com “o que se está a passar neste momento”.
“Nenhum governante quer ver os seus filhos abandonar o país, sobretudo naquelas condições desumanas em que o processo está a decorrer. Imigrações sempre houve no Mundo, mas nestas condições, com perdas de vidas humanas durante a travessia, é evidente que ninguém quer que os filhos da sua pátria e do seu continente passem por uma privação tão grande quanto esta“, reconheceu.
O Presidente de Angola mostrou-se disponível para abordar a questão das migrações em primeiro lugar nas instituições do próprio continente, nomeadamente nas organizações regionais de que Angola faz parte, e na União Africana.
Angola exerce atualmente a presidência do órgão de cooperação nos domínios político, de Defesa e Segurança da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
“Os investimentos que gostaríamos de ver em África são sobretudo os que criam emprego, sem falar nas infraestruturas que asseguram que outros investimentos possam vir a ser feitos, basicamente transportes, energia e água. Mas a cooperação com os outros continentes que seja no sentido de ajudar-nos a criar capacidade para transformarmos os nossos produtos básicos, industrializar os nossos países, porque só assim vamos conseguir encontrar emprego sustentável e desta forma contribuir no combate contra a imigração”.
Questão das migrações “envergonha”
Antes de discursar no hemiciclo, o chefe de Estado angolano fez uma declaração conjunta com o presidente da assembleia europeia, Antonio Tajani, afirmando que, para abordar “todas essas questões”, há naturalmente que “conversar”, justificando desse modo a sua deslocação ao Parlamento Europeu.
“As relações entre Angola e a União Europeia e o Parlamento Europeu são antigas, com algumas décadas já. Temos questões de interesse comum a discutir, nomeadamente questões que têm a ver com desenvolvimento económico e social dos nossos países, questões de segurança, de necessidade de combate ao terrorismo e, sobretudo, necessidade de controlarmos a imigração que se vem verificando nos últimos anos e que em nada nos honra, antes pelo contrário, nos envergonha“, disse.
Por sua vez, Tajani sublinhou que, para o PE, África “é uma prioridade” e é uma aposta da assembleia “reforçar os laços entre a União Europeia e países africanos”.
Apontando igualmente “o problema das migrações” e a luta contra o terrorismo como prioridades na agenda de interesses comuns, o presidente do Parlamento acrescentou que partilha com João Lourenço “a mesma visão, no sentido de um desenvolvimento das relações”.
Entre o final de maio e início de junho, João Lourenço efetuou visitas oficiais a França e Bélgica, tendo sido já recebido em Bruxelas pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. Hoje, tornou-se o primeiro chefe de Estado angolano a discursar no PE.
“É pena” que não tenha respondido aos deputados
Ana Gomes lamentou que o Presidente de Angola não tenha respondido às questões dos eurodeputados, e fez depender a credibilidade do discurso de João Lourenço em Estrasburgo das medidas práticas que venha a tomar.
“Há todo um conjunto de medidas, de ações práticas, que vão determinar a credibilidade do que o Presidente João Lourenço hoje aqui disse”, considerou a eurodeputada socialista.
Em declarações aos jornalistas, Ana Gomes, que há muito tempo critica o regime angolano, revelou que manteve uma “simpática, cordial, e curta” conversa com o Presidente de Angola.
“Tenho pena que não tenha havido oportunidade para um verdadeiro diálogo com o Presidente João Lourenço, mas pude dizer-lhe que tinha gostado particularmente do discurso da cruzada contra a corrupção. Todavia, a grande questão é passar da palavra aos atos. Já muita coisa está a ser feita, mas ainda há muito a fazer. E era exatamente por isso que gostava que esta oportunidade da vinda do Presidente tivesse proporcionado uma verdadeira troca de impressões com os deputados, que tinham questões a colocar-lhe, como é o meu caso”, frisou.
A eurodeputada socialista indicou que questionou João Lourenço sobre o julgamento do jornalista Rafael Marques, acusado do crime de injúria, na sequência de uma notícia de novembro de 2016, divulgada no portal de investigação Maka Angola, com o título “Procurador-geral da República envolvido em corrupção”, que denunciava o negócio alegadamente ilícito realizado por João Maria de Sousa, envolvendo a aquisição de um terreno de três hectares, em Porto Amboim, província angolana do Cuanza Sul, para construção de condomínio residencial.
“Ele sorriu e encolheu os ombros, dando a entender que era um caso da justiça. É sem dúvida um caso que vai focar as atenções em Angola e no mundo todo”, anteviu.
Para Ana Gomes, é evidente que há uma vontade política de mudança, “até porque se vê que o estilo do atual Presidente é completamente diferente do de José Eduardo dos Santos”.
“O percurso que ele fez é inteligente, bem construído, e procura valorizar o que pode já valorizar, mas também admite que há tremendos desafios que Angola não pode vencer sozinha e que tem de vencer em concertação com os parceiros europeus. O grande desafio é levar isto à prática em Angola, porque sabemos que o país foi minado pela corrupção”, acentuou.
Todavia, na opinião da eurodeputada do Partido Socialista, há “uma série de casos herdados pelo Presidente João Lourenço que deveriam ser esclarecidos”, nomeadamente o caso do ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente.
“Há uma série de elementos que são cruciais esclarecer, até porque o Presidente fez aqui um apelo ao investimento em Angola. A grande dúvida é se há condições, porque, não obstante a vontade do Presidente, se a justiça não funcionar…”, concluiu.
ZAP // Lusa