JD Vance já disse que Trump era o “Hitler americano”. Agora, quis dar lição de democracia à Europa

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Allison Dinner / EPA

O vice-presidente dos EUA, JD Vance, veio à Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, lançar um ataque às democracias da Europa, comparando-as a Governos autoritários.

Esperava-se que JD Vance aproveitasse a Conferência de Segurança de Munique para falar das conversações para um acordo de paz que ponha fim à guerra na Ucrânia.

Mas o número dois da administração de Donald Trump preferiu dar uma “lição” de democracia e liberdade de expressão à Europa.

Em cerca de 20 minutos de discurso, Vance pareceu também fazer campanha pela extrema-direita alemã nas vésperas das eleições no país, criticando o facto de quase todos os partidos germânicos se recusarem a colaborar com a Alternativa para a Alemanha (AfD).

“A democracia está fundada no princípio sagrado de que a voz do povo importa”, atirou Vance em jeito de recado, notando que “não há espaço para firewalls”, e que “ou o princípio é mantido ou não”.

Além disso, referiu-se ao problema da imigração em massa, considerando que nenhum eleitor europeu “foi às urnas para abrir as portas a milhões de imigrantes sem controle”.

Mas “em Inglaterra, votaram pelo Brexit”, “e cada vez mais, em toda a Europa, estão a votar por líderes políticos que prometem pôr fim à imigração fora de controle”, sustentou ainda.

Vance encontrou-se com a líder da AfD, Alice Weidel, à margem da conferência.

O vice-presidente dos EUA também minimizou a interferência russa nas eleições presidenciais da Roménia que foram anuladas em Dezembro passado.

“Se a sua democracia pode ser destruída com uns meros 100 mil dólares de publicidade digital de um país estrangeiro, então, é porque não era muito forte“, atirou perante uma audiência estupefacta, onde se ouviram apenas os aplausos de três ou quatro pessoas.

Discurso de JD Vance soou a propaganda russa

Num discurso que alguns dizem que poderia ter sido escrito pelo Kremlin, Vance também acusou os comissários da União Europeia de reprimirem a liberdade de expressão, e notou que a “ameaça” que mais o preocupa “não é a Rússia, não é a China“.

“O que me preocupa é a ameaça interna“, vincou, referindo o “retrocesso da Europa em alguns dos seus valores mais fundamentais, valores compartilhados com os EUA”.

Neste âmbito, referiu um caso de justiça no Reino Unido, onde um veterano do exército que protestou, em silêncio, diante de uma clínica de abortos, foi condenado por ultrapassar uma zona de segurança.

“As liberdades básicas dos britânicos religiosos” estão ameaçadas, sublinhou Vance que é conhecido pelas suas posições anti-aborto.

Greta Thunberg e Elon Musk

Outro momento caricato foi quando o vice-presidente dos EUA se referiu à jovem ambientalista sueca Greta Thunberg e ao magnata Elon Musk, o “funcionário especial” da administração Trump que está a despedir milhares de norte-americanos dos serviços do Estado, e que tem tomado várias posições sobre eleições e questões políticas europeias.

“Se a democracia americana pode sobreviver a 10 anos de repreensões de Greta Thunberg, vocês podem sobreviver a alguns meses de Elon Musk“, apontou no que dizia ser uma tirada de “grande humor”. Mas ninguém se riu, apesar da pausa que fez a pedir um momento de gargalhada geral.

A audiência ouviu muda e calada, com o peso do espanto e da indignação no ar.

Ministro alemão colocou JD Vance em sentido

As palavras de JD Vance caíram mal junto de muitos líderes europeus. “Parece que [os EUA] estão a tentar arranjar uma quezília” com a Europa, desabafou a responsável pela política externa da União Europeia, Kaja Kallas, num reflexo da posição geral.

O ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, aproveitou a intervenção na Conferência de Segurança de Munique para responder a JD Vance, sublinhando que o seu discurso “não é aceitável”.

“Aqui na Alemanha, lutamos pelo seu direito a discordar de nós“, vincou, lamentando que “o vice-presidente dos EUA colocou em dúvida a democracia em toda a Europa”.

“Fala de aniquilação da democracia e se entendi bem, está a comparar as condições em algumas partes da Europa com regimes autoritários“, notou Pistorius, reforçando que “isso não é aceitável”.

Já o chanceler alemão Olaf Scholz salientou que a Alemanha não aceitará pessoas que “intervêm na nossa democracia”, e defendeu a sua posição contra a extrema-direita, realçando que alguns membros da AfD se referem aos crimes nazis como simples “merda de pássaro” na História.

Noutras reações ao discurso de JD Vance, o o líder dos Democratas Liberais do Reino Unido, Ed Davey, questionou-se, numa publicação na rede social X, o antigo Twitter, se o “vice” dos EUA estará a “planear dar uma palestra ao amigo do seu chefe, Vladimir Putin, sobre democracia e liberdade de expressão”.

“São os EUA a falar ou a Rússia?”, perguntou, por seu turno, o ex-Primeiro-Ministro da Bélgica, Guy Verhofstadt, um pró-europeísta, também numa publicação no X.

“Obrigado pelas lições, Sr. Vance, mas se fala de democracia enquanto apoia a extrema-direita europeia, não tem legitimidade”, atirou ainda Verhofstadt.

JD Vance já disse que Trump era “Hitler americano”

Entretanto, Donald Trump já veio elogiar o discurso de JD Vance como “brilhante”, concordando que “a Europa está a perder o seu maravilhoso direito à liberdade de expressão”.

Muitos especialistas e líderes políticos realçam o surpreendente discurso do “vice” americano quando Trump tem uma liderança evidentemente autoritária.

Nesta semana, foi notícia o facto de Trump ter impedido a entrada na Casa Branca dos jornalistas da Associated Press que insistem em chamar ao Golfo do México o nome que de facto tem, em vez de o designarem como “Golfo da América“, o nome com que Trump o quer rebaptizar unilateralmente.

Antes de se ter tornado num dos seus maiores aliados, o próprio JD Vance se chegou a referir a Trump como o “Hitler americano” durante a campanha presidencial para as eleições de 2016.

Susana Valente, ZAP //

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