Acordo na Ucrânia: vai ser conquista ou “capitulação”?

Kremlin / Wikimedia

Zelenskyy, Macron e Putin, dezembro de 2019

Nem Zelenskyy acredita nas intenções de Putin. A Europa aguarda expectante por um desenvolvimento no Kremlin, cujo porta-voz tem sido, essencialmente, Donald Trump.

Putin está disposto a um cessar-fogo, anunciou esta quarta feira Donald Trump. Do Kremlin, não se ouviu muito, mas Trump assegurou que as autoridades americanas e russas vão reunir esta sexta-feira em Munique, numa conferência sobre segurança — a Ucrânia terá sido convidada a comparecer.

Citado pelo The Guardian, o presidente norte-americano afirmou que “a Rússia meteu-se em algo que penso que gostaria de não ter feito. Se eu fosse presidente, isso não teria acontecido, absolutamente não teria acontecido. E não aconteceu durante quatro anos”.

“Agora, a Rússia apoderou-se de uma grande parte do território e também disse desde o primeiro dia, muito antes do Presidente Putin, que não queria que a Ucrânia fizesse parte da NATO. Afirmaram-no com veemência. Na verdade, penso que foi isso que causou o início da guerra, e Joe Biden disse-o e Zelenskyy disse-o”, acrescentou.

É “demasiado cedo” para dizer o que vai acontecer nas conversações, insistiu Trump. “Talvez a Rússia desista de muita coisa. Se calhar não. E tudo depende do que vai acontecer. A negociação ainda não começou”, apontou.

Mas afirmou esta sexta feira que a Ucrânia fará parte das negociações para pôr fim à guerra com a Rússia, segundo noticia a agência Lusa.

É esta incerteza que está a deixar a comunidade internacional em alerta.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, também disse na quinta-feira que era “prematuro” discutir um papel para a Europa em quaisquer conversações.

Esta sexta-feira, o vice-presidente norte-americano, J.D. Vance, assegurou que os Estados Unidos estão empenhados na “independência soberana” da Ucrânia.

E chegou mesmo a ameaçar a Rússia: “para pressionar a Rússia há meios de pressão económicos mas há naturalmente, meios de pressão militares“, disse.

“Tudo está em cima da mesa”, insistiu o vice-presidente dos Estados Unidos na mesma entrevista.

“Estou grato ao Presidente Trump pelo seu sincero interesse nas nossas oportunidades conjuntas, na forma como podemos trazer uma verdadeira paz juntos”, agradeceu o próprio presidente ucraniano a Donald Trump. Zelenskyy chegou a afirmar, este fim de semana, que a Ucrânia pode vir a trocar território com a Rússia.

No entanto, as declarações de Zelenskyy não são reconfortantes, e o próprio parece não acreditar completamente nelas.

Volodymyr Zelensky, apelou esta quinta-feira para se desconfiar da verdadeira intenção do homólogo russo, Vladimir Putin, de pôr fim à guerra na Ucrânia, após conversar com o Presidente norte-americano, Donald Trump, sobre realizar negociações de paz, segundo avançou a agência Lusa.

Numa mensagem publicada no X, em que relata uma conversa telefónica com o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, Zelensky disse ter “avisado os dirigentes internacionais para não confiarem nas declarações de Putin de que está pronto para pôr fim à guerra” que trava há quase três anos no país vizinho.

E há muito quem defenda essa posição. A Europa está expectante e desconfiada de que o acordo de paz possa ser quase unilateral.

Ceder a Vladimir Putin seria “uma má notícia para todos os intervenientes”, afirmou esta sexta feira o presidente francês.

“A única questão nesta fase é se o Presidente Putin está genuinamente, sustentavelmente e credivelmente disposto a concordar com um cessar-fogo nesta base. Depois disso, cabe aos ucranianos negociar com a Rússia”, acrescentou Emmanuel Macron, que alerta para uma “paz que pode ser uma capitulação”.

O Afeganistão da Europa?

Muitos analistas torcem o nariz à mediação norte-americana deste potencial acordo de paz.

O analista Timothy Garton Ash apelidou num artigo no The Guardian a “capitulação” de Trump perante Putin um “péssimo negócio”.

“Durante algumas semanas, após a eleição de Trump, tivemos uma ténue esperança de que, no que diz respeito à Ucrânia, a sua administração seguisse o seu lema proclamado de ‘paz através da força’, compreendendo que a força é a única linguagem que Putin compreende. Agora vemos que Trump não só intimida os amigos do seu país como dá graxa aos inimigos do seu país”, comentou o historiador.

Um oficial ucraniano disse-se indignado pelo telefonema de Trump com Putin. “Os seus políticos perderam a dignidade”, disse o oficial, sob anonimato, ao The Washington Post. “A traição da Ucrânia, depois do Afeganistão, terá consequências catastróficas para a perceção da América no mundo“.

Refere-se à deserção dos EUA do Afeganistão em 2021, que levou à queda de Cabul nas mãos dos talibãs, após 20 anos de presença norte-americana na região na luta contra os fundamentalistas que estão agora no poder.

Os ucranianos estão “oficialmente a tentar reagir com uma cara corajosa e construtiva, mas é óbvio que o que estavam a tentar evitar está a começar a acontecer”, diz, também em anonimato, um diplomata europeu.

Esta manhã, citado pelo The Guardian, Zelenskyy afirmou que não tem qualquer informação sobre os encontros entre os EUA, a Rússia e a Ucrânia, mas está “pronto para falar em qualquer altura”, assegurou em Munique, onde já se encontra, mas onde não deverão comparecer os outros dois chefes de Estado.

O mundo aguarda desenvolvimentos, que podem chegar já esta sexta-feira, diretamente de uma cidade europeia onde se reúnem duas (ou três?) nações. Olhos postos em Munique.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

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