Investimento bilionário em segurança nas escolas não impediu aumento de ataques nos EUA

Tannen Maury / EPA

Os Estados Unidos (EUA) vivem um paradoxo: o país nunca investiu tanto em medidas para aumentar a segurança escolar. E, ainda assim, nunca viu tantos massacres em escolas e universidades como nos últimos anos.

Desde abril de 1999, quando dois estudantes abriram fogo contra colegas na Columbine High School (no Colorado), num episódio considerado como o marco inicial de uma tendência de violência escolar no país (e no mundo), ocorreram pelo menos 377 ataques do tipo nos EUA, segundo um levantamento feito pelo Washington Post, que rastreia os casos na ausência de dados oficiais do assunto.

Mas em nenhum ano houve mais ataques do que em 2022: foram 47 no total. E o pico anterior não estava distante: aconteceu em 2021, com 42 casos. Contraditoriamente, os ataques em escolas seguem em alta apesar de um investimento contínuo bilionário das escolas, dos Estados e do governo para tentar contê-los.

Em 2021, as unidades educacionais norte-americanas gastaram 3,1 mil milhões de dólares (cerca de 2,8 mil milhões de euros) em sistemas e serviços de vigilância e proteção, segundo estimativas da consultoria de mercado tecnológico OMDIA.

O valor representa um crescimento de 14% no total de gastos quando comparado ao ano de 2017, o dado anterior disponível. No ano passado, o Congresso americano aprovou um pacote de 300 milhões de dólares (à volta de 275 milhões de euros) para ajudar as instituições a equiparem-se contra violência armada.

A aplicação desses recursos é visível no quotidiano da maior parte dos estudantes dos EUA – câmaras, interfones e até detetores de metais tornaram-se artigos comuns nas escolas.

Segundo os dados do Centro Nacional de Estatísticas da Educação do governo dos EUA, enquanto entre 2017 e 2018, apenas metade das unidades educacionais tinha controle total ao acesso às dependências da escola. Agora, dois terços possuem sistemas de controle de entrada e saída. Já a taxa de escolas com monitorização via câmaras ultrapassa os 90%.

Em 43% das escolas públicas há também o “botão de pânico”, uma espécie de alarme acionado silenciosamente de algum ponto da escola que se conecta diretamente com a polícia em caso de emergência. Há 5 anos, eram 29%.

Atualmente, 78% das escolas têm salas equipadas com fechaduras capazes de permitir o fecho interno – um aumento de 20% em relação aos dados do ano letivo entre 2017 e 2018. E 65% têm funcionários exclusivamente dedicados à segurança – em 51% das escolas, esses agentes trabalham munidos de armas de fogo.

O que explica então que, com um aumento nas medidas de segurança, não se veja uma redução no número de casos de massacres escolares?

De acordo com Justin Heinze, professor de saúde educacional da Universidade de Michigan e diretor do Centro Nacional de Segurança Escolar, a princípio, o aumento dos procedimentos de segurança na escola podem resultar em consequências positivas para lidar com o problema, mas estão longe de serem condições suficientes para prevenir os ataques.

“Não há hoje grandes evidências científicas para apoiar a ideia de que essas medidas tenham impacto definitivo na prevenção de massacres. Não desencorajamos a sua adoção – até porque costumam ter impacto positivo noutras áreas da vida escolar, mas relembramos à comunidade que esse não pode ser o único caminho para tentar combater o problema dos ataques”, disse à BBC News Brasil.

Em 2016, um estudo da Universidade Johns Hopkins concluiu o mesmo: há pouca evidência de que as novas tecnologias de segurança possam impedir ou diminuir massacres.

Um exemplo é o que se observa com o aumento de polícia nas escolas. Embora alguns estudos sugiram que ter agentes armados na escola pode desencorajar discussões entre grupos de adolescentes, o impacto da medida sobre a ocorrência e a letalidade de massacres é discutível.

Uma pesquisa publicada em 2019 no Journal of Adolescent Health, que analisou 179 episódios de tiroteios em escolas norte-americanas entre 1999 e 2018, concluiu que manter agentes armados na escola não reduziu o número de vítimas em massacres.

E o aumento desse tipo de segurança pode ter riscos: noutro estudo, financiado pelo Instituto Nacional de Justiça dos EUA e publicado em 2021, concluiu-se – depois de avaliar todos os casos entre 1980 e 2019 – que o número de mortes em escolas com agentes armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem polícias armados.

A presença de agentes armados no ambiente escolar também estaria ligada ao aumento do absentismo estudantil, especialmente entre alunos de camadas mais vulneráveis da população.

Os EUA garantem acesso particularmente fácil a armas de fogo para a população em geral – são quase 400 milhões de armas entre pouco mais de 330 milhões de pessoas.

Segundo Heinze, a arma usada terá impacto no resultado final: com uma arma de fogo é possível causar mais vítimas, em muito menos tempo. Mas a mecânica dos ataques costuma ser muito semelhante.

“A grande maioria dos massacres em escolas tinha na sua história alguém que conhecia de antemão os planos do atirador, seja porque o viu escrito nalgum lugar, seja porque o próprio autor compartilhou informações. Se esses alunos contarem o que sabem, abre-se a oportunidade de intervir e impedir a violência”, referiu.

“Isso só é possível se a escola desenvolver um ambiente em que os alunos confiem nos seus professores e sintam-se à vontade para entrar em contacto com eles ou com alguém da administração caso saibam de algo”, continuou.

Criar “equipas de avaliação de ameaças”, grupos escolares multidisciplinares responsáveis por receber as denúncias, verificar a sua veracidade e criar planos para mitigar a violência e ajudar o aluno com comportamento potencialmente violento antes que qualquer ato aconteça também é uma das soluções. Atualmente, nove dos 50 estados norte-americanos adotam essa política, entre eles a Florida e o Texas.

“Esses são os programas com as evidências mais fortes de que funcionam para impedir massacres”, afirmou Heinze. Esses programas conseguem estimar desde o potencial de agressão do estudante, avaliando o seu acesso a armas, como ter acesso às suas condições de saúde mental e tratamentos de saúde.

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