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Inquérito ao Novo Banco arranca com audição sobre relatório que quase ninguém leu

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A comissão de inquérito ao Novo Banco começa esta quarta-feira e gira à volta de um relatório que quase ninguém leu, já que é secreto e confidencial.

O primeiro inquirido será João Costa Pinto, ex-vice-governador do Banco de Portugal, que é também o principal rosto do relatório secreto e confidencial que avaliou o papel do supervisor nos últimos meses do Banco Espírito Santo (BES).

Depois de ter assumido o cargo de governador do Banco de Portugal, Mário Centeno entregou o relatório com mais de 500 páginas, apesar de o Tribunal da Relação se ter recusado a levantar o segredo.

O problema, segundo o Expresso, é que o documento chegou aos deputados com confidencialidade, pelo que só eles podem ter acesso ao conteúdo, não o podendo partilhar com o público em geral.

Equaciona-se agora que a comissão apresente um recurso ao Supremo Tribunal de Justiça para o levantamento do segredo sobre o documento. No entanto, a resposta já não virá a tempo da audição desta quarta-feira, em que os deputados vão ter dificuldades em falar sobre o documento devido ao dever de segredo.

“O relatório, entregue à CPI, mantém, assim, a sua natureza de confidencial, impendendo o respetivo dever legal de segredo agora também, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sobre os próprios membros da CPI, os quais acedem ao documento no estrito âmbito da atividade da CPI”, disse o Banco de Portugal, em janeiro.

A atual comissão, cujas audições arrancam na quarta-feira, tem quatro pontos no seu objeto, que abrangem o “período antecedente à resolução e relativo à constituição do NB [Novo Banco]”, o “período antecedente e relativo à alienação”, o “período após alienação” e ainda pretende “avaliar a atuação dos governos, BdP [Banco de Portugal], FdR [Fundo de Resolução] e Comissão de Acompanhamento no quadro da defesa do interesse público”.

A Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, como é oficialmente designada, foi constituída em 15 de dezembro do ano passado.

Tal como sucedeu com a anterior comissão, Fernando Negrão (PSD) será o presidente, e nesta o PS conta com sete efetivos, o PSD quatro e o BE dois, enquanto PCP, CDS-PP, PAN e Iniciativa Liberal estão representados, cada um, por um deputado efetivo, num total de 17.

As audições arrancam após sucessivas interrupções dos trabalhos devido ao agravamento da pandemia de covid-19, pois conforme decisão tomada em janeiro pela comissão, as inquirições serão presenciais, tendo sido aprovada uma norma pelos deputados que levará ao reagendamento caso o depoente esteja em isolamento devido à pandemia de covid-19.

Fernando Negrão explicou à Lusa que com a pandemia tudo “tem sido muito mais complicado” em termos de comunicação com as entidades, pois “sem contactos pessoais, é mais difícil explicar aquilo que queremos e aquilo que não queremos”.

“Até têm pecado por envio em excesso de documentação”, referiu, sendo que “tudo é mais moroso e por isso a ansiedade cresce porque a vontade é a mesma de fazer as audições e ouvir os depoimentos das pessoas que tiveram envolvidas em todo este processo”.

O presidente da comissão acrescentou à Lusa que “um depoimento por escrito não exclui uma audição presencial”, podendo também “haver uma réplica, ou seja, pedidos de esclarecimento às primeiras respostas”.

A anterior comissão parlamentar relacionada com o BES/Novo Banco, iniciada em 2014 e terminada em abril de 2015, tinha como objetivo “apurar as práticas da anterior gestão do BES, o papel dos auditores externos e as relações entre o BES e o conjunto de entidades integrantes do universo do GES, designadamente os métodos e veículos utilizados pelo BES para financiar essas entidades”.

O BES acabou por ser resolvido em agosto de 2014, levando à criação do Novo Banco.

Entre conclusões relacionadas com a falta de respostas claras acerca da venda de papel comercial e considerações acerca das ocultações de passivos no GES, que “dificilmente” representaram “meros erros contabilísticos”, segundo o relatório de então elaborado por Pedro Saraiva (PSD), os supervisores foram concretamente visados.

“A intervenção do Banco de Portugal revelou-se porventura tardia, nomeadamente quanto à eliminação das fontes de potenciais conflitos de interesse, e pouco eficaz ao nível da determinação e garantia de cumprimento das medidas de blindagem impostas ao BES”, é dito numa das conclusões do texto.

Sobre a atuação do banco central, o relatório diz que a entidade então liderada por Carlos Costa procurou, “de forma porventura excessivamente prudente, à luz do que hoje se sabe”, encontrar soluções – aceites pelos acionistas e pelo outrora líder Ricardo Salgado – para superar as dificuldades no BES.

“Apesar das sucessivas resistências, contradições e eventuais conflitos de interesses, nomeadamente no que decorre da liderança de Ricardo Salgado, acreditou o BdP que seria possível encontrar e implementar sem ruturas ou perturbações excessivas e sem colocar em causa o estado do sistema financeiro, uma solução de mútuo acordo para o BES”, frisa o texto.

O relatório pediu também um estudo acerca de uma entidade única de supervisão para a área financeira.

Deputados querem esclarecer decisões

Os deputados partem para as dezenas de audições da comissão de inquérito ao Novo Banco com a expectativa de apurar e esclarecer as decisões que conduziram à situação atual, tendo menos barreiras no acesso a documentação, inclusive a confidencial.

Depois de sucessivas suspensões de prazo, este inquérito parlamentar arranca na quarta-feira com a primeira das cerca de 70 audições, tendo a agência Lusa feito uma ronda pelos partidos que a compõem a comissão para antecipar as expectativas, depois de na tomada de posse, no final do ano passado, o presidente da Assembleia da República ter avisado que estas “eram altas” devido às consequências resultantes da derrocada do BES.

Para a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, constituída com base nas propostas de PS, BE e Iniciativa Liberal, Fernando Negrão (PSD) voltou a ser o presidente escolhido, assegurando à Lusa que tem havido “toda a colaboração por parte de todas as entidades no envio da documentação”, incluindo da Comissão Europeia.

“Tudo isto é um bom presságio para que as audições corram bem, sejam esclarecedoras e que no fim possamos apurar as circunstâncias em que ocorreram estas perdas e se elas foram consequência de atos de boa gestão ou de má gestão no que diz respeito ao Novo Banco”, sublinhou.

João Paulo Correia, deputado do PS, explicou que os socialistas pretendem saber “onde é que o interesse público foi prejudicado para que o Novo Banco não seja o banco bom que foi prometido em 2014, por altura da resolução do BES”.

Na perspetiva do PS, os deputados têm “imensa documentação que habilita o inquérito de chegar a conclusões muito precisas”, considerando que não tem havido entraves no envio dos documentos, muitos deles classificados como confidenciais e que não teriam chegado ao parlamento se não tivesse sido alterado o regime jurídico do inquérito.

Pelo BE, Mariana Mortágua quer perceber se as decisões tomadas “protegeram o interesse público ou, pelo contrário, o expuseram às perdas do Novo Banco”, identificando uma pergunta transversal a todas as que têm que ser feitas.

“Como é que se explica que um banco como o Novo Banco continue a gerar perdas depois de tanto tempo e de ter tido perdas acumuladas de mais de 10 mil milhões de euros”, questiona, referindo que apesar de haver menos obstáculos para pedir informação, ainda falta muita documentação, inclusive do Governo ou do Banco de Portugal, este último que “enviou correspondência selecionada”.

Na primeira comissão de inquérito que integra desde que chegou ao parlamento, a Iniciativa Liberal defende que “há decisões políticas e técnicas que devem ser escrutinadas com vista a identificar falhas dos sistemas e dos seus responsáveis para que a culpa não morra solteira”.

Assinalando que já chegaram “milhares de páginas” de documentação, Duarte Pacheco, do PSD, aponta a responsabilidade e o desafio que agora recai em cima dos deputados no acesso a informação confidencial, sendo preciso encontrar o modo de fazer algumas audições com base deste tipo de informação.

O social-democrata espera que importante passo de aprovar os relatórios finais com amplas maiorias como aconteceu com a comissão do BES – e não “um relatório de fação” pela “maioria circunstancial” – se mantenha neste inquérito parlamentar.

Já o PCP, pela voz de Duarte Alves, refere que “independentemente das conclusões do inquérito, a solução é o controlo público sobre o Novo Banco”, mas promete intervir para apurar os factos, referindo que “as responsabilidades políticas pela situação a que se chegou estão bem identificadas” para os comunistas e “são dos governos PSD/CDS e do PS, dos supervisores e também dos próprios responsáveis do Novo Banco”.

Cecília Meireles, do CDS-PP, afirma que o que importa esclarecer é “onde é que está a origem das perdas” do banco, tendo expectativa que a comissão de inquérito consiga obter esta resposta, e defende ainda que é preciso perceber porque é que os ativos responsáveis por esta situação “passaram para o Novo Banco e não ficaram no antigo BES”.

O PAN, por seu turno, aponta que aquilo que os cidadãos exigem aos deputados é que “esclareçam tudo o que há a esclarecer” sobre estas perdas que “têm justificado injeções de dinheiro público avultadas”.

ZAP // Lusa

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