A discussão dos projectos de lei do PSD/CDS-PP, PS e BE para impedir que homicidas herdem os bens das suas vítimas ficou esta quarta-feira marcado por trocas de acusações de “retóricas sexistas” e desvalorização da violência doméstica.
O debate sobre a forma de aumentar a eficácia dos mecanismos que permitam assegurar a “indignidade sucessória” de homicidas, que se destina sobretudo aos casos de violência contra as mulheres, decorria num clima consensual, como decorreu os que o antecederam, acerca da perseguição, assédio sexual e casamento forçado, quando o deputado do PSD Carlos Peixoto introduziu o projecto do PSD e CDS-PP recusando “retóricas sexistas”.
A deputada do PS Carla Marcelino, que tinha intervindo anteriormente para apresentar a iniciativa do PS, sublinhou “a indignidade moral que ultrapassa a violência em vida e se perpetua num ato de violência sobre a memória das mulheres mortas às mãos dos maridos, companheiros ou namorados”, numa intervenção em que saudou os projectos de lei da maioria PSD/CDS-PP e do BE.
Carla Marcelino terminou a intervenção apelando a um trabalho entre todos os grupos parlamentares que possa levar a uma aprovação por unanimidade de um diploma.
Carlos Peixoto interveio de seguida e disse que não falava “em nome dos homens sociais-democratas, porque este debate e estes projectos que são aqui apresentados não podem confinar-se a retóricas sexistas em que se fala de homens e em que se fala de mulheres”.
“Naturalmente que há muitos homicídios contra mulheres e temos todos que os repudiar, mas também há homicídios contra homens, em que mulheres matam os maridos, também há homicídios entre pais e filhos e filhos e pais”, afirmou, tendo depois elogiado o projecto do PS, embora o considerasse incompleto.
O projecto da maioria PSD/CDS-PP estabelece que “caso o único herdeiro seja o sucessor afectado pela indignidade, incumbe ao Ministério Público intentar a acção” e, “caso a indignidade sucessória não tenha sido declarada na sentença penal”, a condenação “é obrigatoriamente comunicada ao Ministério Público” para esse efeito.
Todas as intervenções que se seguiram apontaram para o facto de, apesar dos crimes de violência doméstica não afectaram exclusivamente as mulheres, afectam sobretudo as mulheres, e que, portanto, os projectos de lei em causa, apesar de mais abrangentes, se destinavam sobretudo a estes casos.
No final, Carla Marcelino lamentou que Carlos Peixoto tratasse “de forma tão redutora a violência doméstica”, tendo o deputado social-democrata invocado a defesa da honra para dizer que nunca desvalorizou as vítimas de violência doméstica e justificar que pretendeu apenas demonstrar que os projectos tinham de ser abrangentes e não se circunscrever apenas a homicídios contra as mulheres.
“A situação é mais abrangente do que esta, mas é importante trazer a realidade das vidas das pessoas a este debate. Até Julho deste ano morreram, que saibamos, 24 mulheres, assassinadas pelos seus companheiros no quadro da violência domestica”, afirmou a deputada do BE Cecília Honório.
A deputada do CDS-PP Teresa Anjinho frisou: “A presente iniciativa centra-se precisamente no reconhecimento de uma situação de injustiça social, particularmente gritante nos casos de homicídio conjugal, que é certo que abrange mulheres e homens, mas também é certo que desproporcionalmente continua a afectar mais as mulheres”.
O deputado comunista António Filipe expressou o apoio do PCP às iniciativas e sublinhou que, apesar de não excluírem nem desvalorizarem outras realidades, o parlamento também não pode “desvalorizar o drama da violência doméstica”.
“As estatísticas esmagam-nos”, disse, tendo sido aplaudido por Teresa Anjinho.
/ Lusa