Há 24 detidos por incêndio, 19 estão em prisão preventiva

1

António Cotrim / Lusa

A Ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice

A ministra da Justiça esta sexta-feira hoje no parlamento que em setembro havia 24 pessoas detidas por crime de incêndio, 80% das quais em prisão preventiva. Rita Alarcão Júdice ouviu críticas do Bloco de Esquerda ao “populismo penal” do primeiro-ministro sobre os incêndios.

Na audição regimental da equipa do Ministério da Justiça que decorreu no parlamento, a ministra Rita Alarcão Júdice apresentou dados da Polícia Judiciária (PJ) sobre incendiários detidos.

A titular da pasta da Justiça respondia ao deputado Fabian Figueiredo, do Bloco de Esquerda, sobre os “alegados interesses que sobrevoam os incêndios” em Portugal, em referência às declarações do primeiro-ministro, Luis Montenegro, na sequência dos grandes fogos das regiões norte e centro.

Na sua resposta, ministra adiantou que em setembro havia 24 pessoas detidas por “fortes indícios” de terem causado incêndios, florestais e não florestais, e que 80% se encontravam em prisão preventiva, com detidos em várias regiões do país.

“O que está a ser feito é a investigação profunda destas matérias de quem alegadamente perpetrou estes incêndios e perceber se existe um padrão que motive novas investigações”, disse a ministra.

“Não podemos é ficar apenas satisfeitos com a mera detenção, porque temos de perceber se existe um padrão”, acrescentou Rita Alarcão Júdice, referindo não poder acrescentar mais sobre matérias em investigação criminal.

A ministra disse ainda que está a ser estudada a inclusão da PSP nas equipas que investigam os incêndios e que às duas que funcionam no norte e centro pode vir a juntar-se uma terceira na zona sul, onde ainda não existe nenhuma equipa dedicada.

“Respondeu com dados sobre incendiarismo, que é um fenómeno que é preciso atender, combater, com base no conhecimento científico, evitando o populismo penal, que foi o que aconteceu”, comentou o deputado bloquista.

O parlamentar referia-se às declarações de Montenegro, que invocou alegados interesses em torno dos incêndios, entretanto desmentidos por investigadores especializados da PJ.

Na semana passada, o primeiro-ministro anunciou a criação de “uma equipa especializada” para investigar criminalmente a origem dos incêndios recentes, falando em “coincidências a mais” em “interesses que sobrevoam estas ocorrências”.

 

Investigadores da Polícia Judiciária e da GNR que estão a analisar as causas dos incêndios garantem, ao Expresso, que a tese do primeiro-ministro não está fundamentada em relatórios oficias ou factos diretos.

“Não temos prova de haver incendiários que tenham cometido estes crimes por interesses económicos escondidos. Em teoria, pode até haver casos destes, mas as autoridades nunca o comprovaram“, explicam ao semanário fontes policiais.

As fontes descreveram ainda as três teses que se repetem todos os verões, sobre quem são os incendiários, mas que, muitas vezes, não passam de conspirações:

  • Pirómanos que põem fogo durante a noite em vários pontos da floresta para dificultar a vida aos bombeiros;
  • Alianças obscuras entre madeireiros, cujo objetivo é comprarem a madeira mais barata;
  • Empresas fornecedoras da proteção civil de material de combate às chamas, que enriquecem com os incêndios.

Só que, quando se investiga, muitas destas ignições são “simplesmente projeções que têm origem num outro local afetado pelas chamas e que acabam por dar origem a um novo incêndio, por vezes iniciado a grande distância” – explica uma das fontes militares.

Vale de Judeus foi “grave”

Rita Júdice admitiu que a fuga de reclusos da cadeia de Vale de Judeus foi “uma situação grave” e realçou que o Governo está a adotar medidas para evitar que a repetição destes casos.

“Isto que aconteceu não poderá voltar a acontecer“, vincou, garantindo que o seu ministério está a atuar para melhorar os aspetos de segurança das cadeias, onde decorre uma auditoria com esse propósito.

Rita Alarcão Júdice reconheceu que a fuga de cinco reclusos teve contornos “caricatos” e justificou que até então a única situação que tinha sido reportada era a “falta de água”, problema crónico que já constava de um relatório de 2017.

A ministra referiu que este problema da água em Vale de Judeus “está a ser resolvido” e lamentou a situação em que encontrou o sistema prisional, referindo que “a situação que encontrou é pior do que imaginava“, com problemas ao nível da sobrelotação e do edificado, entre outras.

A ministra prometeu “acautelar a situação” para melhorar as condições nas prisões, dando seguimento às obras “necessárias e urgentes”, e gerindo da melhor forma os recursos humanos e outros que disse serem “escassos”.

A ministra revelou que, em casos de fuga nas prisões, existia um protocolo de atuação que datava de 2017, o qual “nunca foi atualizado”, tendo este protocolo interno da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais desadequado contribuído para que houvesse atrasos e dificuldades de comunicação e de alerta após a fuga.

“O processo subsequente à fuga não correu bem. O protocolo de fuga estava desatualizado”, disse a titular da pasta da Justiça, garantindo que a atualização devida está a ser feita com a DGRSP.

Na audição, Rita Alarcão Júdice anunciou que, em janeiro de 2025, avança o processo para a concretização de 205 promoções de chefias da guarda prisional, abrangendo 45 chefes, 150 guardas, cinco chefes principais e cinco comissários principais.

Por iniciativa de alguns deputados, foi trazida à discussão o fecho anunciado do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), tendo a ministra dito que “não é aconselhável que se deixe de fazer investimentos” nesta cadeia apenas porque a mesma vai ser encerrada e já não pertence ao património do Ministério da Justiça.

“Não podemos fazer isso (deixar de investir) só porque o EPL vai ser desativado”, disse, notando que ali estão muitos reclusos, incluindo presos preventivos.

Não é autoritarismo

A ministra da Justiça rejeitou que a alteração das regras de nomeação de advogados oficiosos seja uma reação à bastonária e ao protesto da Ordem dos Advogados, depois de acusações de autoritarismo e retrocesso nos direitos.

“Aprovou uma portaria que é uma portaria inaceitável, ilegal e autoritária. É um retrocesso em matéria de direitos, liberdades e garantia e estamos agora a festejar 50 anos do 25 de Abril. (…) Esta portaria, que quer resolver um problema, introduz arbitrariedade onde havia transparência e onde havia escrutínio e viola a lei de acesso ao direito”, acusou a deputada socialista Isabel Moreira.

A alteração à portaria da nomeação de defensores oficiosos, que prevê que os tribunais, o Ministério Público (MP) e os órgãos de polícia criminal (OPC) possam nomear em caso de falhas nas escalas da Ordem dos Advogados (OA), foi publicada na quinta-feira em Diário da República e entra sexta-feira em vigor.

O diploma foi anunciado na terça-feira pelo Ministério da Justiça, ainda antes da sua efetiva publicação, e surge numa altura em que decorre um protesto da OA às defesas oficiosas desde o início de setembro, introduzindo uma alteração que segundo a tutela visa “suprir uma falha na regulamentação” da portaria que existia desde 2008.

Isabel Moreira considerou que a portaria está “em linha” com o pensamento do autarca de Lisboa, Carlos Moedas, que recentemente defendeu poderes de detenção para a polícia municipal.

Para a deputada disse ver “um padrão”, depois de o primeiro-ministro, Luís Montenegro ter pedido “mão pesada” para os “criminosos dos incêndios”, o que Isabel Moreira considerou “muito grave, porque é populismo indiferente à separação de poderes”, sublinhando que é aos tribunais que compete aplicar penas.

“Com esta portaria está-nos a dizer que acha normal, por exemplo, que o defensor oficioso dos arguidos seja nomeado pelo Ministério Público que os acusou, ou pelos órgãos de polícia criminal que os detiveram. Essa portaria torna isso possível e isso é gravíssimo”, acusou a deputada socialista, que considerou estar em causa a transparência de um processo, as garantias de defesa e a separação de poderes.

Isabel Moreira acusou ainda a ministra de publicar uma portaria para resolver a não atualização da tabela de honorários dos advogados oficiosos, o que a ministra, na resposta, negou, referindo negociações em curso com a OA.

“O que aqui estamos a fazer é: se existir um advogado disponível para apoiar alguém que precisa e o sistema falhar, esse advogado vai poder acompanhar a pessoa. Até quando há direito à greve ninguém deve ser impedido de trabalhar e temos muitos advogados que querem fazê-lo”, disse Rita Alarcão Júdice, passando depois a defesa da portaria à secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria Clara Figueiredo, algo que se repetiu ao longo da audição.

Clara Figueiredo disse que a prevalência da nomeação de advogado oficioso se mantém na OA, que nada “de material” foi alterado com a nova portaria em relação à anterior e que a nomeação pelos tribunais, pelo MP ou OPC já existia antes.

A governante disse que o mecanismo introduzido na lei pretende ser “um desbloqueio” e “consagrar um princípio absolutamente excecional” para garantir que os arguidos não ficam sem defensor, caracterizando-o como um recurso a ser usado apenas quando não for possível aceder ao sistema da OA, acrescentando ainda que os advogados são livres de recusar a nomeação.

Não consigo perceber como é que se entende este regime, que tem como único propósito garantir a assistência judiciária a quem dela precisa, como uma intervenção com tiques de autoritarismo”, disse, em resposta a Isabel Moreira.

ZAP // Lusa

Siga o ZAP no Whatsapp

1 Comment

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.