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Grãos de café Excelsa (Coffea liberica var. excelsa)
O grão Excelsa é originário do Sudão do Sul e de outros países africanos, incluindo o Congo e o Uganda. Com um característico aroma doce, pode vir a colmatar a crescente escassez de café no mercado. Mas o café precisa de paz…
O café Excelsa está a entusiasmar os habitantes do do Sudão do Sul, na grande maioria afetados pela pobreza, e a atrair o interesse da comunidade internacional no meio de uma crise global do café — cujos preços registaram aumentos históricos nos últimos anos.
À medida que os principais países produtores de café se esforçam por cultivar as colheitas com um clima mais seco e menos fiável, a indústria esforça-se por encontrar soluções para contraria a subida dos preços — que recentemente atingiram os valores mais elevados das últimas décadas.
Segundo peritos citados pela Fast Company, as estimativas de produção do Brasil, o maior produtor de café do mundo, mas muito afetado pela seca, apontam para uma quebra de cerca de 12% na colheita deste ano.
“O que a história nos mostra é que, por vezes, o mundo não nos dá escolha e, neste momento, há muitos produtores de café que sofrem com as alterações climáticas e que estão a enfrentar esta situação difícil”, afirmou Aaron Davis, diretor de investigação sobre o café no Royal Botanic Gardens, Kew, em Londres.
É neste ponto que o café Excelsa (Coffea liberica var. dewevrei), membro da família liberica, pode desempenhar um papel fundamental na inversão do caminho que está a levar o café a desaparecer — ou tornar-se um produto de luxo.
Originária do Sudão do Sul e de uma série de outros países africanos, incluindo o Congo, a República Centro-Africana e o Uganda, esta variedade é também cultivada na Índia, na Indonésia e no Vietname.
As raízes profundas da árvore, as folhas grossas e coriáceas e o tronco grande permitem-lhe prosperar em condições extremas, como a seca e o calor, onde outros cafés não conseguem. Com um aroma único, o Excelsa é também resistente a muitas das pragas e doenças comuns do café.
No entanto, representa menos de 1% do mercado global, muito atrás das espécies arábica e robusta, que são os cafés mais consumidos no mundo.
Poderia esta variedade colmatar a escassez crescente de grãos de café no mercado? Para tal, dizem os especialistas, teria que ser possível escalar a sua produção.
O café no Sudão do Sul
Ao contrário dos vizinhos Etiópia ou Uganda, o Sudão do Sul, rico em petróleo, nunca foi conhecido como um país produtor de café.
Os colonizadores britânicos cultivavam robusta e arábica, mas grande parte dessa produção parou durante décadas de conflito, que obrigou as pessoas a abandonar as suas casas e dificultou a agricultura. Os cafeeiros requerem cuidados regulares, como a poda e a monda, e demoram pelo menos três anos a dar fruto.
Durante uma reportagem recente da Associated Press na região de Nzara, considerada o celeiro do país, os habitantes recordaram que os seus pais e avós cultivavam café, mas grande parte da geração mais jovem nunca o tinha feito.
Muitos estavam familiarizados com a excelsa, mas não se aperceberam da sua singularidade, nem do seu nome, referindo-se a ela como “a árvore grande“, tipicamente mais alta do que as espécies arábica e robusta, que são normalmente podadas para se tornarem arbustos ou sebes.
As árvores de excelsa podem atingir 15 metros de altura, mas também podem ser podadas muito mais curtas para facilitar a colheita.
O café produzido a partir da excelsa tem um sabor doce, ao contrário do robusta, com toques de chocolate, frutos pretos e avelã. É mais semelhante ao arábica, mas geralmente menos amargo e pode ter menos corpo.
“Sabe-se tão pouco sobre este café que nos sentimos na vanguarda da tentativa de o desvendar e estamos a aprender todos os dias”, explica Ian Paterson, diretor-geral da Equatoria Teak, empresa agroflorestal sustentável que opera no país há mais de uma década.
A empresa está a fazer ensaios com excelsa há anos. Os resultados iniciais são promissores, com as árvores capazes de suportar o calor muito melhor do que outras espécies, disse a empresa.
A empresa está também a para reavivar a indústria do café e aumentar a produção. Há três anos, a empresa deu formação a cerca de 1.500 agricultores para os ajudar a cultivar o café — que podem depois vender à Equatoria Teak para transformação e exportação.
Equatoria Teak

Um grupo de sudanesas extrai grãos Excelsa numa plantação da Equatoria Teak
Muitas das árvores começaram a produzir pela primeira vez este ano, e Paterson espera exportar brevemente o primeiro lote, de cerca de sete toneladas. para lojas especializadas na Europa.
Até 2027, o café poderá injetar cerca de 2 milhões de dólares na economia do Sudão do Sul, e grandes compradores como a Nespresso já manifestaram interesse na variedade sudanesa. Mas é necesário triplicar a produção para que valha a pena os grandes compradores investirem.
E isso, explica Paterson, pode ser um desafio no Sudão do Sul, onde a falta de infra-estruturas e a insegurança dificultam o escoamento do café.
Um camião com 30 toneladas de café tem de viajar cerca de 3.000 km para chegar ao porto mais próximo, no Quénia, e ser enviado. O custo da primeira parte dessa viagem, através do Uganda, é superior a 7.500 dólares, o que representa até cinco vezes o custo nos países vizinhos.
É difícil atrair investidores
Apesar de um acordo de paz, celebrado em 2018, ter posto fim a uma guerra civil que assolou o país durante de cinco anos, persistem focos de luta, e as tensões na região aumentaram recentemente, depois de o presidente ter destituído o governador local, provocando a ira dos seus apoiantes.
O governo diz que as empresas podem operar em segurança, mas avisou-as para se concentrarem nos negócios.
O Ministro da Agricultura sudanês, Alison Barnaba, diz que há planos para reabilitar antigas plantações de café e construir uma escola de agricultura, mas os pormenores são obscuros, incluindo a proveniência do dinheiro.
Além disso, o Sudão do Sul não paga aos seus funcionários públicos há mais de um ano e a rutura de um oleoduto crucial que atravessa o vizinho Sudão fez afundar as receitas do petróleo.
A cultura do café também nem sempre é fácil. Os agricultores têm muitas vezes de enfrentar os incêndios que se propagam rapidamente na estação seca e dizimam as suas colheitas.
Os caçadores usam os incêndios para assustar e matar animais e os residentes usam-nos para limpar terrenos para cultivo. Mas os incêndios podem ficar fora de controlo e há poucas medidas para responsabilizar as pessoas, dizem os residentes.
Para as comunidades de agricultores sudaneses, o café Excelsa representa a esperança num futuro melhor, a oportunidade de conseguir a independência financeira, porque dependem do governo ou de ajuda estrangeira para subsistir — e quando esta não chega, não são capazes de cuidar da família.
Para que a produção de Excelsa possa prosperar na região, dizem os agricultores, é preciso uma mentalidade de longo prazo — e estabilidade.
Em fevereiro, um agricultor ouvido pela AP perdeu metade da sua colheita de café devido a um incêndio. Planeia substituí-la, mas está desanimado com o trabalho que vai ter e com a falta de lei e ordem para responsabilizar as pessoas.
“Durante uma guerra, as pessoas não pensam a longo prazo, como as culturas de café”, diz o agricultor. “O café precisa de paz.”