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Governo proíbe entrada de jornalistas em dois ministérios: “É uma democracia assim-assim”

Relato na primeira pessoa, de quem não conseguiu cobrir uma manifestação como era suposto. Jornalistas da RTP passaram pelo mesmo.

Na sexta-feira passada, dia 10 de Março, decorreu uma manifestação à porta do Ministério da Justiça.

Dezenas de manifestantes mostraram que estão contra o arquivamento da investigação às mortes de Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues – morreram na prisão em Setembro de 2021.

Nuno Viegas, jornalista do Fumaça, estava lá. E relatou, na primeira pessoa, que não conseguiu cobrir a manifestação como era suposto.

As mães dos dois jovens falecidos queriam entregar à ministra da Justiça uma carta de questões e reivindicações.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) estava no local e um agente informou que só poderiam entrar duas pessoas – entraram precisamente as mães, que falaram b com dois representantes do Governo.

Nuno Viegas, “com carteira de jornalista na mão”, também queria entrar mas o agente da PSP repetiu que só podiam entrar duas pessoas.

A partir daí a conversa foi com João Ramos, responsável pela equipa da PSP no Ministério da Justiça.

“Não pode entrar porque, é assim, daquelas portas para dentro não pode”, explicou.

Nuno Viegas explicou ao responsável da PSP que o estatuto do jornalista dá direito a aceder a locais abertos ao público.

“É privado. Por isso é que à porta dos ministérios tem uma porta transparente. Todos. Pode filmar o que quiser. Agora, daquelas portas para dentro, meu caríssimo, não pode”.

Os jornalistas – também estavam lá Bernardo Afonso e Joana Batista – nunca disseram que queriam filmar.

“Se eu agora quisesse ser atendido na recepção, não podia?”, perguntou Nuno. “Só pode ser atendido se tiver um motivo válido. E eu sei o que é que o senhor quer, que é filmar”, assegurou o elemento da PSP.

Mesmo repetindo a garantia que ninguém iria filmar, nenhum jornalista entrou no hall de entrada do ministério – não queriam ir aos gabinetes ou à secretaria, iriam ficar no hall de entrada.

“Ouça, eu as leis, olhe, é a Constituição, é o Penal, é o Código Penal. Acha que eu sei isso tudo de cor?”, perguntou o responsável da PSP, enquanto se riu e deu uma palmada amigável ao jornalista.

Perante a insistência do trio de jornalistas, entrou no ministério, recebeu uma indicação e voltou a sair com outro recado: “Só com autorização do gabinete aqui do ministério, e eles não autorizam. Já está fora da nossa jurisdição. Daí aquela parte de eu lhe dizer que isto está agora tudo com vidros. Podem filmar daqui, podem fazer o que quiserem. Aqui fora. Agora, dentro, não. Então, vá, bom trabalho”.

O jornalista do Fumaça sublinha que esta é uma “restrição ilegítima e injustificada à liberdade de imprensa e ao direito a informar”.

Nenhuma entidade “deve ter o poder de impedir jornalistas devidamente identificados de permanecer na recepção de um edifício ministerial, em horário laboral, para fins de interesse público”.

Nuno Viegas denunciou o caso junto da Comissão Profissional da Carteira de Jornalista e do Sindicato dos Jornalistas; e também decidiu denunciar publicamente esta situação – porque foi o próprio João Ramos, da PSP, a “convidar” o jornalista a recorrer: “Pode dizer que o impediram de entrar aqui para filmar. Atenção, para filmar. Não é para tratar de um assunto particular”.

Já o Ministério da Justiça explicou que o seu hall de entrada, apesar de ser um espaço público de acesso livre a todos os cidadãos, tem o “direito de autorizar a recolha de imagens no interior”.

O Ministério contou também ao Fumaça que, de facto, teve conhecimento de um pedido de recolha de imagens – esse pedido foi feito por João Ramos, da PSP, referindo-se…ao Fumaça. E o Fumaça não fez esse pedido.

Três dias depois, a RTP tentou cobrir uma manifestação à porta do Ministério da Habitação e Infraestruturas. Protestavam contra os despejos em bairros de Lisboa. Diversos manifestantes entraram no hall de entrada do Ministério, mas os jornalistas também foram impedidos de entrar naquele espaço.

“A repetição agrava. Justifica-me o diagnóstico pessoal de uma democracia assim-assim, em que se recorre a ficções de transparência para impedir o escrutínio prático”, finaliza Nuno Viegas.

ZAP //

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