808 milhões de euros por gastar na gestão de incêndios. “Estado não tem vontade de os evitar”

José Coelho / LUSA

Investimento do Estado na gestão de fogos 25% abaixo do previsto, aponta relatório publicado esta terça-feira. Agricultores culpam falta de “capacidade, competências ou vontade” e extinção do Ministério da Agricultura.

A despesa executada do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) entre 2020 e 2024 está 25% abaixo do previsto, mas os meios envolvidos nunca foram tão elevados, foi anunciado esta terça-feira.

Segundo um relatório da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), “no período 2020-2024, a despesa executada no SGIFR totalizou 2.427 milhões de euros, 25% abaixo (-808 milhões de euros) do previsto (3.235 milhões de euros) nos instrumentos de planeamento”, que incluem o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) e Programa Nacional de Ação (PNA).

De acordo com o relatório, que inclui valores desde 2017, 21% da despesa refere-se a incentivos de “apoio à agricultura em territórios vulneráveis e produção pecuária ligada à gestão de combustível”, 16% à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) e Associações de Bombeiros Voluntários, 16% para o reforço dos meios da Força Aérea, 15% para ações da GNR de “fiscalização, vigilância, investigação e supressão” de incidentes e 15% para o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

No caso da ANEPC, há um acréscimo de 58% dos recursos humanos desde 2017 e um aumento de 62% de veículos, no mesmo período, refere o relatório. No total, a despesa para a autoridade de proteção civil teve em 2024 “um aumento de 186% face a 2017, passando de cerca de 36 ME para 103 ME”.

No que respeita às Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários e ao dispositivo aéreo militar, os valores duplicaram desde 2017. No caso da GNR, houve um “aumento de 90% em 2024, face a 2017 (de 48ME para 91ME)”, pode ainda ler-se no documento.

A AGIF foi criada em 2018, para “acelerar a transição para a gestão integrada de fogos rurais” e é “a entidade responsável pelo planeamento, coordenação estratégica e avaliação do SGIFR”.

As verbas contabilizadas pela AGIF resultam das despesas dos vários ministérios e serviços estatais ao longo do período em análise.

Estado “não tem capacidade, competências ou vontade”

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) defendeu esta terça-feira que o Estado não tem “capacidade, competências ou vontade” de evitar que os incêndios se repitam e acusou o Governo de desconsiderar as organizações do setor.

“[…] O Estado português, independentemente do Governo, dos autarcas ou dos responsáveis públicos em funções, não tem capacidade, competências ou vontade para evitar que esta situação se repita”, defendeu o presidente da CAP, Álvaro Mendonça e Moura, em resposta à Lusa.

O antigo embaixador sublinhou que Portugal nunca teve tantos funcionários públicos, mas ao mesmo tempo apresenta uma “fraca capacidade de planear e intervir no território”.

Para esta situação, conforme apontou, contribuiu também o desmantelamento do Ministério da Agricultura, iniciado em Governos anteriores.

Apesar de louvar a rapidez com que o executivo de Luís Montenegro adotou medidas de apoio, condenou que tenha esquecido as organizações e associações de produtores e agricultores, que disse poderem sublinhar um papel fundamental.

“Desconsiderar o papel das organizações e associações locais é um sinal claro de que mais uma vez, enquanto o país arde, é a realidade fresca dos gabinetes ministeriais a ditar a pauta de uma música que sairá sempre desafinada”, insistiu.

Por outro lado, a CAP referiu que os critérios para a atribuição de compensações têm de ser iguais para todos e que as câmaras não têm capacidade técnica para avaliar os prejuízos agrícolas e florestais. Esta responsabilidade, segundo a confederação, cabe às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), em colaboração com as organizações de agricultores e produtores.

No que se refere às compensações pela perda de habitações, Álvaro Mendonça e Moura considerou ser preciso acautelar que “não se cristaliza a ideia de que os seguros são dispensáveis”.

Já sobre medidas como a isenção de um ano de contribuições para a Segurança Social para as empresas afetadas pelos fogos ou a possibilidade de recorrer ao regime de redução ou suspensão dos contratos de trabalho (lay-off), Mendonça e Moura disse que podem ter um efeito mínimo momentâneo, mas pouco podem contra aquilo que as empresas e populações do interior já interiorizaram: “Para o ano há mais (incêndios)”.

Os fogos provocaram este ano já quatro mortos, incluindo um bombeiro, e vários feridos, alguns com gravidade, e destruíram total ou parcialmente casas de primeira e segunda habitação, bem como explorações agrícolas e pecuárias e área florestal.

Portugal ativou o Mecanismo Europeu de Proteção Civil, ao abrigo do qual dispõe de dois aviões Fire Boss, um helicóptero Super Puma e dois aviões Canadair. Segundo dados oficiais provisórios, até 23 de agosto arderam cerca de 250 mil hectares no país, mais de 57 mil dos quais só no incêndio que teve início em Arganil.

ZAP // Lusa

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