A frase fatídica de Kamala Harris que pode explicar a sua derrota

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Will Oliver / EPA

Kamala Harris

Kamala Harris não conseguiu explicar o que faria de forma diferente de Joe Biden se fosse eleita. Esta proximidade ajuda a explicar a sua derrota.

A contagem ainda não está fechada, mas as projeções indicam que a vitória de Donald Trump será maior do que o esperado. Depois de as sondagens terem chegado a dar uma vantagem confortável a Kamala Harris — que foi escorregando nas últimas semanas até ao empate técnico — o que explica este desaire?

Numa entrevista ao programa The View no mês passado, a candidata proferiu uma frase que pode resumir as várias explicações que estão a ser apontadas para a sua derrota. Questionada sobre o que faria diferente de Joe Biden, Harris atrapalhou-se e admitiu: “Não me vem nada à cabeça“.

Este momento, que foi rapidamente aproveitado pela campanha de Trump num anúncio, resume um dos principais problemas da campanha de Kamala Harris — a dificuldade de se separar do legado de um Presidente cuja taxa de aprovação andou frequentemente no vermelho durante o mandato.

Numa altura em que as sondagens nos últimos meses revelam que a grande maioria da população acredita que o país está a ir no caminho errado — principalmente em questões importantes para os eleitores como a inflação e a imigração — a associação de Kamala Harris ao status quo após quatro anos ao lado de Joe Biden foi um dos grandes entraves à sua campanha e à sua tentativa de se posicionar como uma “nova geração de liderança”.

Nas últimas semanas, Kamala Harris também centrou grande parte da sua campanha nos ataques a Donald Trump e na ameaça que o seu regresso ao poder representa para a Democracia, descrevendo-o como um fascista “desequilibrado e instável”.

Há analistas que consideram que este foi um grande erro da campanha, já que a candidata parecia mais preocupada em dizer aos eleitores as razões pelas quais não deviam votar em Trump do que explicar-lhes porque deviam votar antes nela.

“Kamala Harris perdeu esta eleição quando se virou para se focar quase exclusivamente em atacar Donald Trump. Os eleitores já sabem tudo sobre o Trump, mas queriam saber sobre os planos para Harris para a primeira hora, primeiro dia, primeiro mês e primeiro ano da administração”, comentou Frank Luntz no X.

Eleitorado Democrata fragmentado

A vitória de Trump tornou-se quase certa quando o ex-Presidente foi dado como o vencedor da Pensilvânia, tida como o mais decisivo dos sete estados decisivos. É um estado que os Democratas só perderam uma vez desde 1988, precisamente para Donald Trump, em 2016.

Para além da Pensilvânia, Trump também venceu no Wisconsin e tem uma pequena vantagem no Michigan, podendo assim reconquistar os três estados do rust belt que perdeu para Joe Biden em 2020.

Esta recuperação de Trump poderá ser explicada pelas suas promessas no plano do comércio, o mesmo argumento que usou em 2016 na sua vitória contra Hillary Clinton. Na altura, o candidato Republicano denunciou o Nafta (acordo com o México e o Canadá) como o pior acordo comercial da história dos Estados Unidos e atacou Clinton devido ao seu apoio ao TPP (acordo com nações do Pacífico).

Estes acordos de comércio livre são frequentemente apontados com a causa do declínio das indústrias nos estados do midwest — precisamente a Pensilvânia, o Michigan e o Wisconsin —, já que facilitaram o outsourcing da mão de obra e tornaram mais barato para as empresas abrir fábricas noutros países. O grupo progressista Economic Policy Institute estima que os EUA perderam 682 mil empregos devido ao fim das tarifas determinado no Nafta.

As promessas trumpistas de trazer os empregos de volta e impor tarifas protecionistas às importações (especialmente vindas da China), assim como o seu discurso populista e a ideia de que não é um político “do costume”, terá ajudado a convencer os eleitores a cair para o lado Republicano.

A ideia generalizada de que Biden era próximo das causas laborais, sendo até conhecido como “Union Joe” ou “Joe Sindicalista“, pode ter sido o trunfo que ditou a sua vitória nestes estados em 2020. Harris, que não tem a mesma reputação, não conseguiu cativar este eleitorado.

A campanha de Harris também dedicou recursos significativos a quatro estados decisivos do Sun belt – Arizona, Nevada, Geórgia e Carolina do Norte – mas parecia improvável que vencesse em qualquer um deles.

Os Democratas esperavam ganhar a Casa Branca conquistando eleitores Republicanos anti-Trump e independentes, mas esses esforços não funcionaram. E enquanto cortejava os Republicanos mais moderados, Harris também foi perdendo apoio em grupos demográficos historicamente Democratas, como os eleitores negros, latinos e jovens.

Harris conquistou os eleitores negros com uma margem de 86%-12% e os latinos de 53%-45% em comparação com Trump, de acordo com sondagens à boca de urna da CNN. Mas nas eleições de 2020, Biden conquistou os eleitores negros por uma margem mais ampla de 92%-8% sobre Trump, e os eleitores latinos com uma margem de 65%-32%.

Entre os mais jovens, Kamala também perdeu terreno. As falhas dos Democratas em responder a vários dos temas que mais preocupam os jovens, como a crise climática e o apoio à causa Palestiniana, podem explicar este deslize, com a candidata dos Verdes Jill Stein a surgir como uma alternativa.

Os homens jovens, especificamente, também explicam a quebra de Kamala Harris, tanto no eleitorado jovem como nos negros e nos latinos. Uma pesquisa do New York Times revela que Trump conseguiu o voto de 27% dos homens negros e 55% dos latinos na faixa etária até aos 45 anos.

Poucos testes eleitorais de Harris

Apesar de ter surgido como a sucessora óbvia após Joe Biden ter desistido da corrida, a verdade é que a aposta em Kamala Harris foi sempre uma aposta arriscada. Fora da fortaleza Democrata da Califórnia, Harris nunca tinha sido testada uma eleição, já que desistiu das primárias de 2020 ainda antes de ir a votos.

Na altura em que Biden anunciou a aposta em Harris para vice-presidente, houve alguma surpresa, já que se antecipava que a escolha recaísse sobre uma mulher mais próxima de um dos estados decisivos e com capacidades comprovadas de vencer em corridas apertadas contra os Republicanos.

Ao mesmo tempo, as sondagens mostraram consistentemente que os norte-americanos estão mais nostálgicos e têm melhores recordações dos quatro anos de Trump no cargo, particularmente da sua liderança na economia — do que quando ele estava na Casa Branca.

Adriana Peixoto, ZAP //

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2 Comments

  1. “Kamala Harris não conseguiu explicar o que faria diferente de Joe Biden, se fosse eleita. Esta proximidade ajuda a explicar a sua derrota”. Não posso estar mais de acordo. O mérito do ganho de Trump deve ter menos que ver com as suas virtudes, e muito mais a ver com o trabalho desastroso do governo Biden. Desengane-se quem pensa que muita coisa vai mudar para melhor com o novo governo. Como nós dizemos em Portugal, o cagalhão é o mesmo, só as moscas mudam.

  2. Como pessoa deixa muito a desejar e como política ainda deixa mais. Em campanha atacar os Católicos e a dizer que eles não tem nada que apoiar e o desprezo por pessoas de cor branca também… E fazer campanha igual ao BE e o fanatismo com Gaza… Muitos erros fatais.

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