O tempo dos relógios nucleares está próximo: a um pequeno salto de energia.
Pela primeira vez, cientistas utilizaram um laser portátil para fazer saltar um núcleo atómico para um estado de energia mais elevado.
A proeza coloca os cientistas no caminho da criação do primeiro relógio nuclear, que manteria o tempo padrão baseado no funcionamento interno dos núcleos atómicos.
“Este é um avanço notável”, diz Olga Kocharovskaya, física da Texas A&M University, que não esteve envolvida na investigação, citada pela Science News.
Em comparação com os relógios atómicos, atualmente os mais precisos que existem, os relógios nucleares podem ser mais simples, mais portáteis, e poderiam ser usados para testar teorias fundamentais da física de novas formas.
Com a experiência agora realizada, um relógio nuclear parece mais viável do que nunca. “Sabemos agora que é concetualmente viável”, considera Peter Thirolf, físico da Ludwig-Maximilians-Universität München na Alemanha.
Os relógios atómicos mais conhecidos baseiam-se na física dos electrões que rodeiam os átomos. No interior desses átomos, os electrões encontram-se em níveis de energia individuais.
Para que um eletrão salte para um determinado nível de energia superior, é necessário que lhe seja fornecida a quantidade certa de energia de um laser. Essa energia corresponde a uma frequência específica da luz do laser.
Para encontrar essa frequência, os cientistas apontam um laser para um conjunto de átomos e fazem um varrimento da frequência do laser até os electrões darem o salto. Essa frequência é então usada, como um metrónomo atómico, para marcar o tempo.
Os relógios nucleares usariam as transições dos núcleos atómicos, e não dos electrões, para marcar o tempo.
Embora a maioria dos núcleos atómicos tenha níveis de energia demasiado afastados para que um laser possa dar esse salto, há um núcleo especial que é um caso isolado: uma variedade do elemento tório, o tório-229, tem um salto de energia invulgarmente pequeno, acessível aos lasers.
Até há pouco tempo, os cientistas não conheciam muito bem a dimensão desse salto. Em 2023, porém, os cientistas mediram-no com precisão nunca antes vista, o que lhes permitiu dar o passo seguinte.
No seu estudo, que foi aceite para publicação na Physical Review Letters, os investigadores utilizaram um laser para fazer saltar os núcleos de tório-229 para um nível de energia mais elevado e observaram a luz emitida no salto de regresso ao estado inicial.
A experiência permitiu determinar a energia da transição: 8,35574 electrões-volt, um número que é consistente com a medição de 2023, mas é cerca de 800 vezes mais preciso.
Para criar um relógio nuclear, os cientistas terão de aumentar ainda mais a precisão desta medição.
“Quando vimos este sinal, ficámos muito entusiasmados, claro“, diz o físico Ekkehard Peik, investigador do Instituto Nacional de Metrologia da Alemanha, em Braunschweig, e co-autor do estudo. “Foi uma longa busca“.
Peik propôs pela primeira vez a ideia de fazer relógios nucleares com tório-229 num estudo de 2003 de que é coautor.
Na experiência, o tório-229 foi incorporado num cristal de fluoreto de cálcio, o que difere dos relógios atómicos, nos quais os átomos estão contidos numa câmara de vácuo.
A possibilidade de fabricar futuros relógios nucleares a partir de materiais sólidos é parte do seu atrativo: “Potencialmente, poder-se-ia imaginar a construção de um sistema muito mais simples e portátil, que poderíamos levar para fora do laboratório”, diz o físico Jun Ye do JILA em Boulder, no Colorado, que não esteve envolvido na nova investigação.
Como os relógios nucleares se baseiam numa física diferente da dos relógios atómicos, a comparação dos dois tipos de relógios pode permitir novos estudos sobre a física fundamental.
Por exemplo, os cientistas poderiam procurar variações nas constantes fundamentais da natureza, um conjunto de números que regem o cosmos e que são normalmente considerados imutáveis.
Mas há ainda há muito trabalho a fazer até se conseguir construir um relógio nuclear. E mesmo depois de os cientistas os construírem, diz Ye, “serão necessários anos, se não décadas, de trabalho para alcançar os relógios atómicos”.
“Mas o simples facto de se poder ter podido ver esta transição abre a porta” aos relógios nucleares, conclui Ye.