EUA querem travar uma “violenta e agressiva” unidade de defesa de Israel

Abir Sultan / EPA

Soldados de Israel na Faixa de Gaza

EUA prestes a pisar “linha vermelha” traçada por Israel e a sancionar a Netzah Yehuda, divisão ultraortodoxa das Forças de Defesa de Israel (IDF) que parece atuar como uma milícia independente. “Lutarei contra isso com todas as minhas forças”, garante Netanyahu.

Os Estados Unidos (EUA) e Israel têm estado envolvidos em intensas discussões sobre a possibilidade de Washington sancionar uma unidade das Forças de Defesa de Israel (IDF), na sequência de relatos de uma série de violações dos direitos humanos cometidas contra civis palestinianos na Cisjordânia, ainda antes do início do conflito de Gaza, a 7 de outubro.

A Netzah Yehuda é uma divisão ultraortodoxa das IDF criada como forma de encorajar os judeus Haredi, atualmente isentos do serviço militar, a entrar nas forças armadas israelitas. Em 20 de abril, foi noticiado que a administração Biden estava a considerar sancionar a unidade ao abrigo da “Lei Leahy”, que remete a 1997 e proíbe o governo dos EUA de conceder fundos a unidades de forças de segurança estrangeiras sempre que existam informações credíveis que impliquem essa unidade em “violações graves dos direitos humanos”.

No entanto, na sequência de uma série de trocas de impressões entre os governos dos EUA e de Israel, o Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, declarou que “o governo israelita apresentou novas informações sobre o estatuto da unidade e que os norte-americanos vão empenhar-se na “identificação de um caminho para a reparação efetiva da unidade”.

O batalhão Netzah Yehuda tem estado atolado em controvérsias de má conduta desde muito antes do início das atuais hostilidades com o Hamas. No entanto, um incidente de 2022 irritou particularmente Washington, por envolver um antigo residente palestino-americano de Milwaukee.

Omar Assad, 80, morreu depois de ter sido detido à força e deixado do lado de fora durante a noite numa zona de construção perto de um posto de controlo improvisado das IDF na sua cidade natal na Cisjordânia, Jiljilya.

Assad, que terá sido amordaçado e amarrado quando foi detido, não terá reagido quando foi deixado pelos soldados das IDF. Foi encontrado morto na manhã seguinte. Uma autópsia palestiniana posterior concluiu que Assad, que tinha antecedentes de problemas cardíacos, sofrera uma paragem cardíaca causada pelo stress.

As IDF conduziram uma investigação e dispensaram dois oficiais subalternos da unidade, mas não foram tomadas quaisquer medidas legais. O caso não será isolado — nem o único a ser objeto de investigação por parte do governo dos EUA.

Unidade ultraortodoxa

A Netzah Yehuda, antigo Nahal Haredi, foi criado em 1999 como uma unidade de combate exclusivamente masculina com o objetivo específico de alistar jovens judeus que tinham abandonado as escolas religiosas judaicas ultra-ortodoxas.

Desde a criação do Estado de Israel, em maio de 1948, o serviço militar a prazo fixo é obrigatório para todos os judeus israelitas. Mas a comunidade ultraortodoxa — ou Haredi — sido tradicionalmente isenta do serviço militar.

Um dos principais opositores do primeiro-ministro de Israel e membro do gabinete de guerra admitiu em março demitir-se do cargo e tirar o Partido da Unidade Nacional da coligação caso o Parlamento aprove uma lei que continue a isentar os israelitas ultraortodoxos de combater na guerra entre Israel e o Hamas.

A nação não pode aceitá-la, o Parlamento não deve votá-la. Os meus colegas e eu não seremos membros do Governo de emergência se essa legislação for aprovada no Parlamento”, garantiu Benny Gantz.

É “uma grave falha de valores” que “prejudicaria a unidade e segurança do estado, particularmente durante a guerra”, considera Gantz, cuja relação com Netanyahu tem sido pautada pelo distanciamento e troca de acusações desde a aprovação da coligação, em 2020.

O objetivo do Netzah Yehuda é integrar os jovens haredim nas fileiras das IDF. Ao alistarem-se nesta unidade, podem aderir às suas crenças religiosas rigorosas, uma das quais envolve evitar a interação com mulheres — que também são obrigadas a servir nas forças armadas. Os recrutas da unidade vêm maioritariamente de meios desfavorecidos, empobrecidos e marginalizados.

Os chamados “jovens das colinas” compõem uma boa parte dos Netzah Yehuda. Trata-se de colonos de segunda geração que nasceram e cresceram nos postos avançados ilegais espalhados pelos territórios palestinianos ocupados. Consideram a Judeia e a Samaria, na Cisjordânia, a sua casa, e não Israel propriamente dito.

O antigo primeiro-ministro Ariel Sharon supervisionou a saída das forças israelitas de Gaza em julho de 2005, acompanhada pelo desmantelamento das comunidades de colonos israelitas que viviam na faixa. Desde então, o número de colonos que vivem ilegalmente na Cisjordânia aumentou para mais de 700 mil. Os jovens das colinas têm sido implicados em numerosos casos de violência e agressão contra os palestinianos.

Um aspeto notável desta situação ficou conhecido como a “política de etiqueta de preço”. Também designada por arvut hadadit (ou “responsabilidade mútua”), destina-se a dissuadir o Governo israelita de travar a expansão dos colonatos ou de obrigar os colonos a abandonar os seus postos avançados não autorizados nos territórios ocupados. Jovens e ideologicamente motivados, os colonos cobram um “preço” por aquilo que consideram ser uma traição, atacando palestinianos e vandalizando as suas casas ou locais sagrados.

A ideologia partilhada e a experiência de alienação da sociedade israelita em geral tendem a fomentar a coesão no seio da unidade de combate Netzah Yehuda. Isto, por sua vez, leva a que os soldados se considerem separados do éthos mais alargado das IDF.

O lema do Netzah Yehuda é: v’haya machanecha kadosh (e o teu acampamento será santo). Trata-se de uma citação da Torá, que é levada à letra pelos soldados do batalhão para reforçar — como disse um comandante ao jornal hebraico Maariv em 2017 — que estão numa “missão sagrada”, contribuindo para uma cultura que encoraja a violência desenfreada contra as populações não judias da Cisjordânia.

Sanções

As sanções dos EUA implicariam a proibição de transferir armas dos EUA ou de prestar assistência militar especificamente ao Netzah Yehuda.

Não contradizem necessariamente o empenho do Presidente dos EUA na segurança israelita, frequentemente reforçado. O anúncio de que a Casa Branca estava a considerar a possibilidade de tomar esta medida foi feito um dia depois de o Congresso dos EUA ter aprovado 26 mil milhões de dólares de ajuda militar a Israel.

No entanto, as sanções enviariam um sinal forte a Israel e ao resto do mundo. Seria a primeira vez que Washington sancionaria as IDF com base no incumprimento do direito humanitário internacional. Apesar de afirmar ser “o exército mais moral do mundo”, as IDF não têm estado dispostas a desmantelar um batalhão que parece atuar como uma milícia independente, com pouca responsabilidade perante o comando central.

O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e os membros do seu governo reagiram com raiva à notícia de que os EUA estavam a considerar a possibilidade de impor sanções contra uma unidade das IDF. “Se alguém pensa que pode impor sanções a uma unidade das IDF, lutarei contra isso com todas as minhas forças“, declarou Netanyahu.

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, membro do partido de extrema-direita Otzma Yehudit (Poder Judaico), afirmou que “as sanções contra os nossos soldados são uma linha vermelha“. O seu colega, o ministro das Finanças Bezalel Smotrich — que representa o Partido Sionista Religioso, de extrema-direita —, disse que impor sanções a uma unidade das IDF “enquanto Israel está a lutar pela sua existência é uma completa loucura“.

As IDF afirmam que o Netzah Yehuda “opera de acordo com o Código de Ética das IDF e com total compromisso com o direito internacional”, e que as IDF “continuam empenhadas em continuar a examinar incidentes excecionais de forma profissional e de acordo com a lei”.

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