EUA destroem as últimas armas químicas do mundo. Estaremos livres dos seus “horrores”?

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Wikimedia Commons

Soldados com máscaras de gás na Primeira Guerra Mundial

Os EUA acabam de protagonizar o encerramento de um “importante capítulo da história militar” ao destruir as últimas armas químicas declaradas do mundo. Mas há dois países que podem ter stocks não declarados.

“Hoje, tenho o orgulho de anunciar que os Estados Unidos destruíram com segurança a última munição desse stock — fazendo com que fiquemos um passo mais perto de um mundo livre dos horrores das armas químicas”, disse o presidente dos EUA, Joe Biden.

A destruição dos últimos foguetes remanescentes que contêm o agente nervoso GB encerra décadas de campanha pela destruição de um arsenal que ao fim da Guerra Fria totalizava mais de 30 mil toneladas.

Armas químicas foram usadas pela primeira vez numa guerra moderna na Primeira Guerra Mundial, na qual se estima que essas munições tenham matado ao menos 100 mil pessoas. Apesar de posteriormente banidas pelo chamado Protocolo de Genebra, assinado em 1925 e que entrou em vigor três anos depois, vários países continuaram a acumular armas químicas durante décadas.

O dia 30 de setembro deste ano foi estabelecido como o prazo para os EUA acabarem com seu arsenal no âmbito da Convenção sobre Armas Químicas, acordo internacional que entrou em vigor em 1997 e que conta com a adesão de 193 países.

No Kentucky foram eliminados esta sexta-feira os últimos de um total de 51 mil foguetes que contêm o agente mortal sarin, armazenados desde os anos 1940 no depósito, localizado próximo à cidade de Richmond.

A última munição química do stock declarado de armas químicas dos Estados Unidos foi “irreversivelmente destruída” na sexta-feira numa fábrica em Kentucky, disse a Organização para a Proibição de Armas Químicas em comunicado à imprensa.

Recentemente, outra instalação militar americana, perto de Pueblo, no estado do Colorado, concluiu a destruição das últimas armas químicas que abrigava, iniciada em 2016. A missão de eliminar cerca de 2.600 toneladas de projéteis e morteiros cheios de gás mostarda chegou ao fim no último dia 22 de junho.

Estes representavam cerca de 8,5% do stock original de 30.610 toneladas do agente. No total, cerca de 800 mil munições com gás mostarda foram armazenadas desde a década de 1950 em bunkers, numa área rural a leste de Pueblo.

Batalha de décadas sobre a incineração

Na década de 1980, moradores dos arredores do depósito militar de Blue Grass protestaram contra os planos iniciais de incinerar as 520 toneladas de armas químicas ali armazenadas, iniciando uma batalha de décadas sobre como acabar com o arsenal.

O Exército dos EUA eliminou a maior parte de suas armas químicas incinerando-as em locais mais remotos, como o Atol Johnston, no Pacífico, e um depósito no meio do deserto de Utah.

Mas a instalação no Kentucky fica próxima de Richmond, a apenas algumas dezenas de quilómetros de Lexington, a segunda maior cidade do estado, e a menos de 2 quilómetros de uma escola.

Craig Williams, que se tornou a principal voz da oposição popular, afirmou que moradores temiam que a incineração dos agentes químicos libertasse gases tóxicos. Com a ajuda de legisladores, a população conseguiu fazer com que o Exército apresentasse planos alternativos para a destruição.

O depósito de Blue Grass abrigou agente mostarda e os agentes nervosos VX e sarin, grande parte deles dentro de foguetes e outros projéteis, a partir da década de 1940. A central de incineração do estado foi concluída em 2015 e começou a destruir as armas em 2019.

A instalação usa um processo chamado neutralização para diluir os agentes mortais de modo que possam ser descartados com segurança. Tanto na central de incineração do Kentucky como na de Pueblo, no Colorado, robôs foram usados para eliminar as armas.

Haverá stocks não declarados de armas químicas?

Kingston Reif — que durante anos fez campanha pelo desarmamento e agora atua como vice-secretário adjunto de Defesa dos EUA para redução de ameaças e controle de armas — afirmou que a destruição completa do arsenal químico do país “fechará um importante capítulo na história militar”.

Autoridades consideram a eliminação do arsenal americano um grande passo adiante no âmbito da Convenção sobre Armas Químicas. Somente três países — Egito, Coreia do Norte e Sudão do Sul — não assinaram o tratado. Israel assinou, mas não ratificou o acordo.

Reif destaca que ainda existe a preocupação de que países signatários, especialmente a Rússia e a Síria, possuam stocks não declarados de armas químicas. Oficialmente, a Rússia destruiu seu arsenal em 2017, após o Reino Unido e a Índia fazerem o mesmo em 2007 e 2009, respetivamente.

A Convenção sobre Armas Químicas não acabou com o uso desse tipo de munição. Na guerra civil na Síria, forças leais ao presidente Bashar al-Assad usaram armas químicas no país diversas vezes entre 2013 e 2019.

E de acordo com o IHS Conflict Monitor, organização londrina que analisa dados de inteligência, os combatentes do Estado Islâmico usaram armas químicas pelo menos 52 vezes no Iraque e na Síria de 2014 a 2016, segundo reportagem do New York Times.

Ativistas pelo controlo de armas esperam que o marco alcançado pelos EUA possa motivar os países que ainda não destruíram as suas armas químicas a fazê-lo e também ser usado como modelo para a destruição de outros tipos de munição.

“Isso mostra que os países podem realmente banir armas de destruição em massa”, afirma Paul F. Walker, vice-presidente da Associação de Controle de Armas e coordenador da Coligação da Convenção sobre Armas Químicas.

“Se os países quiserem fazer isso, é preciso apenas vontade política e um bom sistema de controlo.”

1 Comment

  1. Um pormenor:
    As últimos unidades de armas químicas na Rússia foram destruidas há 5 anos atrás – 27 de Setembro de 2017.
    Os prazos da destruição completa previamente enunciados pelos paises para cumprir a Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção, acumulação e uso de armas químicas e de destruição das resercas existentes:
    Rússia – 2015 (2017 de facto)
    USA – 2012 (2023 de facto)

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