Esquerda vs. direita? A história do debate com todos (que teve interrupção inesperada)

Os candidatos dos partidos com assento parlamentar no início do debate sobre as eleições legislativas

Blocos partidários bem definidos atacaram-se mutuamente no suposto “todos contra todos”.

O campus da Universidade Nova SBE, em Carcavelos, que abrigou o “todos contra todos” desta sexta-feira emitido pela RTP, acabou por ser um ringue onde os blocos de esquerda e de direita se esmurraram noite fora.

O Observador fez as contas dos ataques para mostrar que os blocos se pouparam quase a 100%. Pedro Nuno “disparou” para Montenegro 10 vezes e para Rui Rocha e André Ventura — três ataques para cada um. Nunca atacou a esquerda.

Montenegro teve a mira sempre apontada ao rival socialista: 11 ataques contra Pedro Nuno e nenhum dirigido a Ventura ou Rui Rocha.

Ativista invadiu estúdio

O debate, que sentou lado a lado os candidatos de todos os partidos com representação parlamentar, ficou marcado pela interrupção por protestos de ativistas climáticos.

“A crise climática não está na mesa de voto, está nas mãos das pessoas”, gritou o jovem ativista logo após uma intervenção de Pedro Nuno Santos. O já conhecido grupo Climáximo enviou um comunicado, pouco mais tarde, a assumir a autoria do protesto.

O ativista foi rapidamente removido do estúdio, mas os protestos continuaram audíveis durante largos minutos, acompanhados de tinta espalhada nos vidros que ficavam por trás dos oito líderes partidários.

O esclarecimento de Pedro Nuno

O secretário-geral do PS reiterou que não inviabilizará um Governo minoritário da AD “se ficar em segundo no quadro de uma maioria de direita” enquanto o líder do PSD continuou sem esclarecer se viabilizará um governo socialista.

Instado a esclarecer a sua posição face a cenários pós-eleitorais, Pedro Nuno Santos afirmou que o PS governará se ganhar as legislativas antecipadas de março “com maioria absoluta”, se ganhar “com maioria relativa mas conseguir encontrar uma maioria absoluta parlamentar, nomeadamente à esquerda”, se ficar em segundo mas conseguir também uma maioria parlamentar à esquerda ou ainda “se ganhar as eleições num quadro de maioria de direita”, caso o PSD não o inviabilize.

“O PS não governará se ficar em segundo no quadro de uma maioria de direita, mas mesmo nesse cenário não criará nenhum impasse constitucional e, portanto, não apresentará nem viabilizará nenhuma moção de rejeição”, frisou.

Já o presidente do PSD, Luís Montenegro, voltou a não dizer se, em caso de derrota, aceitará viabilizar um governo minoritário do PS, tendo sido acusado por Pedro Nuno Santos de se “esconder atrás de um biombo com medo de dizer o que vai fazer”.

Montenegro recusou “perder tempo com cenários políticos” e repetiu que só será primeiro-ministro “se vencer as eleições”, dizendo que já foi claro quanto à sua política de alianças – na qual se recusa a integrar uma solução com o Chega. “Estou focado em dar resposta aos problemas das pessoas”, insistiu.

Quanto ao tema, a Iniciativa Liberal (IL) mostrou-se bem mais direta do que Montenegro: não viabiliza um governo minoritário do PS.

Justiça: Montenegro admite erro

Não podemos fazer de conta que está tudo a decorrer como era suposto porque não está“, disse Pedro Nuno Santos quando o tema da justiça, um dos mais discutidos nos debates das legislativas, veio à baila.

Quando chegou a vez do Chega, Ventura disse que prejudica as investigações o facto de os partidos não serem coerentes com as suas posições, acusando o PSD de ter pedido a demissão a António Costa mas deixar Miguel Albuquerque no cargo.

Eu não pedi a demissão de António Costa, mas compreendi-a porque era a 14ª demissão de um Governo, uma delas de Pedro Nuno Santos por clara incompetência”, disse Luís Montenegro, interrompido por Pedro Nuno que lhe pediu para não ter essa atitude “não digna para quem quer ser primeiro-ministro”.

Sobre Miguel Albuquerque, o líder do governo da Madeira arguido num processo e que pretende ser reconduzido como líder partidário, Luís Montenegro diz que, se fosse consigo, seguiria um rumo diferente — não voltaria a candidatar-se.

Os dois “choques”

Luís Montenegro criticou o PS por prever um crescimento máximo de 2% nos próximos quatro anos.

“Nós queremos traçar uma trajetória de crescimento que vai desembocar em 2028 com um nível de crescimento entre os 3,4 ou 3,5%, atacando os grandes constrangimentos hoje da economia portuguesa”, propôs o líder do PSD, afirmando que “a fiscalidade é um constrangimento e um bloqueio” para a atração de investimento.

Sobre a descida do IRC defendida à direita, o presidente dos sociais-democratas recuou a 2014, afirmando que a coligação PSD/CDS que na altura governava com Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro, fez um acordo com o PS, liderado à época por António José Seguro, “para descer dois pontos percentuais o IRC”.

“E no final desse ano tivemos mais receita fiscal em sede de IRC, o que quer dizer que o estímulo para a economia funcionou”, sustentou.

Na resposta, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, argumentou que, face a um “clima de incerteza” atual, os socialistas optaram por avançar com um cenário macroeconómico “com precaução” e uma estratégia orçamental “prudente”.

“O choque fiscal que a direita toda junta propõe é ineficaz”, afirmou, defendendo em contraponto um “choque salarial” desejado por outros partidos à esquerda, sustentando que gerará mais produtividade.

Pedro Nuno Santos defendeu que os socialistas têm um projeto do ponto de vista dos rendimentos mais ambicioso do que o da AD, “que projeta para 2030 chegar a um salário médio de 1.750 euros, quando hoje está no acordo de rendimentos assinado com os parceiros sociais atingir os 1.750 em 2027”.

Vocês a escrever são bons e a fazer ‘powerpoints’ também”, ironizou Luís Montenegro.

Pedro Nuno Santos voltou a apontar ao “aventureirismo fiscal” da AD, acusando a coligação de querer levar a cabo “um rombo nas contas públicas”. “Só pode ser uma anedota”, respondeu Montenegro.

O presidente do Chega, André Ventura, argumentou que atualmente o país já vive sob “um choque fiscal do PS”, criticando que Portugal tenha “a nona maior carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho”.

Também à direita, o líder da IL, Rui Rocha, defendeu a sua proposta de redução do IRS, considerando-a mais ambiciosa do que a do PS mas também do PSD, culpou a governação socialista pela saída de jovens do país e apontou como meta chegar a um crescimento de 4% no final da legislatura.

À esquerda, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, criticou “o logro da direita” ao apresentar a redução do IRC como forma de fazer crescer a economia, defendendo “setores com bons salários e alta produtividade”. “A única coisa que a direita é capaz de propor é baixar o IRC para concentrar a riqueza e não produzir mais riqueza”, criticou.

O secretário-geral do PCP, em representação da CDU (coligação PCP/PEV) considerou que em Portugal “não há um problema de falta de riqueza no país, o problema central é como é que essa riqueza é distribuída por quem a produz”.

Pelo Livre, o porta-voz Rui Tavares lamentou “a armadilha dos salários baixos em Portugal” e advogou que “não se sai desta crise com um choque fiscal”.

“Baixas no IRC na teoria económica e nos estudos empíricos que temos não nos dão garantia nenhuma de darem crescimento económico”, defendeu.

A líder do PAN, Inês Sousa Real, defendeu “a revisão dos escalões de IRS à taxa da inflação”, o alargamento do IRS Jovem por mais dois anos além do período atualmente estipulado, um ordenado mínimo nos 1.100 euros até ao final da legislatura e apelou à exploração dos potenciais da “economia verde”.

Saúde aquece debate

Para Luís Montenegro “o que faz sentido é salvar o SNS dos oito anos de desgoverno do PS que trouxe uma situação em que gastamos mais dinheiro e menos capacidade de responder às pessoas”.

“Eu vou aprovar um programa de emergência para a área da Saúde, ao nível das urgências, com reorganização, dar resposta à falta de médicos de família”, explicou.

Para o PCP, o problema central são os salários. O Chega atirou à cara de Pedro Nuno os oito anos de mancha socialista na saúde.

“Existe a três mil milhões de desperdício todos os anos com a marca do PS. A Saúde tem este ano o maior orçamento de sempre, nós precisamos um novo modelo de gestão, sinergias com forças sociais e privadas”, disse André Ventura.

Para Mariana Mortágua, faltam recursos, autonomia e maior investimento em certas áreas — como a saúde mental e oral — do SNS.

ZAP //

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