Angelo Carconi / EPA

Milhares de fiéis já visitaram o túmulo de Francisco, na Basílica de Santa Maria Maior, imponente igreja do século V no centro de Roma, onde o papa decidiu ser sepultado. A espera é de mais de duas horas e meia, mas vale a pena, porque “o Papa merecia” — pelo que fez pelas pessoas que não acreditam.
É uma enchente nunca vista na Basílica de Santa Maria Maior, à qual se deslocaram milhares de fiéis — e há quem recuse sair depois de horas de espera, apenas para estar mais uns instantes com o seu Papa, apesar da multidão.
O papa argentino, que morreu na segunda-feira, aos 88 anos de idade, declarou no final de 2023 que queria ser enterrado nesta basílica romana, e não na cripta da Basílica de São Pedro, como acontece há mais de três séculos.
Muito ligado ao culto da Virgem Maria, Francisco rezava com frequência neste templo, que oficialmente faz parte do território do Vaticano, sendo habitual fazê-lo na véspera ou no regresso de cada uma das suas viagens ao exterior.
“Logo após a escultura da Rainha da Paz (Virgem Maria), há um pequeno recinto, uma porta que leva a uma sala que usavam para guardar os candelabros. Eu vi-a e pensei: É este o lugar“, disse Francisco ao jornalista espanhol especializado em assuntos do Vaticano Javier Martinez-Brocal, no livro ‘El Sucesor’.
O último dos sete papas que escolheram a basílica de Santa Maria Maior para local de repouso foi Clemente IX, em 1669.
O interior da basílica, debruado a talha dourada, funciona quase como caixa de som que diminui o barulho do exterior — e os mais cansados aproveitam as cadeiras colocadas na nave principal para descansar.
É o caso de Maria Santo, uma espanhola que reza o terço a ver o túmulo de Francisco, o que “só por isso” fez valer a viagem da Corunha para Roma, na sexta-feira.
“Não pude vir mais cedo, mas hoje vim para aqui cedo e vou ficar por aqui mais um pouco”, diz, sentada numa das cadeiras mais perto do túmulo, iluminado com uma cor mais intensa que destaca o mármore branco novo.
Ao seu lado, pessoas rezam ou tentam repetir a foto do túmulo que não lhes satisfez quando passaram pelo local, empurrados pelos seguranças.
No sopé da colina onde está a única basílica papal mariana de Roma, as autoridades esticaram fitas para permitir que as filas serpenteassem o monte.
Entre os milhares que aguardavam, está o português João Pedro, 30 anos, vestido com uma ‘t-shirt’ do Sporting, evocando o antigo central gaúcho Anderson Polga, nascido a menos de 30 quilómetros da Argentina de Jorge Bergoglio.
João Pedro tinha marcado uma viagem para Roma, com a mãe e tias, já há alguns meses, mas a morte de Francisco alterou o roteiro previsto. “Já fui à basílica ver o Papa e agora estou aqui. As coisas mudaram um pouco”, transformando uma visita turística numa viagem religiosa.
“Eu não sou crente, elas é que são”, disse o portuense, apontando para as familiares. “Mas estou aqui porque quero, não estou obrigado. Porque o Papa merecia, pelo que fez, pela forma como atraiu as pessoas que não acreditam” e “pela forma como foi um exemplo para o mundo”, explicou.
Agora, quanto ao futuro de uma Igreja em que ainda não acredita, João Pedro tem receio. “Temo que haja algum recuo, porque o que ele fez foi único”, diz.
A espera de duas horas e meia afunila até uma fila indiana.
Maria, funcionária da basílica, nunca viu tal enchente, aumentada depois do fim da missa que assinala o Jubileu dos Adolescentes, na praça de São Pedro, a três quilómetros e meio de distância.
“São 10 mil pessoas por hora. Todos muito respeitadores, todos em silêncio. É bonito ver isto”, observa a funcionária, enquanto orienta os voluntários e elementos da proteção civil que organizam a zona envolvente.
Já à saída da basílica, a Lusa encontrou um grupo de quatro amigos brasileiros, que chegaram a Roma depois de uma visita a Portugal.
Um deles, João Negrini Neto, explica que “por uma feliz coincidência”, já tinham marcado visita para ver a Porta Santa daquela igreja, pelo que não tiveram de esperar tanto tempo quanto aqueles que se deslocaram de propósito para observar o túmulo do Papa Francisco e estiveram na fila.
O brasileiro, acompanhado da esposa e de uns amigos, fez questão de ver o túmulo onde foi sepultado o líder da Igreja Católica, referindo que “é uma oportunidade para as pessoas comuns se despedirem dele, que representou tanto para a humanidade”.
O advogado, 42 anos, confidenciou que se arrepiou nesse momento e indicou que “realmente é uma atmosfera diferente, é uma coisa santa”.
“Há uma devoção muito grande pela figura do Papa. Tenho a certeza de que esta basílica se vai tornar num local de peregrinação, certamente daqui em diante, para a Igreja Católica e para todos os fiéis”, considerou.
Nas grades à frente da Basílica foram depositas algumas flores e alguns ramos e, num prédio em frente, foi colocada uma faixa de grandes dimensões, escrita em letras vermelhas com fundo branco, onde se lê “Grazie, Francesco” (obrigada, Francisco).
No interior, o destaque é mesmo o túmulo do Papa, numa das laterais da basílica, colocando num local secundário o ícone que levou o jesuíta argentino a querer ser sepultado naquele local, a imagem de Nossa Senhora denominada Salus Populi Romani, atribuída a São Lucas evangelista.
A imagem está numa das laterais da igreja vedada ao público e um dos seguranças disse à Lusa que ninguém, dos que hoje procurou a catedral, pediu para a ver.
Há duas horas na fila, a argentina Bella Deletris, 32 anos, estava quase a entrar e não se queixa do tempo de espera. “Estamos todos a fazer o mesmo caminho”, explica, integrada num grupo de argentinos que veio de Córdova.
“Estávamos a pensar vir por causa da canonização do Carlo Acutis, mas viemos na mesma. Por causa do nosso Papa”, afirmou a argentina. A cerimónia de canonização do santo ‘influencer’, que estava agendada para hoje, foi suspensa após a morte do Papa.
“Nosso Papa é porque somos argentinos, é porque somos católicos”, realça Bella, elogiando a “Igreja aberta a todos que trouxe tanta gente não ligava à fé” para a prática religiosa.
Para o futuro, Bella pede um sucessor que siga o exemplo de Francisco, que “se punha ao lado dos mais pobres e dos mais fracos” perante “os abusos dos poderosos”.
Sobre a nacionalidade do futuro papa, o grupo de fièis argentinos não quer saber. “Até pode ser brasileiro”, disse um outro elemento, numa referência à rivalidade histórica entre a Argentina e o Brasil, no que respeita às t-shirts desportivas que envergam.
O sucessor do Papa Francisco à frente da Igreja Católica vai ser escolhido de entre 135 cardeais que vão reunir-se no próximo mês, num conclave que ainda não tem data marcada, mas que deverá ocorrer até 6 de maio.
ZAP // Lusa