Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas,foi ouvido pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP esta quarta-feira. Entre a discussão do seu aval à indemnização de Alexandra Reis, a informalidade na comunicação e alegada “falta de tutela”, Mendes assumiu alguns erros.
Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas que deu aval à polémica indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, apresentou-se esta quarta-feira perante os deputados da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP.
Numa audição com mais de seis horas, o ex-braço direito do ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos veio preparado para provar que o Ministério de que fez parte não interferiu na TAP e que não havia uma má relação entre a empresa e as Finanças, mas também assumiu alguns erros, como a opinião “infeliz” que partilhou sobre o voo do Presidente da República.
“Intervenção setorial era desnecessária” para indemnizar Alexandra Reis
O ex-secretário de Estado das Infraestruturas afirmou que o ministério aceitou o pedido da ex-presidente executiva para substituir Alexandra Reis para “empoderar” a autoridade da ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, que só tinha escolhido um membro da equipa.
“O motivo é simples: dar as melhores condições que a líder executiva reclamava para executar o plano de reestruturação. […] O que queríamos era reforçar — empoderar, como se diz agora — a autoridade de Christine Ourmières-Widener como líder da sua equipa”, afirmou o ex-secretário de Estado.
Referindo-se à especulação em torno das razões para o pedido de substituição de Alexandra Reis por Sofia Lufinha, na equipa executiva da companhia aérea, Hugo Mendes lembrou que Christine Ourmières-Widener tinha escolhido apenas um dos membros da equipa que liderava.
“Negar [o pedido da ex-CEO] seria colocar em risco não só o funcionamento eficaz, mas também reduzir a autoridade da CEO junto da equipa que liderava”, acrescentou o ex-governante.
A saída de Alexandra Reis da companhia aérea com uma indemnização de 500 mil euros causou polémica, a demissão de vários membros do Governo e a constituição desta comissão de inquérito.
Relativamente à indemnização, Hugo Mendes disse que “a preocupação do ministério era manter o valor o mais baixo possível e que respeitasse os direitos da engenheira Alexandra Reis”.
Numa longa intervenção inicial, o ex-governante da equipa de Pedro Nuno Santos sublinhou ainda que nunca foram levantados riscos jurídicos pelos advogados relativamente ao acordo alcançado entre a TAP e a ex-administradora.
“Quinhentos mil euros pareceu-me passível de ser aceite, não apenas por ser recomendado pela CEO, mas porque era um terço do valor inicial [proposto por Alexandra Reis]”, argumentou Hugo Mendes.
Relativamente à informalidade que revestiu a comunicação entre a empresa e a tutela, o ex-secretário de Estado disse que adveio de se tratar de um processo em que “a intervenção setorial era desnecessária”.
“A ex-CEO quis anuência a um acordo que era da sua responsabilidade. […] O procedimento e o formalismo seriam bem diferentes se estivesse em causa a minha assinatura ou do ministro”, apontou.
Hugo Mendes reiterou que confiou na reputação dos escritórios de advogados que trataram do acordo, bem como no seu código deontológico, e, fazendo “fé” no que disse a ex-CEO, o acordo foi enviado para o departamento jurídico, que não levantou problemas.
O ex-secretário de Estado admitiu, porém, que nem tudo correu bem neste processo, sobretudo no que diz respeito à comunicação do processo ao Ministério das Finanças.
“Embora não houvesse dever legal de comunicação entre as tutelas, […] a verdade é que, por uma questão de boa articulação política eu devia ter comunicado esta situação a Miguel Cruz [ex-secretário de Estado do Tesouro]”, admitiu.
“Havia desentendimento forte” entre gestores da TAP
Hugo Mendes reforçou que, após os primeiras reuniões conjuntas não terem corrido da melhor forma, passou a reunir separadamente com os principais gestores da companhia.
Aos deputados, Mendes disse que, nas duas vezes em que reuniu com a ex-CEO, com o presidente do conselho de administração e com o administrador financeiro, “correu mal”.
“Percebi que havia um desentendimento forte“, afirmou, sem avançar mais detalhes. O ex-secretário de Estado, de seguida, arcou com as responsabilidades dessa decisão.
“Foi meu entendimento segmentar as reuniões. Não queria estar a mediar o que me pareceu serem tensões entre administradores“, afirmou.
Confrontado com acusações de “falta de tutela” vindas de Manuel Beja, antigo chairman da TAP, Hugo Mendes garantiu nunca ter deixado Beja sem resposta.
“Não fui força de bloqueio. A legitimidade democrática era mais importante do que a pressa do Dr. Manuel Beja”.
Apesar da “pressa”, Manuel Beja não teria, segundo Hugo Mendes, uma lista de nomes para os lugares de administradores não executivos, vários meses depois.
“Palavra de agradecimento” a Pedro Nuno Santos
O nome de Pedro Nuno Santos foi ouvido várias vezes na comissão desta quarta-feira. Hugo Mendes começou logo por deixar uma “palavra de agradecimento” ao ex-ministro.
Aliás, ao ex-secretário de estado, a certo ponto, perguntaram-lhe se estava a trocar mensagens com Pedro Nuno Santos, após ser visto a mexer no telemóvel.
“Não estou a falar com Pedro Nuno Santos. Estou a falar com outras pessoas”, começou por se explicar, acrescentando que nada o proíbe de falar com o ex-ministro.
“Eu não estou proibido de falar com Pedro Nuno Santos. Isso está escrito onde?”, questionou.
E antes, Mendes não mentiu, confessando que tinha conversado no dia anterior com “o Dr. Pedro Nuno Santos”.
Um email enviado por Widener a Mendes, em janeiro de 2022, cita uma conversa com Pedro Nuno Santos em que o ex-ministro aprova a atribuição de um bónus referente ao exercício anterior, que para Hugo Mendes, terá sido a mesma reunião em que a ex-CEO pediu a saída da administradora Alexandra Reis.
“O Dr. Pedro Nuno Santos é que tem de confirmar em que termos decorreu a conversa com a CEO. Tem de inquirir o Dr. Pedro Nuno Santos”, afirmou.
A reunião entre Nuno Santos e Christine Ourmières-Widener, na qual Mendes afirma não ter estado presente, continua por explicar.
Depois de “ouvir dizer”, soube dos fundos Airbus em 2022
Hugo Mendes admitiu ter tido conhecimento formal dos fundos Airbus em 2022, assegurando que o Governo que integrou “não escondeu nada a ninguém” porque foi quem enviou o processo para o Ministério Público.
Na audição que decorre na comissão de inquérito à TAP, o antigo secretário de Estado das Infraestruturas foi questionado pelo deputado do PCP Bruno Dias sobre quando teve conhecimento dos chamados fundos Airbus, dividindo a resposta entre o momento em que soube formalmente e o “ouvi dizer”.
O conhecimento formal, segundo Hugo Mendes, foi em 2022, quando soube das diligências que a administração da TAP começou a fazer junto da Airbus.
“Não tinha informação concreta, específica, rigorosa que pudesse levantar bandeiras de risco”, referiu mais à frente.
Hugo Mendes admitiu, contudo, ter “ouvido dizer” que existiam fundos antes de ter tido conhecimento formal. A propósito, justificou que na TAP há “muitos ouvi dizer”.
“Nós não escondemos nada a ninguém”, respondeu a Bruno Dias, recordando que foram os ministros das Infraestruturas e das Finanças, Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, que “mandaram para o Ministério Público” este processo.
Hugo Mendes recordou que “foi este Governo que o fez”, o que é uma “atitude um bocadinho diferente do ouvi dizer”.
Em causa estão os chamados fundos Airbus, que resultaram de um negócio do ex-acionista privado da TAP David Neeleman com a fabricante de aviões, que envolveu a troca de uma encomenda de 12 aviões A350 por 53 de uma nova gama e uma “contribuição” superior a 200 milhões de euros da fabricante ao empresário, que os usou para capitalizar a TAP, conforme previsto no acordo de privatização.
No ano passado, uma auditoria pedida pela TAP apontou indícios de que o negócio tenha lesado a companhia aérea, por estar alegadamente a pagar um valor superior pelos aviões comparativamente aos concorrentes, motivando a abertura de um inquérito pelo Ministério Público, cujas conclusões ainda não são conhecidas.
“Nenhuma instrução” para alterar data do voo de Marcelo
O ex-secretário de Estado reconheceu que foi infeliz a opinião que partilhou com a ex-presidente executiva da TAP sobre um voo do Presidente da República, mas assegurou que não deu qualquer instrução para alterar a data.
“Penalizo-me pelo comentário que partilhei com ex-CEO sobre o senhor Presidente da República, embora quisesse tão só sinalizar junto de alguém com quem tinha uma relação profissional de confiança o apoio que o senhor Presidente da República deu à difícil decisão de resgatar a TAP”, disse a propósito de um email sobre a alteração da data de um voo de Marcelo Rebelo de Sousa.
Reconhecendo que “não devia ter emitido nem partilhado aquela opinião tanto no seu conteúdo como na sua forma”, o antigo governante garantiu que não partiu dele “a iniciativa de pedir nada” e que foi o “destinatário de um email” que a ex-CEO endereçou a “expressar uma dúvida”.
“Limitei-me a partilhar uma opinião. Foi sem dúvida infeliz, mas eu não dei nenhuma instrução”, assegurou.
Na opinião de Hugo Mendes, Christine Ourmières-Widener “tanto sabia que não era uma instrução como tomou a decisão que entendeu ser a melhor na esfera da sua autonomia” e não alterou o voo.
“Se tivesse sido uma instrução que não tivesse esse sido cumprida merecia uma chamada de atenção”, ressalvou.
Ourmières-Widener enviou um email a Hugo Mendes a pedir a sua opinião sobre o pedido que recebeu da agência de viagens, tendo o então governante respondido que era importante manter o apoio político de Marcelo Rebelo de Sousa, considerando que era o “principal aliado” do Governo mas que poderia tornar-se o “pior pesadelo”.
Secretário de estado das Infraestruturas e braço direito de Pedro Nuno Santos de março de 2022 a janeiro de 2023, Hugo Mendes demitiu-se após o surgimento do caso da indenização a Alexandra Reis no valor de 500 mil euros.
A audição do ex-Secretário de Estado é a primeira de uma série de audições de peso esta semana. Amanhã será ouvido o antigo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e na sexta-feira o ministro das Finanças, Fernando Medina.
ZAP // Lusa