Elevador da Glória: peça invisível durante vistoria pode ter dado origem ao acidente

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Rodrigo Antunes / Lusa

Entre os funcionários da Carris, havia a ideia de que o Elevador da Glória não funcionava na perfeição. Contudo, a vistoria daquela manhã não detetou nada de anormal. Em causa pode estar uma peça não visível durante a inspeção.

As vistorias no Elevador da Glória são diárias. No dia do acidente, quarta-feira, a inspeção visual ao cabo do ascensor foi feito entre as 9h13 e as 9h46 e, segundo o Público, assegurou que estava tudo em condições.

Aparentemente, normal; uma vez que o cabo tinha apenas 263 dias de uso, e deve ser mudado apenas a cada 600.

Na inspeção diária, o técnico de manutenção desce ao fosso do elevador e observa o cabo durante uma viagem completa, conseguindo ver a totalidade do cabo. Caso haja fios do cabo partidos, os veículos têm de ser parados imediatamente. Mas, nesse dia, aparentemente, estava tudo bem.

Como explica o matutino, o “OK” dado a este item do manual de procedimentos — que inclui nove itens de verificação diária — deixa em aberto a possibilidade de que o cabo não se tenha partido, mas sim que se tenha desprendido de um dos veículos, devido, eventualmente, a alguma falha na fixação.

Ou seja, o problema que viria a causar o acidente poderá não ter sido detetado naquela manhã, devido a uma peça que não era visível durante a vistoria.

O Público descreve-a como a falha “mais provável”.

“Ó avô, eu não gosto de andar neste elétrico”

Como foi referido acima, na manhã de quarta-feira, aparentemente, estava tudo bem, no Elevador da Glória. No entanto, o Público sabe que, entre os funcionários da Carris que lidavam com o elevador da Glória, havia a ideia de que o sistema não estava funcionava na perfeição.

Pequenos indícios, “só percetíveis por quem conhece o material”, indiciavam que havia problemas de sobrecarga.

Como detalha o matutino, havia a sensação de que as cabinas baloiçavam mais do que antigamente. Além disso, havia um “chocalhar” no funcionamento do elevador.

Curiosamente, num relato feito à RTP esta quinta-feira, Abel Esteves, que mora no Bairro Alto e disse usar este elevador quase diariamente, desde há muitos anos, estranhamente, relatou ter sentido insegurança ao descer o elevador, cerca de uma hora antes do acidente, que aconteceu pelas 18h.

“Eu vim para baixo faltava um quarto para as cinco [da tarde]. Ia levar o meu neto à minha nora, ali ao Saldanha. E o meu neto, que vai fazer 5 anos disse ‘ó avô, eu não gosto de andar neste elétrico’. Passado uma hora, chegámos aqui e aconteceu isto”, lamentou.

A testemunha disse que, até então, nunca tinha sentido insegurança naquele elevador.

Segundo o Público, os guardas-freios também se queixavam de folgas no cabo, “tendo havido até um incidente, há alguns meses, em que a carruagem que chegava ao topo chegou a bater nos degraus de acesso à rua da Misericórdia”.

Em 2018, este elevador já tinha descarrilado. Na altura, não houve mortos nem feridos e o assunto não mereceu muita atenção.

No entanto, de acordo com o Público, os rodados, que ficaram bem à vista, mostraram uma grosseira falha na manutenção porque estavam praticamente lisos e sem verdugo.

O verdugo é a saliência lateral da roda do elevador que serve para evitar o descarrilamento. Os rodados devem ser torneados periodicamente. Contudo, no acidente de há oito anos, havia essa falha.

Conhecimento técnico vai-se perdendo

A externalização da atividade de manutenção, atribuída por concurso público tendo como único critério o preço mais baixo, reduziu de 24 para 6 o número de pessoas que faziam parte da equipa de manutenção dos elevadores da cidade de Lisboa.

Além disso, a manutenção em permanência foi substituída por vistorias diárias.

Várias fontes do Público alertam também para a perda de conhecimento técnico, à medida que os mais velhos se reformam. Esse conhecimento técnico, partilhado por engenheiros e operários, vai-se perdendo – consideram – à medida que a atividade passa a ser feita por empresas que prestam serviços em contratos de três ou quatro anos.

O presidente da Carris, Pedro de Brito Bogas, ter alertado para o facto de, nesta fase, ainda ser cedo para tirar conclusões sobre acidente.

Miguel Esteves, ZAP //

4 Comments

  1. Talvez a IA depois resolva estes problemas de conhecimento técnico !!!!
    Tanta gente a ganhar dinheiro, e cada vez se exige menos qualidade no serviço e nas competências técnicas dos profissionais !
    Concurso ia ser adjudicado por 1,2 milhões para outsorcing …?
    Cada vez se percebe menos do que se passa em PT !

    • Acreditas mesmo em IA? Eu duvido muito da humana …

      Respondendo à tua questão: no estágio final do capitalismo em que estamos os patrões procuram extrair o máximo de renda com o menor custo possível.

      De modos que se fosse um velho serralheiro como eu a assegurar a manutenção, cobraria para aí 50000 por ano já com peças de desgaste incluídas enquanto para eles não lhes chegam 20X mais!

  2. O que serão peças invisíveis num mecanismo??? Não podem existir peças invisíveis perante o olhar de profissionais que fazem esse tipo de manutenção…. Mais areia para os olhos dos mais incautos…..

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