Economistas consideram otimista a estimativa do Governo para o crescimento económico e défice em 2019, e referem que o Programa de Estabilidade “é pouco ambicioso” ao nível da reforma do Estado.
O Governo apresentou a 15 de abril o Programa de Estabilidade 2019-2023, o último da atual legislatura, no qual reviu em baixa o crescimento económico para este ano, prevendo uma expansão de 1,9%, um decréscimo de 0,3 pontos percentuais face aos 2,2% inscritos no Orçamento do Estado, mas que supera as previsões dos restantes organismos.
Em declarações à Lusa, citada pelo Expresso no domingo, o economista do BBVA para Espanha e Portugal, Angie Suárez Salazar, disse que “as previsões do Governo baseiam-se numa estimativa otimista da capacidade de crescimento da economia portuguesa”.
Segundo o economista, a previsão do Governo de uma expansão de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano está acima das previsões do BBVA de um crescimento económico de 1,5% em 2019, e também supera as previsões das principais organizações internacionais – de 1,7% do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Comissão Europeia – e nacionais – de 1,6% do Conselho das Finanças Públicas e 1,7% do Banco de Portugal.
“Embora seja possível que o efeito das reformas implementadas tenha aumentado o ritmo a que o PIB português pode crescer sem gerar desequilíbrios, pensamos que estes níveis são mais próximos dos 1,5%, em linha com as nossas previsões para os próximos anos”, acrescentou Angie Suárez Salazar.
Para a evolução do saldo orçamental global das administrações públicas, o Governo manteve a meta de défice de 0,2% do PIB para 2019, antecipou um excedente de 0,3% para 2020 e de 0,7% do PIB em 2023, o último ano do horizonte temporal.
“A estimativa de 2019 parece demasiado otimista tendo em conta o Orçamento de Estado de 2019 e o facto de estarmos num ano eleitoral”, considerou o professor da Universidade Católica João Borges de Assunção.
O economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, Filipe Garcia, frisou, por seu turno, que “é positivo que se aponte para a criação de excedentes orçamentais que permitam diminuir a dívida pública, que é uma das maiores fragilidades e ameaças da economia portuguesa”.
“Apontar para um ‘superavit’ é uma lufada de ar fresco que se saúda”, salientou, referindo que “não se pode olhar para este plano de estabilidade como um orçamento porque há muitas variáveis desconhecidas que apenas se podem tentar adivinhar”, como o crescimento económico mundial e a evolução das taxas de juros, entre outros.
João Borges de Assunção afirmou igualmente que “o programa de estabilidade é pouco ambicioso em matéria de reforma do Estado, incluindo reformas na área da Segurança Social e nas pensões”.
O Programa de Estabilidade 2019-2023 “é consistente com o comportamento do Governo ao longo da legislatura. As metas gerais do quadro Pacto de Estabilidade e Crescimento são cumpridas, mas o Governo não parece motivado para fazer reformas no Estado”, apontou.
Para Filipe Garcia, também “não é tão positivo verificar que se pretende manter uma carga fiscal tão intensa, o que retira competitividade à economia” e faz crer que o Estado continuará sobredimensionado. “Mas prefiro olhar para o copo meio cheio e notar que não se pretende simplesmente aproveitar o ciclo atual para gastar muito mais”, salientou.
Para a dívida pública, o Governo antecipou, no Programa de Estabilidade 2019-2023, que atinja 118,6% do PIB em 2019 e que vá descendo até 99,6% em 2023.
João Borges de Assunção frisou que “este valor [99,6%] é ainda ameaçado por riscos de operações extraordinárias de apoio ao setor financeiro”, mas considerou que, “caso se atinja uma dívida da ordem de 100% do PIB em 2023, estar-se-ia no caminho inequívoco de regresso a uma certa normalidade financeira do Estado”.
O objetivo “é positivo, mas tal não é ainda um dado adquirido. E depende, sobretudo, da qualidade do Governo e da governação”, alertou o economista.
Retoma da produtividade
De acordo com o Público, o Governo está à espera que, já a partir deste ano e durante os quatro anos seguintes, “a economia portuguesa consiga algo em que tem falhado desde o início do século: um crescimento permanente da produtividade de pelo menos 1% ao ano”.
No Programa de Estabilidade apresentado, referiu o jornal, o Executivo prevê que, depois de uma descida de 0,2% em 2018, a produtividade – medida como o valor do PIB por pessoa empregada – cresça 1,3% este ano, o que seria o melhor resultado desde 2013. E que, depois disso, até 2023, taxas de crescimento da produtividade semelhantes se continuem a registar: também 1,3% em 2020, 1,4% em 2021 e 2022 e 1,6% em 2023.
O artigo frisou que um crescimento da produtividade deste tipo – mantendo-se a um nível elevado de uma forma constante ao mesmo tempo que se regista também um aumento do emprego – é algo a que não se assiste em Portugal desde o início deste século. Caso se concretize, constitui uma viragem completa da tendência decrescente que se tem vindo a verificar neste indicador ao longo de várias décadas.
A culminar essa tendência, a produtividade por trabalhador registou, no total dos últimos cinco anos (entre 2013 e 2018) uma quebra de 0,5%, de acordo com os números publicados pela Comissão Europeia, o que torna estes cinco anos nos piores para este indicador desde pelo menos 1960 (o primeiro para o qual há dados comparáveis).
Para os próximos cinco anos – entre 2018 e 2023 – aquilo com que o Governo está a contar é um crescimento total de 7,2%, que faria Portugal regressar a desempenhos neste indicador que não se vêem há quase duas décadas.
Durante essas duas décadas houve alguns anos em que a produtividade por trabalhador registou picos de crescimento significativos. O último ano com um crescimento acima de 1% foi 2013, quando a produtividade aumentou 1,8%. Porém, tal aconteceu num cenário de forte recessão em que, apesar de o PIB ter contraído, o emprego caiu ainda mais.
A partir dessa altura, assiste-se a uma quase estagnação da produtividade. Embora a economia tenha voltado a crescer, fê-lo principalmente com o contributo do fator trabalho. Tendo como ponto de partida uma taxa de desemprego recorde, o crescimento fez-se sobretudo em setores com uma grande intensidade de trabalho, como os ligados ao turismo, e, por isso, o emprego cresceu mais do que a economia, o que se espelha na diminuição da produtividade durante os últimos cinco anos.
Agora, acredita o Governo, Portugal deve passar de um crescimento baseado quase unicamente na criação de mais empregos para outro em que produtividade e capital ajudem mais.
No Programa de Estabilidade, é reconhecido que “o crescimento económico nos últimos três anos se deveu, essencialmente, às dinâmicas do crescimento do emprego”, afirmando-se que “no horizonte de previsão 2019-2020 é esperado que a produtividade total dos fatores assuma um maior relevo no crescimento, acompanhada de um contributo crescente do capital e um contributo decrescente, mas mesmo assim relevante, do fator trabalho”.
O Executivo antecipou que, logo a partir deste ano, e nos quatro anos seguintes, o aumento da produtividade vai contribuir para mais de metade da taxa de crescimento, que se irá situar sempre perto dos 2%.
Emprego a chegar ao seu limite
Em 2018, a taxa de desemprego caiu para os 7%, valor que começa a ficar próximo daquilo que os economistas calculam poder ser o nível “natural” para este indicador em Portugal, habitualmente em torno dos 5,5% da população ativa.
“É, portanto, muito provável que, depois de três anos de forte criação de emprego (o emprego cresceu 2,3% em 2018, por exemplo), se assista agora a um ritmo mais moderado”, lê-se no artigo do Público.
Neste ponto, o Governo e outras instituições – como a Comissão Europeia, o FMI ou o Banco de Portugal – estão em sintonia, sendo que o primeiro é mesmo o mais prudente na sua projeção.
No Programa de Estabilidade, o Executivo aponta para um crescimento do emprego de 0,6% ao ano até 2022 (atingindo-se uma taxa de desemprego de 5,4% em 2023). O Banco de Portugal coloca o emprego a crescer 1,5% em 2019 e, depois, 0,9% e 0,4% em 2020 e 2021, respetivamente (atingindo uma taxa de desemprego de 5,2% em 2021).
Segundo o Público, os responsáveis do FMI e do Banco de Portugal, por exemplo, defendem que “a única forma de aumentar o crescimento potencial português é adoptando medidas que conduzam a um aumento da produtividade”, elencando reformas estruturais que vão desde mudanças nos mercados de trabalho e de produto, até a uma maior aposta na inovação e no capital humano.