No Dona Estefânia, as crianças queimadas estão a ser tratadas no fundo do corredor

Patricia de Melo Moreira / AFP

Direção do Centro Hospitalar diz há muito ter conhecimento da situação, mas escuda-se na falta de verbas para concretizar a obra prevista há décadas.

No principal hospital pediátrico do país falta um pouco de tudo para tratar as crianças queimadas que ali chegam. Climatização adequada, compressas, recursos humanos são algumas das lacunas da unidade que têm vindo a aumentar desde que, há 20 anos, a Unidade de Queimados foi transferida para dois quartos ao fundo de um corredor. O que era tida como uma mudança transitória, acabou por se repercutir com o tempo.

O ar condicionado, por exemplo, “está sempre a avariar”, o que torna mais difícil o trabalho de profissionais de saúde, mas também a recuperação das crianças, com feridas profundas. Por não ficarem quietas, muitas vezes têm de ter grandes cargas de pensos, o que aumenta a sensação de calor no verão. No inverno, manter as temperaturas constantes é também determinante para garantir a melhor e mais rápida cicatrização das queimaduras.

No que respeita a materiais, faltam também compressas, sobretudo de dimensões mais reduzidas. Os profissionais de saúde, mais uma vez, fazem o quem, improvisando com compressas grandes, que, muitas vezes, ficam a “largar fios e a prender-se à ferida”.

Um simples banho – que no caso de crianças internadas com queimaduras deixa de ser simples – tornou-se um suplício e uma aventura dentro do Dona Estefânia, descreve o Expresso. Uma médica da unidade descreveu ao semanário que nestas situações é necessário “sedar as crianças, mas a falta de condições, que existiam anteriormente na sala de pensos, obriga a que os médicos tenham que recorrer ao bloco operatório central, para onde levam as crianças de forma a sedá-las, dar-lhes banho e fazer pensos.

No entanto, a viagem pode, às vezes ser em vão, já que os anestesias de serviço, em modalidade de urgência, apontam que este se trata de um ato programado. “Temos de estar ali a convencê-los do contrário”, afirmou a clínica ao Expresso.

Os recursos humanos, à semelhança dos materiais, também estão em falta. Por exemplo, os enfermeiros são cada vez menos, e os que existem têm de ser partilhados com as enfermarias. Esta trata-se de uma prática especialmente perigosa, uma vez que, devido à falta de tempo, os enfermeiros acabam por fazer a transição sem mudar de roupa, num “claro desrespeito por todas as normas para os cuidados em unidades de queimados”, defendeu a especialista.

Se se considerar que as crianças internadas na Unidade de Queimados ali permanecem durante meses, todas estas queixas ganham uma nova dimensão. Por exemplo, no caso dos banhos, que acabam por ser feitos com compressas e águas nas zonas sem queimaduras, e das trocas de roupa dos enfermeiros, que expõem as crianças a infeções, já que, a somar a tudo isto, têm fortes probabilidades de se tornar resistentes a muitos antibióticos.

O assunto é já conhecido pela direção do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa, que afirma todos os dias procurar “minimizar as dificuldades que existem”. O organismo explica ainda que o CHULC já pediu um reforço de verbas para dar resposta ao problema e à concretização da obra na Unidade de Queimados, mas “a concretização do projeto e as dotações necessárias para o efeito têm sido previstas, de forma continuada, no Plano de Atividades e Orçamento do CHULC, não tendo recebido até ao momento o necessário deferimento”.

Em 2017, a propósito dos incêndios de Pedrogão Grande, Marcelo Rebelo de Sousa, com a sua comitiva, por ali passou. O objetivo foi avaliar o as lacunas que já haviam sido identificadas, mas, no entretanto, “nada avançou e os problemas só têm vindo a agravar-se, e o cansaço é muito grande”.

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