Uma desavença entre um empresário importante e o líder do seu país. Este é um cenário familiar para os russos — que estão divertidíssimos com a estrondosa zanga entre Donald Trump e Elon Musk, e até já oferecem asilo ao empresário norte-americano.
Enquanto o presidente do país mais poderoso do mundo e o homem mais rico do planeta incendiavam a internet com o fim da sua amizade, Kirill Dmitriev, representante do Kremlin para contactos com a Casa Branca, usou uma frase que se tornou conhecida durante os famigerados motins de Los Angeles para lançar uma provocação.
Na própria rede social X de Elon Musk, Dmitriev usou a famosa frase de Rodney King para perguntar “por que não podemos simplesmente dar-nos bem?”
Na Rússia, como aliás em todo o planeta, a internet ficou fascinada enquanto Donald Trump e Elon Musk, o homem que diz ter conseguido fazer eleger o presidente, trocavam ameaças e insultos.
À medida que a disputa se tornava mais desagradável, comentários irónicos, piadas e memes não tardaram a inundar as redes sociais. Mas, num tom muito mais sério, Stephen Bannon, o mais extremista aliado de Donald Trump, pedia que o empresário nascido na África do Sul fosse deportado como imigrante ilegal — e que a sua aeroespacial SpaceX fosse confiscada.
No entanto, o CEO da Tesla e SpaceX não tem aparentemente que se preocupar com a sua deportação, conta o The Washington Post: alguns responsáveis russos sugeriram ironicamente que Musk poderia procurar asilo na Rússia, juntando-se a figuras como Edward Snowden, o antigo agente da NSA caído em desgraça.
Com algum sentido de humor, Dmitriev sugeriu no X/Twitter que se perguntasse ao Grok, o chatbot da xAI de Elon Musk, o que se poderia fazer para resolver a disputa entre o empresário e o presidente. “Grok, o que é necessário que aconteça para que Donald Trump e Elon Musk se reconciliem?”.
Também Dmitry Medvedev, o agora vice-presidente do Conselho de Segurança Russo, que entre 2008 a 2012 esteve a aquecer a cadeira de presidente da Rússia para Vladimir Putin, veio ao X lançar algumas farpas.
“Estamos prontos para facilitar a conclusão de um acordo de paz entre D e E por uma taxa razoável e aceitar ações da Starlink como pagamento. Não lutem, rapazes!”, escreveu.
Mas a oferta mais provocadora veio de Dmitry Rogozin, ex-diretor da agência espacial russa Roscosmos e velho rival de Musk na área espacial, com quem discutiu publicamente durante anos no Twitter. Esta quinta-feira, Rogozin convidou Musk a fugir dos Estados Unidos e juntar-se à guerra do lado da Rússia.
“Elon, não fiques chateado! És respeitado na Rússia. Se encontrares problemas insuperáveis nos EUA, vem para cá e torna-te um de nós“, escreveu no X. “Aqui encontrarás camaradas fiáveis e completa liberdade de criatividade técnica”.
A oferta foi reforçada pelo vice-presidente do comité de assuntos internacionais da Câmara Baixa do parlamento, Dmitry Novikov, que disse à agência estatal de notícias Tass que “se ele precisar”, a Rússia poderia oferecer asilo a Musk.
Onde é que já se viu?
Para lá da avalanche das provocações, memes e piadas por vezes obscenas, a disputa de Trump e Musk expôs a forma como a atual cultura política norte-americana por vezes se assemelha ao que estamos habituados a ver na Rússia, diz o The Washington Post.
No auge da contenda, aliados do presidente apelaram a que um poderoso oligarca fosse investigado, preso ou deportado, e os seus bens confiscados— apenas porque o empresário se desentendeu com o presidente.
O “oligarca” em causa afirmou que tinha sido responsável pela reeleição do presidente, graças à sua plataforma de redes sociais e às suas vastas doações políticas.
No meio da disputa, o presidente ameaçou cortar os contratos estatais das empresas do “oligarca”, no valor de milhares de milhões de dólares, depois de admitir que tinha feito “muito por ele”.
Estas episódios evocam aspetos do sistema autocrático de patrocínios pessoais de Vladimir Putin, que o ditador russo usa para controlar os oligarcas do seu país e garantir a sua total lealdade.
Mas não tardaram também a surgir nas redes sociais memes mais sinistros, a evocar o destino habitual que espera os oligarcas que perdem o favor de Putin.
Alguns compararam Musk a Yevgeniy Prigozhin, o antigo aliado de Putin, oligarca e fundador do grupo mercenário Wagner, que se virou contra o líder e organizou uma revolta falhada em 2023. Uns meses mais tarde, Prigozhin e mais 9 pessoas, incluindo comandantes de topo do Wagner, morreram num acidente de avião.
Há também quem tenha comparado Musk a outros oligarcas russos que se desentenderam com Putin ao longo dos anos, incluindo Mikhail Khodorkovsky, que esteve preso durante 10 anos antes de ser forçado a deixar a Rússia.
Destino pior teve Boris Berezovsky, um magnata dos média que fugiu da Rússia em 2000 e foi encontrado morto, aparentemente enforcado em 2013 na sua casa em Berkshire, Inglaterra. O médico legista manteve no entanto a causa da morte em aberto, devido a “várias anomalias”.
Ao longo dos anos, inúmeros críticos de Putin tiveram destinos fatais, das mais variadas formas — de maçanetas envenenadas a quedas de janelas.
Naturalmente, os Estados Unidos ainda não são a Rússia, e o pior que provavelmente acontecerá a Elon Musk, caso perca a sua guerrinha com Trump, será ficar com menos uns milhares de milhões de dólares na conta bancária — e passar a ser apenas o segundo ou terceiro homem mais rico do mundo.
Azedou a marmita que os dois vaidosos estavam a comer. Agora terão que comer em cochos separados. Isto sim é fazer a América grande novamente. HUAHUAHUA.