/

O desporto automóvel é dos mais poluentes do mundo. O que fazem, então, as suas equipas na COP26?

Andrew Parsons

Alice Powell com o carro da Envision Racing

A Envision Racing é uma equipa do mundial de Fórmula E que olha para a modalidade como um veículo para promover a mensagem de um planeta mais verde, alimentado a energias renováveis, e não para publicitar os seus veículos — não sendo uma construtura a nível global.

O desporto automóvel, a começar pela categoria rainha, a Fórmula 1, é indiscutivelmente uma das modalidades mais poluentes do mundo. Não há como o negar: desde o processo de planeamento dos carros que requer o uso de túneis de vento, passando pelo abastecimento dos monolugares com derivados de combustíveis fósseis e terminando na elevada pegada alimentar inerente ao transporte e montagem do já denominado ‘circo’ – toda a infraestrutura necessária para a realização de um Grande Prémio – nos mais variados cantos do globo, as consequências estão sempre lá.

Mesmo com os esforços dos organizadores para promover uma maior consciencialização e uma imagem mais verde do desporto — seja através da plantação de árvores nas imediações dos circuitos, seja através da instalação de painéis solares para alimentar o consumo de energia —, há pontos difíceis de reverter. Por exemplo, a propósito da divulgação do calendário do mundial de Fórmula 1 para 2022, os adeptos da modalidade foram rápidos a apontar os custos ambientais da realização de uma corrida em Miami, nos Estados Unidos, a meio de uma jornada europeia.

Numa outra linha, a tentativa de o automobilismo, sobretudo na categoria de velocidade, se virar para os motores elétricos parece não estar a correr às mil maravilhas. A Mercedes, marca que domina a Fórmula 1 ao longo dos últimos seis anos e em 2021 venceu o campeonato de Fórmula E, anunciou que a próxima temporada será a última nesta competição. O anúncio foi visto como uma machadada nos planos dos organizadores, face ao peso que a equipa tem no desporto automóvel, mas também junto daqueles que ambicionavam um desporto mais verde.

No caso da Mercedes, ao contrário do que dirão muitas outras equipas, o problema não está propriamente no dinheiro, já que na sua retaguarda existe mesmo um império da indústria automóvel que facilita, entre outras coisas, na produção de componentes para os monolugares — é uma equipa construtora, em vez de recorrer às peças de outras marcas.

A Envision Racing, tal como demonstra o nome, não é uma gigante do mundo automóvel. Entrou na Fórmula E cedo, tendo começado a produzir as suas próprias peças para depois recorrer às unidades motrizes da Audi. Afirmaram-se como uma equipa competitiva, mesmo na última temporada, na qual não ganharam nenhuma corrida mas subiram frequentemente ao pódio, somando muitos pontos.

Em 2017, a Envision Racing lançou a iniciativa Race Agains Climate Change, através da qual se têm esforçado para afirmar os propósitos da Fórmula E, mas também para não deixar cair a categoria em lugares-comuns no que respeita à luta contra o aquecimento do planeta. Como tal, não é de estranhar a sua presença na COP26, a cimeira climática global que decorre por estes em Glasgow e que conta com a presença de vários líderes mundiais.

Na capital escocesa, a Envision Racing apresentou três novos carros – o monolugar da próxima temporada na Fórmula E, um veículo elétrico de dois lugares e um carro feito literalmente de lixo. Mas, tal como pergunta o site The Drive, para quê tanto trabalho? A marca não terá grande peso ou voz na discussão das emissões de dióxido de carbono por parte dos carros ou quando os veículos com motor a combustão forem banidos do mercado.

Para Sylvain Filippi, diretor e responsável pelo departamento tecnológico da marca, a explicação não é assim tão linear. “É muito importante para nós estar aqui, é um símbolo do que queremos atingir enquanto equipa – ao mesmo tempo, não é nada de novo. O propósito da nossa equipa é ajudar a acelerar a adoção de carros alimentados por fontes de energia renováveis, algo que faz sentido para os próprios administradores e donos da equipa”, notou Sylvain.

Os donos da equipa são, na realidade, uma empresa chinesa, a Envision, a qual produz, por exemplo, turbinas para eólicas ou baterias de armazenamento em rede. Como tal, apesar de a Envision não ser uma vendedora de carros, tem todo o interesse em que este mercado aumente e se desenvolva o máximo possível. Do seu lado tem o facto de não ser, no que respeita às corridas, uma equipa construtora, pelo que a sua participação na Fórmula E não se justifica com a afirmação de um produto que se apresentará como melhor ou superior ao dos seus adversários – sendo, até, muito neutral nestas questões.

“Na Fórmula E, obviamente, estamos a falar de carros elétricos, das tecnologias nos carros e do quão eficiente eles são agora e poderão ser no futuro”, explicou Sylvain. “Mas o nosso trabalho é também, no meu ponto de vista, pensar além disso e dizer: um carro elétrico, mesmo que hoje seja alimentado pela rede de energia, é já mais eficiente e precisa de menos carbono do que aqueles com combustão interna”.

“Mas o sonho – e terá que acontecer rapidamente –, o objetivo, digamos assim, é ter todos os países com energias renováveis. Dessa forma, naturalmente, alguma energia será usada na mobilidade. Estaremos – enquanto Envision Racing –numa posição perfeita devido aos nossos proprietários, ao nosso ADN enquanto equipa, para falarmos do carro, mas também do ecossistema à nossa volta. Como tal, estamos a ver mais além. Por isso, sim, é preciso tudo isto: a Fórmula E é bem-sucedida porque temos incríveis marcas de carros a desenvolver tecnologia igualmente incrível, mas também são precisas equipas como nós, para falar de um cenário mais amplo e do ecossistema.”

Ao longo do último ano a equipa trabalhou proximamente com os organizadores da COP26, de forma a divulgar a campanha Together For Our Planet, e, ao contrário do que seria de esperar, a presença da Envision Racing foi muito requisitada – ao mesmo nível da presença de alguns delegados internacionais. Segundo Sylvain Filippi, trata-se de “elevar o perfil da COP26, se é que isso é preciso, mas a partir de um ângulo diferente”.

Ainda segundo o site The Drive, algumas das iniciativas da equipa podem, à primeira vista, não ter assim tanto sentido no que respeita à ligação entre o desporto motorizado e o clima, mas o propósito não deixa de estar lá. Por exemplo, em 2020, realizaram uma parceria com a Kids Against Plastic, de forma a sensibilizar as crianças precisamente contra o uso de plásticos. Num primeiro olhar, parece ser uma causa nobre e com sentido, mas sem qualquer ligação às corridas e benefício para estas. Mas, na realidade, as crianças de hoje percebem mais de plásticos e do impacto destes no planeta do que percebem de carros. Para muitas, os carros deixaram de ter a componente atrativa que tinham há décadas, por exemplo.

“A Fórmula 1 é tão bem sucedida, como sabemos, devido à sua história e ao seu legado das décadas de 80 e 90. Mas se fores uma criança e ainda não tiveres estado exposta a isso, toda essa história não fará sentido, explicou Sylvain Filippi. “Por isso, com certeza que as gerações mais novas, estando mais em contacto com as questões climáticas serão mais recetivas a estas questões. Vão percebê-las melhor.”

Encaixar as corridas na chamada agenda verde pode ser, para as marcas construtoras de carros, algo fácil. Mas para os menos céticos, há uma oportunidade de as incluir no futuro sem o comprometermos. Simultaneamente, essa aposta pode também compensar, tal como está a acontecer com a Envision, tal como aponta o seu responsável. “Há um segmento de jovens que acompanha a Fórmula E e a nossa equipa por tudo o que estamos a fazer pelas alterações climáticas, e não pelo contrário”, explicou.

ZAP //

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.